Acórdão nº 1909/21.3T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-02-19

Ano2024
Número Acordão1909/21.3T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo número 1909/21.3T8PRT.P1 Juízo Central Cível de Aveiro, Juiz 3

Relatora: Ana Olívia Loureiro

Primeira adjunta: Eugénia Cunha

Segunda adjunta: Maria Fernanda Fernandes de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:
1. A..., Lda, com sede em Portugal, intentou, em 02-02-2021, processo especial de injunção de pagamento europeia contra B... SI, com sede em Espanha, com vista à cobrança de 24 628, 26 € alegando que vendeu a esta diversas qualidades de chapa e emitiu faturas dos respetivos preços, no valor total de 20.113,19 € que não foi pago, pelo que lhe acrescem juros de mora vencidos e vincendos à taxa de juro comercial de 8% até integral pagamento.
2. Citada a Ré, em 04-05-2021 a mesma apresentou oposição e deduziu reconvenção, alegando que as encomendas dos materiais faturados pela Autora foram por si dirigidas a outra sociedade e que visavam o fornecimento de dois tipos de chapa (canelada e ondulada com 0,5mm de espessura). Segundo articulou, depois de aplicadas tais chapas em obra recebeu reclamações dos seus clientes tendo, então, procedido à medição da espessura da chapa fornecida que era, afinal, 0,4 mm. Afirmou que apresentou reclamação à Autora solicitando a substituição da chapa, o que esta recusou, pelo que teve de suportar o custo - de 2826,25 € - de troca da mesma numa determinada obra. Aduziu, ainda, que a sua imagem comercial ficou afetada pedindo indemnização de 8500,00 € por tal dano. Finalmente, alegou que a Autora ficou enriquecida com a venda de várias quantidades de chapa de 0,4 mm ao preço da de 0,5 mm, tendo, com a venda do material identificado na petição inicial lucrado indevidamente em 5 334, 46 € e com outros fornecimentos do mesmo material, recebido o valor de 18 773, 25 € a que não tinha direito. Pediu, em consequência a improcedência da ação e a condenação Autora a pagar-lhe o montante total de 35.344,26 €, acrescido de juros vincendos calculados à taxa de juro para as operações civis, desde a data de citação até efetivo e integral pagamento.
3. Em face da apresentação da contestação, a 24-05-2021, foi proferido despacho a julgar o Juízo Central Cível do Porto incompetente e a ordenar a remessa dos autos ao juízo de competência genérica de Vagos.
4. A Autora replicou, a 09-06-2021, excecionando a incompetência do referido juízo local, alegando que a sociedade a quem a Ré dirigiu as encomendas é uma sociedade familiar que tem o mesmo objeto de atividade e labora no mesmo local da Autora, bem sabendo aquela que, apesar de dirigir comunicações à referida sociedade, seria a Autora a fornecer o material, como sempre sucedeu nas relações comerciais entre ambas. Afirmou que a espessura da chapa que consta das notas de encomenda, orçamentos e faturas documentos se refere ao produto acabado e não à chapa base. Defendeu, ainda, que a espessura das referidas chapas está regulada por norma que admite uma tolerância de 0,06 mm para chapas entre os 0,4 e 0s 0,6mm de espessura. Pugnou pela inadmissibilidade da reconvenção e excecionou a caducidade do direito por via ela exercido.
5. A 16-09-2021 foi proferido despacho a julgar o tribunal incompetente em razão do valor e a ordenar a remessa dos autos ao Juízo Central Cível de Aveiro.
6. A tal convidada, a Ré/Reconvinte respondeu à exceção de caducidade do pedido reconvencional, defendendo a sua improcedência.
7. A 03-12-2021 foi dispensada a realização de audiência prévia e foi proferido despacho em que se admitiu reconvenção apenas na parte em que a mesma se dirigia à condenação da Reconvinda no pagamento das quantias de 2826,25 €, 8.500,00 € e 5.334,46 €, mas já não no que se refere ao remanescente valor de 18.773,55 € por ser relativo a compras e vendas distintas das referidas na petição inicial. Foi julgada procedente a exceção de caducidade e foi, em consequência, julgada improcedente a reconvenção na parte em que fora admitida liminarmente. Foram fixados o objeto do litígio e os temas da prova, admitidos os requerimentos instrutórios e designada data para audiência de julgamento.
8. Por acórdão deste Tribunal, de 08-06-2022, proferido em apenso (A) de apelação que subiu em separado, foi confirmada a decisão de não admissão parcial da reconvenção e de absolvição do pedido reconvencional por procedência da exceção de caducidade.
9. Após realização de prova pericial admitida, foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com produção da prova admitida e debates orais.
10. A 11-07-2023 foi proferida sentença pela qual se decidiu: “(…) declara-se a acção parcialmente procedente por provada e em consequência condena-se a Ré B... SI a pagar à Autora A... Lda a quantia de € €17.286,94 € (dezassete mil duzentos e oitenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos). A esta quantia, acrescem os juros à taxa comercial desde a data de vencimento das facturas até integral pagamento, sendo que, no que se refere à Factura ... o capital a considerar é de 5926,73 €.

