Acórdão nº 193/22.6T8TND-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 02-05-2023

Data de Julgamento02 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão193/22.6T8TND-A.C1
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra

Relatora: Helena Melo
1.º Adjunto: José Avelino Gonçalves
2.º Adjunto: Arlindo Oliveira


Processo 193/22.6T8TND-A.C1

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

AA, veio propor ação de processo comum, contra BB.

Alegou, em síntese:

A autora e o réu foram casados um com o outro, sob o regime da comunhão de adquiridos, tendo contraído casamento em .../.../1995. O referido casamento veio a ser dissolvido por divórcio, decretado por sentença proferida no processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, com o nº 296/11...., ação essa proposta pela aqui autora contra o réu, instaurada em 03.06.2011 e que correu seus termos pelo extinto ... juízo do Tribunal Judicial de Tondela, tendo transitado posteriormente, devido à reorganização judiciária, para o Tribunal Judicial da Comarca de Viseu - Juízo de Família e Menores de Viseu – Juiz ....

A sentença que decretou o divórcio transitou em julgado em 26.10.2012.

Previamente à propositura da referida ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, foi instaurado pela aqui autora contra o aqui réu, um procedimento cautelar de arrolamento dos bens comuns do casal, que correu seus termos sob o nº 296/11.....

Quer o referido procedimento cautelar de arrolamento dos bens comuns do casal, quer a ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, resultaram da degradação da relação familiar entre a autora e o réu ao longo dos anos, tendo tido o seu epílogo nos factos ocorridos no dia 28 de abril de 2011, entre os ex-cônjuges, na então sua casa de morada de família.

Efetivamente, nesse dia 28 de abril de 2011, ocorreram entre as partes fortes discussões e agressões, factos esses que deram lugar à instauração por parte do Ministério Público do processo comum coletivo nº 75/11...., que correu seus trâmites legais pelo ex-... juízo do Tribunal Judicial de Tondela, tendo no seu âmbito sido aplicada à aqui autora, no dia seguinte à ocorrência daqueles factos, ou seja, no dia 29 de abril de 2011, a medida de coação de permanência na habitação com vigilância eletrónica e, ainda, de proibição de contactar com o réu, situação em que permaneceu durante vários meses.

Em resultado das mencionadas agressões, o aqui réu esteve internado no Hospital ..., em ..., durante 2 dias, após o que teve alta médica, passando a viver em ..., freguesia ..., concelho ..., enquanto a autora permaneceu na casa de morada de família, onde cumpriu a medida de coação.

Após a alta hospitalar, o réu passou, a seu bel-prazer, a administrar e/ou, ainda, a dispor em seu único e exclusivo proveito, de quase todo o património angariado e/ou amealhado durante o casamento, pelo então casal formado pela aqui autora e pelo aqui réu.

Face ao referido conflito e dada a situação de diminuição de liberdade de circulação em que passou a estar e, ainda, prevendo que o réu iria procurar ocultar ou fazer desaparecer parte do património comum do casal, a A. deu entrada do referido procedimento cautelar de arrolamento.

A razão da indicada providência cautelar de arrolamento de bens, prendeu-se precisamente com o facto da aqui autora ter começado a verificar que o réu, à sua revelia, sem o seu conhecimento e contra a sua vontade, nos dias 2 e 3 de maio de 2011, havia entretanto começado a fazer movimentos fora do normal nas contas bancárias, pertencentes ao então casal, abertas no Banco 1... com os nºs ...76 e ...05. No procedimento cautelar foi então proferido despacho, ordenado que fossem “oficiada às entidades bancárias no sentido de se tornarem indisponíveis aos titulares das contas os valores constantes das mesmas, até ser decretado o arrolamento, bem como cancelados os movimentos dos cartões de crédito”.

E, ainda, no âmbito da referida providência cautelar, foram arroladas as identificadas contas do ex-casal e, ainda, as aplicações financeiras associadas a tais contas bancárias, mas investidas em produtos financeiros na Seguradora O....

No entanto, entre os dias 2 e 24 de maio de 2011, ou seja, num período temporal que ocorreu antes do decretamento do mencionado arrolamento e, ainda, antes da notificação que o referido Tribunal efetuou ao Banco 1..., na sequência do despacho já referido, o réu procedeu ainda ao resgate de algumas aplicações financeiras associadas às referidas contas bancárias e, ainda, movimentou a débito tais contas.

Assim, contra a vontade, sem o conhecimento da aqui autora e em único e exclusivo proveito económico do réu, a conta bancária aberta em nome da autora e do réu, no Banco 1..., com o nº ...76 que, em 30.04.2011, apresentava os seguintes valores:

- Depósitos à ordem: …...............……………………… € 8.139,29; e,

- Seguros Poupança/Unit Linked: ……………..……….. € 40.420,31, em 19.05.2011, já somente apresentava os seguintes saldos e/ou aplicações:

- Depósitos à ordem: …......................………………… € 5,32; e,

- Seguros Poupança/Unit Linked: ………………………€ 7.827,89.

