Acórdão nº 1892/22.8T8VCT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-10-26

Ano2023
Número Acordão1892/22.8T8VCT-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

Em 26.5.2022, AA e BB vieram requerer a declaração de insolvência de EMP01..., LDA., tendo a insolvência sido decretada por sentença, proferida em 29.11.2022, a qual determinou a abertura do incidente de qualificação da insolvência com caráter pleno, nos termos do art. 188º, nº 1, do CIRE.
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AA e BB vieram deduzir incidente de qualificação da insolvência pedindo que sejam julgados verificados os pressupostos da qualificação da insolvência como culposa descritos no artigo 186.º, nºs 1 e 2, als. a), g) e h) e n.º 3, als. a) e b) do CIRE, devendo ser afetados pela qualificação da insolvência os gerentes CC e DD.
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A Srª. Administradora da Insolvência (doravante AI) emitiu parecer no sentido de a insolvência ser considerada como culposa, devendo ser afetada por essa qualificação a gerente CC (requerimento de 13.3.2023, ref. Citius ...80).
Fundamentou o seu parecer, em síntese, na falta de apresentação de contas e na não apresentação à insolvência. Referiu que a devedora não podia ignorar a sua situação de insolvência, designadamente quando começou a ser alvo de ações executivas, no decurso do ano de 2021, sendo que, ao não se apresentar à insolvência, provocou prejuízos acrescidos aos seus credores uma vez que, em vez de os tentar ressarcir de forma equitativa, através de um processo de execução universal, como é o processo de insolvência, permitiu que se fossem tramitando vários processos executivos, em diferentes comarcas, que, fruto das suas pendências, foram tramitados com maior ou menor rapidez, o que levou a que todo o seu património fosse alienado num único processo, satisfazendo um único credor, em detrimento dos restantes; da mesma forma, a falta de depósito obrigatório das contas da sociedade não permitiu aos seus credores aferir da situação económica da sociedade, levando-os a com ela manter relações comerciais que por certo não manteriam se tivessem um conhecimento real da sua situação económica. Concluiu que este comportamento por parte da insolvente levou a um aumento substancial dos prejuízos dos seus credores, que se viram desprovidos do seu dinheiro e impedidos de o recuperar por qualquer forma.
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O Ministério Público, com base nas circunstâncias de facto e de direito invocadas no requerimento de AA e BB e no parecer da AI, considerou que a insolvência deverá ser qualificada como culposa, devendo a referida qualificação afetar os gerentes CC e DD.
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A insolvente deduziu oposição, considerando que a insolvência deve ser declarada fortuita.
Alega que não incumpriu qualquer dever de apresentação à insolvência porque os prazos se encontravam suspensos desde março de 2020, suspensão que, por referência à data da oposição, ainda se mantém.
Apesar de contra si terem sido instauradas ações executivas, tinha razões para acreditar que conseguiria cumprir as suas obrigações vencidas, tendo celebrado acordos de pagamento faseado com vários credores.
A falta de depósito das contas constitui mera presunção de culpa, não permitindo a conclusão de que a insolvência é culposa.
Não obstante a falta de depósito de contas, a insolvente tinha a sua contabilidade organizada, não se verificando este fundamento de qualificação da insolvência.
Nega ter feito desaparecer qualquer património, designadamente a máquina referida pelos requerentes, a qual nunca esteve escondida e esteve sempre no local onde já se encontrava quando foi realizada a penhora, conforme consta do auto de penhora respetivo.
A insolvente foi alvo de uma penhora ilegal tendo ficado privada dos seus instrumentos de trabalho, os quais só lhe foram restituídos cerca de um ano depois e nessa altura foram novamente penhorados no âmbito de outra execução. Tal impediu-a de prosseguir a sua atividade.
Tentou renegociar as suas dívidas e pagá-las faseadamente, mas sem êxito.
Este conjunto de circunstâncias determinou a sua situação de insolvência, a qual é fortuita, não havendo fundamento para que seja declarada culposa.
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CC deduziu oposição em termos semelhantes aos da oposição da insolvente mais alegando que, embora tenha cédula profissional de agente de execução, atualmente é trabalhadora agrícola por conta de outrem, sendo a atividade de agente de execução absolutamente residual.
Concluiu que a insolvência deve ser declarada fortuita.
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Os credores AA e BB responderam às oposições impugnando a veracidade da factualidade invocada e reafirmando os argumentos e razões por si aduzidos no requerimento inicial.
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Foi proferido despacho saneador tabelar, foi fixado ao incidente o valor da alçada da Relação, identificou-se o objeto do processo e procedeu-se à enunciação dos temas de prova.
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Realizou-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:

