Acórdão nº 1954/20.6T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04-05-2023
Data de Julgamento | 04 Maio 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 1954/20.6T8GMR-A.G1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
1 – RELATÓRIO
Na presente acção declarativa[1], sob a forma de processo comum, destinada à efectivação de responsabilidade civil emergente de Acidente de Viação, que AA, residente na Rua ..., ..., ..., freguesia ..., concelho ..., instaurou em 24-04-2020 contra G..., S.A., com sede na Avenida ..., ..., ..., F... - Companhia de Seguros S.A., com sede no Largo ..., ..., ..., Fundo de Garantia Automóvel, com sede na Avenida ..., ..., ..., ..., ..., A... - Reparações Auto, Lda, com sede na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ... e BB, residente na Rua ..., ..., União de freguesias ... (... e ...), concelho ..., decorreu a sua legal tramitação.
Na 1ª sessão da Audiência de Julgamento, em 18-01-2023, tendo-se apurado que havia sido, entretanto, declarada a insolvência da R. A... - Reparações Auto, Lda, foi dada a palavra à Ilustre Mandatária do FGA, que se pronunciou nos seguintes termos:
Notificada da declaração da insolvência de A... - Reparações Auto, Lda. E atendendo ao litisconsórcio necessário passivo do FGA, requer-se que seja notificado o Administrador de Insolvência nomeado nos autos de insolvência para vir indicar qual o estado do processo.
Mais se requer que seja habilitada nos presentes autos a Massa Insolvente A... - Reparações Auto, Lda, para que os autos prossigam os seus termos contra esta.
Dada a palavra ao Ilustre Mandatário da 1ª R., pelo mesmo foi dito, dever ser ordenada a intervenção nos presentes autos de que quem substitua a entidade insolvente.
Foi, então, proferido o seguinte despacho:
A presente ação declarativa, sob a forma comum, foi intentada, entre outros, contra a Ré A..., Lda.
No decurso do processo, apurou-se que a Ré foi declarada insolvente, através de sentença proferida a 30.01.2022, transitada em julgado a 21.02.2022, conforme informação constante da certidão permanente.
Da consulta eletrónica do processo de insolvência com o n.º 2723/21.... mais resulta que foi decretado o encerramento da atividade da insolvente e a abertura da fase da liquidação do ativo, conforme despacho de 21.04.2022.
Nos termos do Acórdão Uniformizador n.º 1/2014, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 39, de 25.02.2014, transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287º, do Código do Processo Civil (CPCiv).
De acordo com esse Acórdão Uniformizador, a perda de utilidade da ação destinada ao reconhecimento do direito de crédito tem a ver com a abertura da fase de reclamação de créditos, por consequência da declaração de insolvência, onde os credores estão adstritos ao pedido do reconhecimento do crédito de que se arrogam titulares.
A convocação dos credores – através do incidente de reclamação – constitui uma consequência usual da sentença declaratória de insolvência, exceto nos casos de insuficiência da massa insolvente, em que aquela decisão é proferida com carácter limitado, nos estritos termos previstos no artigo 39º, do CIRE.
Na situação dos autos, vista a sentença cuja incorporação nos autos se determinou, a decisão de insolvência foi decretada sem a limitação a que alude o artigo 39º, do CIRE, tendo-se fixado prazo para a reclamação de créditos, encontrando-se inclusive o apenso de liquidação já encerrado (cfr. informação também obtida).
Salvo o devido respeito, a manutenção da sociedade declarada insolvente na lide mostra-se desprovida de utilidade, já que o reconhecimento que aqui fosse efetuado nunca dispensaria a reclamação no processo de insolvência.
Quanto à questão do litisconsórcio necessário passivo agora suscitada, sem prejuízo de melhor opinião, a lei não prevê nenhum mecanismo de substituição de pessoas coletivas declaradas insolventes pelos seus administradores de insolvência nos casos em que a ação de insolvência prossegue para liquidação do ativo.
Deste modo, por força da jurisprudência fixada pelo Acórdão Uniformizador n.º 1/2014, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 39, de 25.02.2014, declara-se extinta a presente instância, por inutilidade superveniente, nos termos do artigo 277º/e), do CPCiv, quanto ao pedido indemnizatório formulado a respeito da 4.ª Ré A..., Lda.
Um 1/5 das custas em dívida da presente ação são da responsabilidade do Autor e da 4.ª Ré em partes iguais, atento o disposto no artigo 536º/1/2, e), do CPCiv.