Também a conta bancária aberta em nome da autora e do réu, no Banco 1..., com o nº ...05 que, em 30.04.2011, apresentava os seguintes saldos e/ou aplicações:

- Depósitos à ordem: ………………………………… € 11.772,32; e,

- Seguros Poupança/Unit Linked: ………………..….... € 190.779,65, em consequência dos movimentos que o R. começou a fazer a partir do dia 2 de maio de 2011, em 19.05.2011, já somente apresentava os seguintes saldos e/ou aplicações:

- Depósitos à ordem: …...............………………………€ 3.108,44; e,

- Seguros Poupança/Unit Linked: …….......………… € 181.953,73 (cfr. doc. ...).

Assim, da indicada conta com o nº ...76, aberta no Banco 1..., o réu, entre o dia 2 e o dia 19 de maio de 2011, resgatou, transferiu e/ou levantou dessa mesma conta, incluindo aplicações financeiras que aí se encontravam efetuadas pelo casal, quantias que perfizeram um valor total de € 40.726, que este fez suas, em prejuízo da autora.

E da indicada conta com o nº ...05, o réu entre o dia 3 e o dia 16 de maio de 2011, resgatou, transferiu e/ou levantou dessa mesma conta, incluindo aplicações financeiras que aí se encontravam efetuadas pelo casal, quantias que perfizeram um valor de € 17.489,90 que igualmente este fez suas, em prejuízo da autora.

Acresce que em 1 de maio de 2011, o R. recebeu das mãos do seu ex-sogro, pai da aqui autora, a pedido e por imposição daquele, as seguintes quantias que se encontravam guardadas na indicada casa de morada de família:

- € 1.600,00 em numerário; e, ainda,

- um cheque no valor de € 1.200,00, sacado sobre o Banco 1..., emitido por CC, quantias que igualmente fez suas, em prejuízo da autora.

Em resumo, no período temporal compreendido entre o dia 2 de maio e os dias 23/24 de maio 2011, do património comum do ex-casal, formado pela aqui autora e pelo réu, este levantou, transferiu, resgatou, recebeu e, ainda, fez somente suas as indicadas quantias de € 40.726,39 + € 17.489,90 + € 2.800,00 = € 61.016,29, prejudicando assim o réu a autora, na quantia de € 30.508,15, respeitante a metade daquele valor € 61.016,29, acrescido dos respetivos juros legais.

No procedimento cautelar nº 296/11...., a A. requereu ainda o arrolamento da viatura automóvel ligeiro de passageiros, marca ..., modelo ..., cor azul, matrícula ..-DL-.., do ano de 2007, com cerca de 15.000 quilómetros que tinha sido adquirida, em 13.12.2010, pela autora e pelo réu, pelo preço de € 20.000,00, pago pelo cheque nº ...12, sacado sobre o Banco 1....

Tal viatura passou a estar na posse e na propriedade da autora e do réu, até ao dia 13.05.2011, altura em que este, sem o conhecimento, sem a autorização e contra a vontade da autora, a vendeu a terceiro, por se encontrar registada em seu nome, mas no estado de casado com a aqui autora, por valor nunca inferior a € 15.000,00, prejudicando assim o réu a autora no seu património, em quantia nunca inferior a € 7.500,00.

A A. requereu ainda no identificado procedimento cautelar, o arrolamento de um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, marca ..., cor azul, matrícula ..-..-NH, do ano de 1999, que era utilizada no dia a dia, pelo réu, quer pela autora, em trabalho, com o valor comercial nunca inferior a € 3.000,00 que à data de 06.05.2011 ainda se encontrava registada a favor do casal. Em 26.05.2011, o réu veio a vender a DD, por um valor nunca inferior a € 3.000,00, que fez igualmente seu, em prejuízo económico da autora, prejudicando assim o réu a autora no património pessoal desta, em quantia nunca inferior a € 1.500,00, respeitante a metade daquele valor.

Decretado o referido divórcio entre a autora e o réu, aquela, veio em 2015, requerer inventário subsequente ao referido divórcio para partilha dos bens comuns do ex-casal, inventário esse que veio a correr seus termos pelo Cartório Notarial ..., sob o nº 866/15, no qual foi cabeça-de-casal o réu que apresentou nos referidos autos uma relação dos bens comuns.

A autora, por ter entendido não terem sido relacionados todos os bens comuns do ex-casal, apresentou reclamação contra a mencionada Relação de Bens, acusando a omissão dos montantes depositados já referidos e da falta da relação dos dois veículos automóveis, também acima referidos e também a omissão da relação de bens da quantia de 1.600,00 e da quantia inscrita no cheque no valor de 1.200,00 que o pai da A. entregou ao R., em 1 de maio de 2011, e que se encontravam na residência das partes.

Na diligência realizada no dia 2 de fevereiro de 2017, no âmbito do processo de inventário, foram as partes remetidas para os meios comuns, relativamente aos bens em causa nesta ação.

No processo de inventário foram apenas partilhados entre a autora e o réu, os saldos arrolados no procedimento cautelar de arrolamento, existentes quer no Banco 1..., quer na O..., mas não os valores que foram resgatados, levantados, recebidos e/ou transferidos pelo réu no período temporal compreendido entre o dia 28 de abril de 2011, data da detenção da aqui ré, como arguida no processo crime acima...

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