Acórdão nº 1905/21.0BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-01-19

Ano2023
Número Acordão1905/21.0BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a ação administrativa de impugnação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de IRS de 2015 e respetivos juros compensatórios, proferido pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação de competências, e de condenação à prática do ato devido, consubstanciado na apreciação da reclamação graciosa apresentada por M… e I…, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

a) Andou mal a decisão recorrida ao ter anulado o despacho que indeferiu liminarmente a reclamação graciosa apresentada pelos aqui Recorridos e condenou a Recorrente a apreciá-la.
b) In casu, a reclamação apresentada pelos Recorridos tem natureza facultativa, e, nessa medida, permitia que os Recorridos pudessem, ab initio, impugnar judicialmente as liquidações contestadas na suprarreferida reclamação.
c) À interposição da reclamação graciosa aqui em apreciação aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 e o artigo 5.º da Lei n.º 16/2020.
d) Tal prazo não é substantivo, e muito menos se lhe aplica as regras da caducidade do direito de ação, como erradamente conclui a sentença recorrida.
e) Na verdade, o prazo para apresentação de uma reclamação graciosa não deixa de ser um prazo administrativo/procedimental pelo simples facto de ser contínuo e de se contar nos termos do disposto no artigo 279.º do Código Civil, a natureza procedimental/administrativa é lhe conferida pelo facto de ele se inserir num procedimento administrativo/tributário, como bem se percebe pelo estabelecido na alínea f) do n.º 1 do artigo 54.º da LGT, bem como, o entendimento veiculado na doutrina a este respeito.
f) O artigo 5.º da Lei n.º 16/2020 tem que ser interpretado de forma uniforme com o restante ordenamento jurídico, e necessariamente em articulação com o regime jurídico consagrado na Lei n.º 1-A/2020, em especial os n.ºs 9 e 10 do seu artigo 7.º.
g) Ora, no caso dos presentes autos, ocorrendo o termo original do prazo em 16/04/2020, na constância da suspensão dos prazos em virtude da situação pandémica, prevista na Lei n.º 1-A/2020, é de concluir que o prazo para apresentação da reclamação graciosa considera-se vencido em 03/07/2020, no vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, nos termos do disposto no n.º 1 do seu artigo 5.º.
h) Pelo que, a reclamação graciosa apresentada em 13/07/2020 é manifestamente intempestiva.
i) A própria doutrina confirma o entendimento da Recorrente, “O mesmo artigo 7.º, no n.º 9, alínea c) da Lei n.º 1-A/2020, de 20 de março, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, estatuía que o disposto nos artigos anteriores se aplicava, e enquanto durasse a situação excecional, com as necessárias adaptações, aos prazos administrativos que corressem a favor de particulares. Ou seja, a regra era a da suspensão dos prazos administrativos que corressem a favor de particulares em procedimentos não urgentes.
Estavam em causa prazos administrativos para a prática de atos pelos particulares em procedimentos administrativos. E cabiam ali, designadamente:
(…) O prazo para reclamar de ato expresso (…)
(…)
Aquela suspensão dos prazos terminou com a revogação do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, pelo artigo 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio. Ou seja, em 3 de junho de 2020.
Ocorrendo o termo original daqueles prazos na vigência do regime de suspensão, consideram-se vencidos no vigésimo dia útil posterior a 3 de junho de 2020, nos termos do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 16/2020”7 (evidenciado nosso).
j) “(…) o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 determinou igualmente que a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da COVID-19 “constitui causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos” (n.º 3), determinação essa que “prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional” (n.º 4).
A referência a “todos os tipos de processos” tinha evidentemente por objeto os “processos” a que se referia o n.º 1 desse mesmo artigo 7.º. E incluía, assim, os processos ¯ todos os processos ¯ administrativos. Por seu turno, a circunstância de a lei ter em vista os prazos de prescrição ou de caducidade que fossem relativos a esses processos permite revelar que o que dela resultava era fundamentalmente a suspensão dos prazos de prescrição ou de caducidade dos quais depende, em termos de mérito/procedência ou de admissibilidade, a propositura de certas ações em juízo.
(…)
O que esta regra de suspensão de prazos de prescrição e de caducidade veio permitir foi então e apenas a possibilidade de «desconsiderar» os dias de vigência da situação excecional e assim diferir para o futuro o termo dos prazos que condicionassem a admissibilidade ou a procedência de ações em juízo. Ou, como o dizia a parte final do n.º 4 do artigo 7.º: esses prazos seriam “alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional”. Com o que, na prática, se prosseguia o objetivo de, durante a vigência dessa situação excecional, não «obrigar» ninguém a ter de propor ações perante os tribunais administrativos (…)”(evidenciados nosso).
k) Face a todo o exposto é por demais evidente que a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 16/2020 à contagem do prazo para apresentação de reclamação graciosa é a única que assegura o estrito cumprimento do princípio da legalidade a que a Recorrente está adstrita, não lhe podendo ser assacado qualquer vício que inquine a sua validade.
l) Ao invés, é a sentença recorrida que padece de manifesto erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação da norma legal aplicável ao caso vertente, o que, necessariamente, afeta a sua validade.
m) Por todo o exposto conclui-se que a sentença recorrida está inquinada de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, e como tal não se pode manter na ordem jurídica.

Termos em que deve o presente recurso proceder e a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, com as legais consequências.


Nas contra-alegações apresentadas concluem os ora Recorridos:

A. Os Recorridos foram notificados de liquidações adicionais de IRS e de juros compensatórios, que tinham como data-limite de pagamento o dia 18 de dezembro de 2019, tendo apresentado reclamação graciosa face à injustiça de que foram alvo na sua liquidação de IRS respeitante ao ano de 2015.
B. A reclamação graciosa apresentada no dia 13 de julho de 2020 é tempestiva em virtude da suspensão de prazos ditada pela situação excecional de pandemia de COVID-19, que se materializou no artigo 7.º, n.º 9, alínea c) da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
C. No entanto, de acordo com a AT, o termo do prazo ocorreu no vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da lei (dia 03/07/2020) por aplicação do artigo 5.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio – considerando que se tratava de um “prazo administrativo”;
D. De acordo com o Tribunal a quo, o termo do prazo ocorreu no fim dos 120 dias da sua contagem, acrescidos da suspensão (dia 13/07/2020) por aplicação do artigo 6.º do mesmo diploma legal, pois o prazo de exercício do direito a uma tutela jurisdicional efetiva por via da apresentação de uma reclamação graciosa contra um ato de liquidação de imposto é um “prazo de caducidade”.
E. É também este o entendimento unânime da jurisprudência deste venerando Tribunal Central Administrativo Sul (cf., a título de exemplo, acórdão de 28 de setembro de 2017, processo n.º 183/12.7BELRA e acórdão de 7 de dezembro de 2021 tirado no processo n.º 977/14.9BELLE).
F. E não se vislumbra qualquer razão para alterar este entendimento sedimentado doutrinal e jurisprudencialmente.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. por certo suprirão deve ser negado provimento ao presente recurso, com as demais consequências legais, designadamente, a manutenção na ordem jurídica da douta sentença recorrida pois apenas assim se fará a devida
JUSTIÇA!


O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento na aplicação do direito, ao considerar tempestiva a reclamação graciosa apresentada...

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