Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2023 (caso Acórdão nº 1941/13.0TYLSB-A.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-10-02)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2023
Acordam as juízas da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa,

I – Relatório
1. Requerida a insolvência de “A… - Lda.” em 06.1.2013 e declarada por sentença proferida em 26.11.2013, foi requerida a abertura do incidente de qualificação da insolvência pelos credores P… e F… para por ele ser afetado o gerente da insolvente, C…, com fundamento nas als. a), d) e g) do nº 2 do art. 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) [1].
2. O Sr. administrador da insolvência (AI) apresentou parecer a que alude o art. 188º do CIRE pronunciando-se pela qualificação da insolvência como culposa com fundamento legal nas als. b) e d) do nº 2 do art. 186º do CIRE e fundamento factual na alienação de todos os veículos da insolvente (oito) no final dos meses de setembro e outubro de 2013, cujas faturas foram inscritas a débito da conta caixa e na conta de proveitos sem que os respetivos valores tenham sido depositados na conta bancária da insolvente. Indicou como pessoa a afetar o gerente da insolvente.
3. O Ministério Publico aderiu ao parecer do AI e indicou como pessoa a afetar o gerente da insolvente.
4. Citado, C… deduziu oposição pedindo a qualificação da insolvência como fortuita e, caso assim não se entenda, a fixação da indemnização nos termos do art. 189º, nº 4 do CIRE.
Ao que aqui releva alegou que a devedora se confrontou com situação de incumprimento bancário no montante de €1.642.650,81 pelo qual o opoente era pessoalmente responsável e logo em 25.09.2013 informou os trabalhadores que pela primeira vez na vida da sociedade não iria conseguir pagar os salários; que não se locupletou às custas da devedora e até onde pode tentou honrar com os seus credores os créditos vencidos; em outubro de 2013, antes de apresentar a devedora à insolvência liquidou dívida desta ao BCP no montante de €1.833.202,12 com recurso a capitais próprios (do opoente); que além desta dívida pagou a fornecedor (S…) garantia bancária emitida em seu nome pessoal no valor de €100.000,00; que, tendo ficado sem capitais próprios para injetar na sociedade a título de suprimentos e cumprir as ultimas obrigações fiscais e contribuições sociais referentes aos salários de setembro de 2013 dos seus trabalhadores – que apesar de não terem sido pagos, foram declarados – procedeu à venda dos oito veículos da devedora pelo valor total de €9.100,00 que recebeu em setembro e outubro de 2013 mas que não depositou na conta bancária da insolvente por encontrar-se arrestada a pedido dos requerentes desde meados de outubro, indicando neste âmbito os seguintes valores e veículos: €1.000,00 - marca Peugeot, matrícula ..-..-ZV; €400,00 - marca Toyota, matrícula ..-..-BO, €700,00 - marca Peugeot, matrícula ..-..-VM; €3.000,00 – marca Peugeot, matrícula ..-..-XQ; €4.000,00 - marca Mercedes, matrícula ..-..-ST; que pagou dívidas fiscais e à segurança social nos valores de €8.495,61 a título de IVA, €539,00 a título de IRC de 2013, e €3.684,15 a título de contribuições à segurança social e, como os próprios requerentes reconhecem (art. 33º da petição inicial da insolvência), a devedora não tem dívidas à Segurança Social nem às Finanças; que o maior património da empresa era o inventário em mercadorias e imobilizado que foi de imediato disponibilizado ao AI e, com a venda dos veículos, evitou o seu desaparecimento e os encargos delas decorrentes com IUC’s, seguros e outros; que sendo as receitas da insolvente para pagar dívidas da insolvente não existe subtração do património; que a venda dos demais três veículos à mulher do opoente em 26.09.2013 pelo valor de €1.450,00 e que foi objeto de resolução pelo AI, foi feita como forma de exercer direito de retenção em benefício dos créditos do opoente e daquela, e da sua mandatária, reconhecidos pela massa insolvente, não foi ocultada nem realizada com a intenção de prejudicar os credores, e entregou- os veículos à AI logo que teve conhecimento da posição deste; que estes veículos, um em situação de imobilização por avaria, e os outros veículos de 2003 e 2007, vendidos em liquidação pelo preço de €8.130,00, não constituem parte relevante do património da insolvente face ao ativo da empresa e ao passivo assumido pelo opoente. Mais alegou que a entender-se que houve prejuízo para a massa insolvente, este seria sempre pelo valor dos veículos que foram objeto de resolução pelo AI, pelo que a indemnização que viesse a ser fixada não poderia ser superior ao valor destes.
Arrolou testemunhas.