II - O recurso:

É desta sentença que recorre a Ré pretendendo a revogação da sentença de molde a que:

- Para além do já determinado em sede de sentença recorrida, aos montantes a liquidar pela Ré à Autora seja descontado, ainda, o valor de € 4.103,43, ou, na pior das hipóteses, o de 1.712,89;

- se considere que, face ao incumprimento contratual da Autora, a Ré podia atrasar o cumprimento da sua obrigação pelo que não deve ser condenada a pagar juros ou custas processuais.

Em sustentação dessa pretensão recursória, pede a alteração parcial do julgamento da matéria de facto, que diz, também, ser insuficiente.

Para tanto, alega o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso:
I) “O Tribunal A Quo, na sentença ora em apreciação, entendeu que, relativamente ao montante peticionado pela Autora nos presentes autos, “a Autora vendeu bens à Ré no valor total de 20.113,19 € (soma das faturas descritas no ponto 4 dos factos provados sendo que “parte dessa chapa não correspondia às características acordadas, apresentando uma espessura menor, pelo que a Ré teve de proceder à sua substituição, substituição essa que importou em 2.826,25 €”, pelo que “incumprindo a Autora, nessa parte, o acordado, tem a Ré direito a invocar a excepção de não cumprimento e, como tal recusar o pagamento de 2.826,25 €, montante que, assim deve ser deduzido ao montante total”;

Da insuficiência da matéria de facto
II) Perlustrada a matéria de facto assente na sentença recorrida, verifica-se que a factualidade dada como provada é manifestamente insuficiente para sustentar a sua fundamentação face à prova produzida, tendo em conta as questões que foram colocadas à apreciação do Tribunal A Quo por referência às peças processuais submetidas por ambas as partes;
III) Em primeiro lugar e tendo em conta a factualidade dada como provada no ponto 12, deveria ter sido dado como provado que “Na medição da espessura da chapa, e tal como determinado no ponto 3.9 da norma 10169, não se pode incluir o revestimento orgânico (lacagem)”;
IV) Se o Tribunal recorrido (e muito bem) elevou à categoria dos factos provados (facto 12) a margem de erro prevista ao nível da norma 10143 no que respeita à espessura das chapas (0,6mm), não poderia de forma alguma deixar de elevar também à categoria dos factos provados se, para medição da espessura das chapas e avaliação da referida margem de erro, se deveria ou não incluir o revestimento orgânico (neste caso, a lacagem das chapas) pois tal matéria é fundamental para perceber se os fornecimentos feitos pela Autora estavam ou não em conformidade com as normas vigentes e se, portanto, houve ou não incumprimento contratual da Autora nos referidos fornecimentos;
V) Do relatório pericial proferido nos presentes autos e do relatório técnico junto pela Ré em 10.03.2023, resulta evidente e indesmentível que na medição da espessura da chapa, e tal como determinado no ponto 3.9 da norma 10169, não se pode incluir o revestimento orgânico (lacagem); tal resulta ainda evidente dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito em sede de audiência de discussão e julgamento (nomeadamente nos minutos 51:45 a 54:30 do seu depoimento) e bem assim resulta também das declarações de parte do legal representante da Autora, AA (minutos 15:00 a 16:30 das suas declarações de parte), que, confrontado com o ponto 3.9 da norma 10169, referiu expressamente que dali resultava que a lacagem não deveria ser incluída na medição da espessura da chapa;
VI) Em segundo lugar deveria ter sido dado como provado que “O material fornecido à Ré não corresponde ao que foi pela mesma solicitado e ao que foi faturado pela Autora”;
VII) Tendo sido dado como provado em 3 todo o material que foi acordado entre Autora e Ré que seria por aquela fornecido a esta, sendo que todo esse material, rigorosamente todo, corresponde a chapa (canelada ou ondulada) de 0,5 milímetros (mm) de espessura; tendo sido dado como provado em 4 que todo esse material foi objeto das faturas em causa nos presentes autos; tendo sido dado como provado em 9 que o referido material foi aplicado em obras por parte da Ré; tendo sido dado como provado em 12 que, para chapas de 0,5mm de espessura, a margem de tolerância das mesmas (conferida pela norma 10143) é de 0,06 mm (ou seja, as referidas chapas terão de ter entre 0,44mm – mínimo – e 0,56 mm – máximo); e tendo sido dado como provado em 14 que, no que diz respeito às chapas aplicadas em obra pela Ré, a mesma tinha uma espessura inferior a 0,44 mm; então, forçosamente teremos de concluir o material fornecido à Ré não corresponde ao que foi pela mesma solicitado e ao que foi faturado pela Autora, tal como alegado pela Ré em sede de contestação;
VIII) O que se apurou nos presentes autos é que, tendo em conta o disposto no ponto 3.9 da norma 10169, o revestimento orgânico (neste caso a lacagem) não pode ser contabilizado para efeitos de medição da espessura das...

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