Acórdão nº 1921/20.0T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11-05-2023

Data de Julgamento11 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão1921/20.0T8FAR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

1 – RELATÓRIO
A autora, AA, instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra a ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA, pedindo que seja declarada válida a apólice de seguro nº ...01 e a ré condenada a pagar-lhe a quantia de €25.000,00 referente ao capital seguro, acrescida dos juros vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento.
Alega para tanto ser a única herdeira de seu tio BB, falecido em .../.../2018, e que este em 15.10.2012 aderiu a um seguro de vida contratualizado pela Ré com as coberturas de morte e invalidez absoluta e definitiva e o capital seguro de €25.000,00; porém, quando a autora comunicou à ré o óbito do tio e que era sua única herdeira e solicitou o pagamento do capital seguro a ré recusou pagar dizendo que considera nula e de nenhum efeito a apólice de seguro por à data da celebração do seguro terem sido omitidas informações relevantes sobre a saúde da pessoa segura, as quais estão associadas à sua morte, pelo que essa omissão condicionou a correcta avaliação do risco.
Acrescenta ainda a autora que à data da celebração do seguro o falecido não se encontrava sob observação médica ou em tratamento regular e não apresentava limitação física ou invalidez, ou pelo menos não tinha consciência de da mesma padecer; que o falecido era pessoa de baixa instrução e se omitiu a sua condição clínica fê-lo por negligência; o questionário de saúde constitui uma declaração pré-elaborada pela ré e assinada pelo segurado, em que o regime relativo ao incumprimento doloso da declaração inicial de risco apresenta-se em caracteres minúsculos e quase ilegíveis; por último, a causa de morte nada teve a ver com as patologias que supostamente não foram declaradas no questionário clínico realizado na data da celebração do seguro.
Devidamente citada, a ré contestou, defendendo-se por excepção, invocando a nulidade e anulabilidade da apólice porquanto o segurado cometeu omissões graves nas declarações do questionário de saúde aquando da subscrição do seguro, e no mais impugnando, concluindo que a acção deve improceder.
A autora respondeu à matéria de excepção, pugnando pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador e realizada audiência de discussão e julgamento, após o que veio a ser proferida sentença.
Nesta sentença a acção foi julgada procedente, e considerada válida a apólice de seguro nº ...01, condenando-se a ré no pagamento à autora da quantia de €25.000,00, acrescida dos juros vencidos, à taxa legal, desde a citação e dos que se vencerem, à mesma taxa, até efectivo e integral pagamento.
*
2 – DA APELAÇÃO
Inconformada com o decidido, a ré seguradora veio interpor o presente recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1. O Tribunal considerou, erradamente, a falta de nexo causal entre as omissões ou inexactidões alterem a apreciação do risco; para poder optar pela cessação do contrato nos termos do artigo 26º/4-b), da LCS, a Ré tinha que demonstrar a existência de nexo entre as circunstâncias omitidas e o sinistro e que em caso nenhum teria celebrado o contrato caso tivesse tido conhecimento daquelas circunstâncias.
2. A Recorrente demonstrou que as omissões e falsidades nas declarações iniciais impediram-na de poder analisar a realidade situação clínica do falecido tio da A. e a sua não aceitação do seguro ou a sua aceitação com exclusões e ou sobre-prémio;
3. Quanto à impugnação da matéria de facto arts 21 e do facto não provado a) transcreve-se o seguinte:
4. Na sessão julgamento de 12/07/2022 - Depoimento prestado por CC
DD com início pelas 11H18m 20210712115920 – 4133411 de que destaca: …
// … 5:00
Adv. Ré : …. O Boletim de adesão que o Senhor preencheu é com base neste questionário no fundo que os Serviços da Companhia analisam se é preciso efectuar algum exame médico ou se é possível fazer o contrato ou recusá-lo.
Test: Exactamente o Senhor preencheu o questionário não informou nada que fosse passível de exames clínicos adicionais … estava tudo normal e o contrato foi aceite desta forma ….
Exactamente … se tivesse alguma questão que houvesse necessidade ser esclarecida portanto nós nessa altura teríamos pedido informação clínica adicional para avaliar o risco e o contrato … poderia ou não ser aceite ou poderia ser aceite mediante um agravamento de prémio … essa situação teria de ser avaliada ….
…//…
5. A resposta a esta matéria sugere-se, face ao depoimento transcrito, o seguinte:
“Se a Ré tivesse tido conhecimento das doenças de que o falecido BB padecia, não teria celebrado o contrato ou após estudo do passado clínico do falecido e exame médico, tê-lo-ia eventualmente, efectuado noutros termos com exclusão do apurado e ou sobre prémio.”