5. Os credores requerentes do incidente responderam à oposição alegando, ao que aqui releva, que os créditos do BCP tinham sido reestruturados em julho de 2013 e avalizados pelos opoente, sua mãe e mulher, e dificilmente se aceita que menos de dois meses depois o Banco tenha dado a dívida como vencida; que o opoente liquidou a dívida da insolvente ao BCP e ao Estado em benefício próprio para salvaguardar o seu património pessoal; e se conseguiu pagar cerca de €2M de uma assentada também poderia ter liquidado os créditos laborais, no montante total de cerca de €460.000,00, o que não fez por não ser por eles pessoalmente responsável; que o valor total da venda dos veículos foi de €17.230,00 e o imobilizado da insolvente foi vendido pela massa pelo total de €39.750,00, pelo que aqueles são parte significativa do património da devedora e, com a sua venda pelo opoente, foi diminuída a garantia patrimonial dos credores; não se verificam os pressupostos legais do alegado direito de retenção da mulher ou da sobrinha do opoente sobre os veículos que àquelas foram transmitidos.
7. Foi proferido despacho que fixou o valor do incidente, o objeto do processo, e os temas de prova.
8. Após vicissitudes processuais várias – apresentação de alegações e de meios de prova pelos requerentes, pela insolvente, pelo opoente, e por outros credores, sobre as quais recaiu despacho de 17.10.2022 -, foi realizada audiência de julgamento, na sequência da qual foi proferida a seguinte decisão:
“Face ao exposto, qualifica-se a insolvência da sociedade A… Lda. como culposa e, consequentemente, decide-se:
a) Considerar C… afetado pela presente qualificação;
b) Decretar a inibição de C… para administrar patrimónios de terceiros, por um período de 4 anos;
c) Declarar C… inibido para o exercício do comércio durante um período de 4 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, durante igual período;
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por C… e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos que possa já ter recebido em pagamento desses créditos;
e) Condenar C… a indemnizar os credores da sociedade … Lda. no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros), até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, valor a entregar à massa insolvente.
Custas a cargo do Requerido C… – artigo 527.º do Código de Processo Civil.”
9. Inconformado, o requerido apresentou recurso com pedido de reapreciação da prova gravada e requereu a revogação da sentença, a qualificação da insolvência como fortuita, e a sua absolvição dos efeitos por aquela decretados.
Formulou as seguintes conclusões:
(…)
iii. As questões objecto do presente recurso reconduzem-se em saber:
a) Erro na aplicação da alínea d) do n.º2 do artigo 186º do CIRE
b) Errada valoração da prova e violação do caso julgado
c) O quantum indemnizatório como consequência da qualificação da insolvência como culposa.
Assim,
I - Erro na aplicação da alínea d) do n.º2 do artigo 186º do CIRE
i. Embora a citada alínea d) do n.º 2 do art. 186.º não faça menção à importância económica dos bens de que o administrador dispôs em proveito pessoal ou de terceiros, se não estiver demonstrado o seu valor ou que os bens tinham algum relevo económico, a insolvência não deve, com fundamento nessa norma, ser qualificada como culposa.
ii. A este respeito veja-se o acórdão proferido no processo n.1046/16.2T8GMR-B.G1 proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 01.06.2017, in www.dgsi.pt: “IV. Embora a citada alínea d) do n.º 2 do art. 186.º não faça menção à importância económica dos bens de que o administrador dispôs em proveito pessoal ou de terceiros, se não estiver demonstrado o seu valor ou que os bens tinham algum relevo económico, a insolvência não deve, com fundamento nessa norma, ser qualificada como culposa.”
iii. In casu, perante a factualidade em causa nos autos, e no processo criminal, cujo Recorrente foi absolvido da prática do crime de insolvência dolosa, não se pode afirmar que o proveito que foi obtido com os atos de disposição praticados (e com o destino que foi dado ao produto desses atos de disposição) se tenha traduzido numa efetiva desvantagem da devedora/Insolvente, já que, como é bom de ver, o Recorrente C… em Outubro de 2013, já depois da transmissão dos 3 veículos, liquidou a titulo pessoal as dívidas bancárias da Devedora Insolvente no montante de € 1.729.434,18, pelo que a Devedora Insolvente esta viu o seu passivo diminuído na correspondente medida.
iv. Ora, tal como consta do FACTOS DADOS COMO PROVADOS e com relevância para o presente Recurso: • - FACTO 49 - Por sentença proferida em 14.07.2021 no âmbito do processo n.º 4135/16.0T9STB, que correu termos no Juízo Local Criminal de Setúbal – J5, C… foi absolvido da prática de um crime de insolvência dolosa. – cfr. documento de fls. 422 do Apenso de Qualificação de Insolvência Culposa
v. Ora, a este respeito, veja-se a fundamentação constante da Decisão Transitada em Julgado que absolveu o aqui sócio-gerente do crime de insolvência culposa;
Mas, em todo o caso, é de ter em atenção que contemporaneamente a tais actos de alienação das supramencionadas viaturas, o arguido C…, como se teve o ensejo de concretizar em sede
...

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