Acórdão nº 1975/21.1T8PRT-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-05-23

Ano2022
Número Acordão1975/21.1T8PRT-B.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
ProvdCautNEspecificada-1975/21.1T8PRT-B.P1
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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
No presente procedimento cautelar não especificado, com pedido de decretamento de inversão do contencioso em que figuram como:
- REQUERENTE: AA, viúva, portador do Bilhete de Identidade n.º ..., emitido em 5/6/2006, pelo arquivo do Porto, vitalício, Contribuinte Fiscal n.º ..., residente na ... Porto; e
- REQUERIDOS: BB e CC, casados entre si, residente na ... Porto
pede a requerente que seja determinada a entrega de imóvel sua propriedade.
Alegou para o efeito e em síntese que, a pedido dos requeridos, autorizou que estes utilizassem, por um curto período de tempo, o referido imóvel sua propriedade, o qual, à data se encontrava desocupado.
Mais alegou que, atualmente, carece do referido imóvel, dado que não tem outro local onde residir, sendo que os requeridos se recusam a restituí-lo.
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Os requeridos deduziram oposição, alegando a existência de um acordo celebrado com a requerente nos termos do qual seria celebrado, no futuro, um contrato de arrendamento que titulasse a sua permanência no imóvel, sendo que tal contrato nunca veio a ser celebrado, aguardando os requerentes que a requerida o faça.
Alegou que a requerida mulher, por motivos de doença - Parkinson - e perante a impossibilidade do requerido prestar os devidos cuidados, passou a residir em ..., na companhia de um filho.
O requerido BB permaneceu na habitação e não tem outro local onde residir, tem 78 anos e sofre de doença do foro oncológico.
Pede, assim, a improcedência do procedimento.
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Procedeu-se à nomeação do requerido como curador provisório da requerida, após promoção do Digno Ministério Público.
O curador provisório outorgou procuração, em representação da requerida sua mulher a favor do advogado, por si, já constituído nos autos e renovou os termos da oposição.
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O Ministério Público foi notificado, nos termos do art. 325º/1 CPC.
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Procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Pelo exposto, determino que os requeridos BB e CC restituam à requerente AA o imóvel sito na rua ..., ..., Porto, correspondente ao primeiro andar “...” do prédio aí situado constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ... do Porto e descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto – freguesia ... - sob o nº .../... , no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias a contar do trânsito em julgado desta decisão.
Mais dispenso a requerente do ónus da propositura da ação principal e declaro invertido o contencioso, nos termos e para os efeitos previstos no art. 371º do CPC.
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Porque integralmente vencidos – na medida em que foi determinada a restituição do imóvel, ainda que não com efeitos imediatos -, as custas deste incidente de procedimento cautelar ficam a cargo dos requeridos (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC).
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Fixo ao presente procedimento cautelar o valor de 19 830 €, correspondente ao valor do imóvel em causa, nos termos da certidão matricial junta à petição (arts. 296º, nº 1, 302º, nº 1, e 304º, nº 3, al. d), do CPC).
Oportunamente, após o trânsito em julgado desta decisão, notifique os requeridos nos termos e para os efeitos previstos no art. 371º, nº 1, do CPC”.
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Os requeridos vieram interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentaram os apelantes formularam as seguintes conclusões:
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Termina por pedir o provimento do recurso e que se declare nulo o despacho que deu provimento à providência cautelar.
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Na resposta ao recurso, a apelada considera que a sentença não merece censura, não estando ferida de nulidade.
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A requerida CC veio a falecer em 13 de abril de 2021.
Promovido o incidente de habilitação de herdeiros, por apenso, foram habilitados para prosseguir na ação em representação da requerida BB, DD e EE (marido e filhos respetivamente).
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- conclusões excessivas;
- reapreciação da decisão de facto;
- nulidade da sentença;
- nulidade da prova;
- dos novos fundamentos de sustentação da defesa;
- prazo razoável para entrega do imóvel sito na rua ..., ..., Porto, correspondente ao primeiro andar “...” do prédio aí situado constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ... do Porto e descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto – freguesia ... - sob o nº .../....
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1 - No ano de 1956, a requerente AA tomou de arrendamento um prédio sito na rua ..., ..., na cidade do Porto.
2 - Foi nessa casa que a requerente, desde que a tomou de arrendamento, viveu com a sua família, criou os seus filhos e nela constituiu a sua habitação própria e permanente, até aos dias de hoje.
