Acórdão nº 1932/22.0YRLSB-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-03-09

Data de Julgamento09 Março 2023
Ano2023
Número Acordão1932/22.0YRLSB-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
1932/22.0YRLSB – Revisão de Sentença Estrangeira

Banca Ifis, S.P.A., sociedade anónima de direito italiano, intentou processo especial de revisão de sentença estrangeira, contra o Estado Português, pedindo a revisão e confirmação da sentença proferida, em 2/8/2011, pela 1ª secção do Tribunal Administrativo de Lácio, Itália.
Alegou, para tanto, que, em 2/8/2011, o Tribunal Administrativo de Lácio proferiu sentença no proc. 6907/2011, tendo condenado o Estado Português, através do Ministério das Obras Públicas e dos Transportes, no pagamento de €74.219,68, acrescido dos juros e reavaliação monetária, desde a data de maturação do crédito até à data da publicação da sentença à sociedade Construzioni Callisto Pontello S.P.A.
Em 20/10/2004, foi declarada a falência desta sociedade passando a estar representada pelo Curador de Falência.
Em 18/11/2014, foi autorizada judicialmente a venda em leilão de um conjunto de créditos da sociedade, venda essa que ocorreu, em 13/12/2014.
Nos créditos apresentados em leilão estava o crédito mencionado supra, crédito esse, entre outros, que veio a ser adjudicado à requerente, tendo esta celebrado, em 2/2/2015, com o Curador de Falência o contrato de cessão de créditos, contemplando este crédito.
Em 10/12/2016, foi aposta a fórmula executória à sentença revidenda, já transitada.
Até à data, os créditos emergentes da sentença estão por liquidar.
Não estando reconhecimento das decisões judiciais em matérias administrativas regulados em tratados, convenções ou regulamentos da União Europeia, devem aplicar-se as normas nacionais relativas à revisão e confirmação de sentenças, sendo da competência do Tribunal da Relação territorialmente, in casu, ao Tribunal da Relação de Lisboa, ex vi art.ºs 978, 706/1, 979 e sgs. CPC 73 e) LOSJ (Lei de Organização do Sistema Judiciário), verificando-se os requisitos do art.º 980 CPC.

Citado, o Ministério Público, em representação do Estado Português, arguiu a incompetência material do Tribunal da Relação de Lisboa, pugnando pela competência do Tribunal Administrativo Central do Sul, sustentou que o art.º 978 CPC abrange, tão só, os direitos privados, civis e comerciais e não já os direitos públicos decorrentes das relações subordinadas ao Direito Administrativo, defendeu também imunidade de jurisdição (restringe aos actos praticados com jus imperii, excluindo da imunidade os actos de jure gestionis, por tal se entendendo, aqueles em que os Estados intervêm como pessoas de direito privado em relações de direito privado, não exercendo poderes públicos no contexto dessas relações), uma vez que o Tribunal Administrativo de Lácio não poderia ter apreciado o litígio, bem como a competência exclusiva dos Tribunais Portugueses (art.º 980/1 c) CPC), nomeadamente os Tribunais Administrativos, sendo a decisão incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português, sob pena de violação do art.ºs 979 CPC, 212/3 e 204 CRP, concluindo pela procedência da excepção de incompetência material do Tribunal da Relação de Lisboa, absolvendo-se o Estado Português da instância ou, se assim se não entender, pela absolvição do pedido – fls. 77 v e sgs.
Na resposta, a requerente respondendo às excepções suscitadas concluiu pela sua improcedência, concluindo pela confirmação da sentença – fls. 88 e sgs.
O Ministério Público, face à resposta da requerente pugnou no sentido de considerarem não escritos os arts. 28 a 92 da resposta por conterem matéria de impugnação ao legado na contestação – fls. 103 e sgs.
Por despacho, de 6/12/2022, atendeu-se ao defendido pelo Ministério Público e consideraram-se não escritos os art.ºs 28 a 92 da resposta à oposição – fls. 106 e sgs.
Facultado o processo para alegações, a requerente alegou no sentido da confirmação da decisão revidenda e o Ministério Público pugnou no sentido da sua não confirmação.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
As questões a decidir consistem em saber, se o tribunal da Relação de Lisboa é incompetente em razão da matéria, imunidade de jurisdição e se estão ou não verificados os pressupostos legais para que a sentença possa ser confirmada (art. 978 e 980 c) e f) CPC) e se foi violada a regra de imunidade de jurisdição.
a) Incompetência absoluta
Defende o Ministério Público a incompetência absoluta (em razão da matéria) do tribunal da Relação de Lisboa para proceder à revisão da sentença proferida pelo Tribunal Italiano, sustentando que, por se tratar de matéria de natureza administrativa, o tribunal competente é o Tribunal Central Administrativo Sul, sendo certo que o art.º 979 CPC, quando interpretada no sentido de permitir revisão de sentenças que dirimam litígios emergentes de relações jurídicas administrativas é inconstitucional devendo ser recusada a sua aplicação e, como tal, deverá o Estado Português ser absolvido da instância.
In casu, com esta acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira pretende-se o reconhecimento pela nossa ordem jurídica da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo Regional de Lácio, em Itália (proc. 6907/2011) que condenou o Estado Português, através do Ministério das Obras Públicas e dos Transportes, ao pagamento € 74.819,68, para além dos juros e reavaliação monetária, desde a data de maturação do crédito até à data da publicação da sentença, à sociedade Construzione Callisto Pontello, S.P.A.
"Entre nós, o processo de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras segue o modelo de delibação – sistema de reconhecimento individualizado de tipo formal das decisões estrangeiras.
A causa de pedir, nas acções de delibação é a própria sentença ou acto revidendo, como dizia Castro Mendes – a causa de pedir na acção de revisão de sentença estrangeira não é um acto substantivo (mútuo, adultério, ilícito civil, compra e venda, mandato), mas um acto processual, é a própria sentença, nos termos do art.º 581/4 CPC (LV (art.º 498/4) – cfr. "Alguns Problemas sobre revisão de Sentença Estrangeira" in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XIX, 1965, 145/146.
O pedido, por sua vez, é o reconhecimento do acto revidendo e a sua eficácia na ordem jurídica interna portuguesa — art.º 978 CPC (LV art.º 1094)" — cfr. Luís Correia de Mendonça, in o Direito, ano 152/2020, III.
"O reconhecimento de
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