Registe e notifique.
Valor da ação: o fixado no despacho saneador.
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Inconformado com o supra aludido despacho de 18-01-2023, veio o R. FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (FGA) interpor recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:
1. O despacho alvo de recurso não obedece aos termos legais aplicáveis, bem como, aquela que é intervenção do FGA, ora réu, regulada pelo DL n.º 291/2007, na medida em que viola o litisconsórcio necessário passivo.
2. Ora, da consagração do litisconsórcio necessário passivo decorre que a condenação dos demandados – FGA e responsável ou responsáveis civis – quando deva ter lugar, é uma condenação solidária, dada a existência de uma concorrência de responsabilidades.
3. A legitimidade do FGA tem que ser considerada pela conjugação dos artigos 54.º e 62.º, ambos do DL n.º 291/2007. Sendo que, este último prevê a condenação conjunta e solidária do FGA e os responsáveis civis.
4. A obrigação do FGA não é própria, mas sim acessória, de garantia, sendo um responsável subsidiário face ao responsável próprio e principal que é sempre o responsável civil pela eclosão do sinistro.
5. Tal como refere o Acórdão do STJ datado de 23.09.2008: “perante a subsidiariedade da obrigação de garantia, a responsabilidade do garante haverá de aferir-se pela existência e pela medida da obrigação garantida, de sorte que, extinta a obrigação do responsável civil, com ela se extingue a posição de seu garante encabeçada pelo FGA.”
6. Atendendo ao carácter especial e particular do FGA, e por inerência, a posição dos responsáveis civis, somos de parecer, que não é aplicável na situação sub judice a doutrina constante do acórdão uniformizador nº 1/2014, de 8 de Maio de 2013.
7. O FGA, não tendo qualquer responsabilidade pela eclosão do acidente, intervém na relação controvertida tão só como mero garante de uma obrigação de terceiro e, por este motivo o litisconsórcio necessário passivo entre ele e o responsável civil configure um litisconsórcio unitário.
8. A tentativa de aplicação da uniformização da jurisprudência referida a esta situação concreta constituiria uma adaptação a uma problemática muito específica como a debatida nos presentes autos – em que a intervenção da massa insolvente em substituição da insolvente visa prevenir uma situação de litisconsórcio necessário passivo, sem que esta mesma problemática sequer tivesse sido aflorada naquela decisão.
9. Sendo que, no acórdão uniformizador citado no despacho recorrido não se abordou qualquer situação de facto similar à presente, na qual o facto gerador do eventual crédito provém de um facto ilícito – a inexistência de seguro.
10. Para que a instância se extinga quanto ao responsável civil, terá que se extinguir necessariamente quanto ao FGA.
11. Logo a declaração de insolvência não poderia, à partida, tornar inútil a manutenção na lide do responsável civil quando o facto gerador é ilícito e doloso.
12. Apesar do previsto no CIRE, nada impende, salvo melhor opinião, que os créditos não possam - ou não tenham - que ser reconhecidos em processo autónomo, nomeadamente quando não se trata de créditos comuns, em particular com origem na responsabilidade civil.
13. A substituição do insolvente faz-se através da habilitação da massa insolvente, representada pelo administrador de insolvência, de acordo com o disposto no artigo 85.º, n.º3 e 81.º, n.º1, ambos do CIRE.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, nos termos acima peticionados e, consequentemente, ser revogado o despacho recorrido de acordo com o recurso ora apresentado.
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Não se vislumbra dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR
Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Assim, a questão a decidir consiste em aferir se o despacho supra descrito deve ser revogado e substituído por outro, nos termos pedidos pelo recorrente.
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3 – OS FACTOS
Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede, bem como o que infra se consigna:
Em causa, apresenta-se-nos uma acção declarativa, sob a forma de processo comum, destinada à efectivação de responsabilidade civil emergente de Acidente de Viação, nos termos do disposto nos arts. 483º e ss., 503º do CC e 552º e ss. do CPC.
Foi alegado na p.i. que no acidente ocorrido em 22-10-2018, cerca das 17 horas e 40 minutos, na Rua ..., na freguesia ..., concelho ..., foram intervenientes:
a) O veículo agrícola (tractor) com a matrícula ..-..-NU (doravante e abreviadamente apenas identificado por ...), propriedade do A. e na altura por ele conduzido (Cfr. Doc. n.º ...);
b) O veículo automóvel ligeiro de passageiros com a...
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