6. Imprescindível à anulabilidade é apenas a omissão ou a declaração inexacta que sejam susceptíveis de influenciar a seguradora na decisão de contratar, irrelevando que o óbito venha a ocorrer devido a outra doença e, por isso, que exista ou não nexo causal entre a doença omitida nas declarações prestadas na proposta e a que efectivamente se revelou letal.
7. Para que as declarações inexactas ou omissões relevem nos termos do citado artº 24º a 26º da L.C.S. provou-se que as inexactidões e ou omissões, uma vez transmitidas e analisadas determinariam a não contratação do seguro com o autor ou a contratação em diversas condições, designadamente de sobre prémio, após inspecção médica;
8. Se a Ré soubesse, ou conhecesse, à data da contratação do seguro, a real situação clínica da pessoa segura, tal como a mesma resulta do relatório médico do seu médico assistente depois do sinistro, não teria aceite o seguro, ou quando muito, sujeitá-lo-ia a um sobre-prémio e ou exclusões, do que ficou privada pela actuação do falecido;
9. É quanto se exige para a pedida anulação do contrato de seguro celebrado com a Ré e Recorrente em erro perpetrado pela actuação dolosa do falecido tio da Autora;
10. A aplicabilidade da cláusula 7ª não é afastada pela imperatividade relativa do regime consagrado no artigo 26º da LCS, já que não contende com esta.
11. Como resulta do depoimento da testemunha CC, 11H18m 20210712115920 – 4133411, a que a Mma Juiz a quo não deu a devida relevância, o erro em que o falecido fez induzir a Recorrente ao omitir as doenças de que padecia ao tempo do contrato dos autos, teriam de ser apreciadas e avaliadas previamente e do que foi impedida pelo comportamento doloso do tio da A;
12. A Recorrente não acompanha o julgado e decidido pela sentença da Comarca de Faro, pois, contém erro de interpretação dos artigos 24°, 25° e 26° do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Lei 72/2008, de 16/04);
13. Efectivamente, ninguém se esquece de ter sido submetido a um cateterismo (que constitui tratamento invasivo que exige internamento hospitalar).
14. Como consta da sentença recorrida, não se pode conceber a resposta negativa constante do questionário à pergunta se havia sido submetido a intervenção cirúrgica ou internamento hospitalar.
15. Da mesma forma, também não é aceitável que, tendo-lhe sido diagnosticada a hipertensão em 2010 e estando sujeito a medicação desde então, indique valores de tensão arterial ideais (12/08) e nada assinale quando questionado expressamente se sofria de hipertensão.
16. Não é preciso ter-se grande instrução para saber que não pode responder “não” à pergunta “tem algum problema de saúde”, quando necessariamente sabe que toma medicação há anos (para epilepsia, hipertensão e doença cardíaca) e que já foi sujeito a intervenção cirúrgica e internamento hospitalar.
17. O falecido tio da A. teve intenção de enganar a Seguradora, não se tratando apenas de leviandade ou incúria, como a douta sentença assim o desculpabiliza.
18. Seja por efeito de dolo, que é bem patente nos factos provados e decorre das doutas palavras da Mma. Julgadora atrás transcritas, seja por efeito de negligência bem grosseira, o contrato de seguro dos autos é anulável , atento ao art 24º no primeiro caso e ao artº 25º no segundo, ambos da Lei 72/2008, de 16/04 violados na douta sentença recorrida;
19. Tal como também existe na interpretação da vontade das partes ao persistir no argumento do dever de a Recorrente em ter de manter o seguro mesmo depois de serem óbvias as falsidades praticadas pelo falecido tio da A., funcionária bancária que seria a grande beneficiária do comportamento doloso explicado na sentença recorrida que, inexplicavelmente, acaba por condenar a Recorrente.
20. Salvo melhor opinião, deve ser revogada tal sentença que só contribui para mais acções judiciais sem fundamento óbvio.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a acção totalmente improcedente, por não provada e a Recorrente absolvida dos pedidos.”
*
Pela autora/recorrida foi apresentada resposta às alegações do recorrente, defendendo que a sentença impugnada não merece qualquer censura e que o recurso carece de fundamento, pelo que este deve ser julgado improcedente e a sentença confirmada sem alterações.
*
3 – O OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Sublinha-se a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelo recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC).
No caso presente, as questões colocadas à apreciação do tribunal de recurso podem sintetizar-se nas seguintes:
- primeiro, a impugnação da matéria de facto;
-estabilizada a
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