3 - No dia 1-6-2011, por escritura pública de compra e venda, a requerente AA adquiriu a referida fração autónoma designada pela letra “J”, casa vinte e nove, correspondente ao primeiro andar “...”, do prédio em regime de propriedade horizontal, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ... do Porto e descrita na Conservatória de Registo Predial do Porto – freguesia ... - sob o nº .../....
4 - Com a celebração da escritura de compra e venda a requerente deixou de residir na fração como arrendatária e nela passou a residir como sua única proprietária e legitima possuidora.
5 - O que sempre fez, de boa-fé, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, com plena consciência do seu direito, primeira como arrendatária e depois como legitima proprietária.
6 – A aquisição do referido imóvel a favor da requerente encontra-se registada pela Apresentação nº ... de 1-6-2011.
7 - No início de 2015, a requerente sofreu uma queda, tendo fraturado o braço esquerdo, o que, aliada à sua provecta idade, lhe dificultou a mobilidade e obrigou a cuidados permanentes de uma terceira pessoa.
8 - A pedido da requerente, com o acordo dos restantes irmãos, e também porque à data já se encontrava reformado, foi o filho da requerente FF quem passou a prestar todo o acompanhamento e cuidados à requerente.
9 - Durante os primeiros meses após a queda, fê-lo em casa da requerente, na fração referida supra.
10 - Porém, a gravidade da fratura foi tal ordem que ainda hoje não se encontra totalmente consolidada, a ponto de a requerente não se conseguir levantar sozinha, cozinhar, comer ou simplesmente fazer a sua higiene diária.
11 - Pelo que necessita de estar acompanhada praticamente vinte e quatro horas por dia.
12 - O que começou a acarretar alguns problemas familiares ao filho cuidador, nomeadamente com a sua companheira, uma vez que este passou a viver praticamente em casa da sua mãe, só se deslocando à habitação do casal, por curtos períodos de tempo, quando a mãe se encontrava acompanhada por um dos outros irmãos.
13 - Face aos problemas que tal situação estava a provocar na relação pela ausência do filho, o casal decidiu trazer a requerente para a casa onde habitam.
14 - Assim, em Junho de 2015, a requerente veio para a casa onde o seu filho FF vive com a sua companheira, para estarem juntos e poderem assim prestar os cuidados de que a requerente necessitava.
15 - Acontece que a requerente apenas recuperou parcialmente da fratura, pelo que, apesar dos seus pedidos para regressar a casa, nem este filho, nem os outros irmãos, se sentiam tranquilos que a sua mãe fosse viver novamente sozinha para a residência onde sempre viveu, dadas as limitações físicas com que ficou.
16 - Razão pela qual o regresso a sua casa tem vindo a ser adiado e a requerente foi continuando na casa do seu filho FF e da companheira, ao seu cuidado.
17 - A requerente tem uma filha de nome CC, aqui requerida.
18 - Na data em que a requerente teve o acidente, esta filha encontrava-se a residir no Brasil juntamente com o seu marido.
19 - De onde regressaram definitivamente, em Setembro de 2016.
20 - Quando chegaram a Portugal, a casa da sua requerente, mãe daquela requerida, encontrava-se desabitada, pelos motivos expostos.
21 – Quando regressaram a Portugal, os requeridos pediram à requerente, sua mãe e sogra, se os deixavam permanecer na sua habitação.
22 – A requerente, após concordância dos restantes filhos, acedeu a esse pedido.
23 – Os bens pertença da requerente, à exceção da roupa que usa diariamente, permaneceram no referido imóvel, designadamente, mobílias, eletrodomésticos, louças e roupas de cama.
24 – Os contratos de fornecimento de água, energia elétrica, televisão e telefone encontram-se em nome da requerida.
25 – A requerida CC sofre de doença de Parkinson.
26 – Há cerca de 8 meses, a referida requerida CC passou a viver em ..., em casa de um seu filho, que lhe presta os cuidados necessários em virtude da doença de que padece.
27 – A relação que o filho da requerente FF tinha com a sua companheira GG foi-se degradando ao longo do tempo.
28 - Encontra-se atualmente num estado de rotura, sem qualquer possibilidade de reconciliação entre o casal.
29 - O contrato de arrendamento da casa onde o referido casal ainda vive foi celebrado pela companheira de FF, em 6-6-2014.
30 - Pelo facto de se irem separar, a companheira de FF decidiu colocar termo ao contrato de arrendamento da casa onde vivem e arrendar outra apenas para si.
31 – Para esse efeito, por carta datada de
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