“Em conformidade com o exposto, decide o Tribunal qualificar a insolvência de EMP01..., Ld.ª como fortuita.---“
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Os requerentes AA e BB não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. Com fundamento apenas nos factos que foram dados como provados sob os n.º 3.3., 3.5., 3.13., e 3.14. da douta sentença recorrida deve ser considerada como culposa a insolvência de EMP01..., Lda., presumindo-se existir culpa grave da sócia gerente (CC) por ter incumprido a obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial; e presumindo-se culpa e criação ou agravamento da situação de insolvência em consequência da atuação da sócia gerente por ter prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saber ou dever saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência.
2. Além disso, deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto, concretamente quanto aos factos que foram dados como não provados sob as al. a), b) e c) e alterado o teor dos factos considerados provados sob os n.º 3.10 e 3.14.
3. O facto constante da al. a) (A máquina id. em 3.7. e 3.8. dos factos provados encontrava-se escondida) deve ser considerado provado, tendo em conta os documentos que se encontram no processo (e que se juntam como doc. n.º ... e ...) e dos quais resulta que essa máquina foi colocada pela gerente da insolvente num estranho ao processo executivo e muito escondido; do depoimento das testemunhas EE (“…disse que foi a D. FF que pediu para guardar lá … eram uns terrenos e nós andamos uns bons pedaços, da estrada não se conseguia ver a máquina … ele disse que a conhecia, que era amigo…”); GG (“… fui ver à noite se podia ir lá visitar, ir ver a máquina, ele disse-me que sim, ela estava lá, na altura em que eu fui estava dentro dum silo, onde armazenam, silo de milho, era onde ela estava … silo fechado, só tem as laterais …” ) e HH (“… a máquina sim cheguei a vê-la porque estava na casa de um amigo, bastante camuflada, diga-se, na parte de trás da casa, no meio de um campo … “); e dos critérios de normalidade resulta que esse bem estava escondido no local escolhido pela gerente da devedora e depositária dos bens penhorados, porque esta assim quis, nomeadamente porque nesse local era muito mais difícil de encontrar, sendo suspeita, estranha e atípica esta conduta de guardar os bens penhorados num local nada relacionado com a execução nem com a devedora.
4. O facto constante da alínea b) (O montante de € 8.400,00 referido em 3.9. dos factos provados é muito inferior ao valor de mercado dos respetivos bens, que corresponde, no mínimo, ao triplo) deve ser considerado provado, tendo em conta os documentos que se encontram no processo dos quais resulta que o valor de 1 (uma) só verba (máquina id. em 3.7. e 3.8. dos factos provados), de €10.000,00, é superio ao valor das 9 (nove) verbas no processo executivo n.º ...1..., de €8.400,00, e das quais aquela verba faz parte. (ver doc. n.º ...); do depoimento das testemunhas EE (“… foi esse senhor que disse que entendia que esse seria o valor da máquina usada e foi esse o valor que foi atribuído …”); II (“…seja o equipamento que for, nós como comerciantes … é evidente que o estado de conservação é considerado na avaliação, consideramos sempre uma terça parte do valor de venda do mercado, ou seja este equipamento, em bora depois pudesse ter algum desconto, a 2021 poderia andar aqui na casa dos €18.000,00 um reboque destes, o valor de mercado é uma terça parte, aproximadamente..€6.000,00 … (sucata) os tais €800,00…”); GG (“… o valor comercial da máquina na altura em que eu a vi seria de €10.000,00, à volta disso …”);
HH (“… dávamos €10.000,00 por esse equipamento, julgo que até nem foi por esse valor … esse equipamento era o preço, é evidente que era equipamento usado, nós dávamos €10.000,00 por ele…”); e dos critérios de normalidade resulta que o valor de € 8.400,00 (valor de adjudicação das 9 verbas no processo executivo n.º ...1...) é muito inferior ao valor de mercado dos referidos bens atendendo a que se estes estivessem todos destruídos, o que não era o caso, valor seria sempre superior só pelo peso de venda para sucata. E que o valor de mercado desse bens corresponderia pelo menos ao triplo (€25.200,00)
5. O facto constante da alínea c) (A insolvência da Devedora foi criada ou agravada em consequência de atuação da respetiva gerente, CC, concretamente por força da colocação da ... num local escondido, da rapidez na adjudicação dos bens a terceiro sem oposição, do atraso na prestação de informações aos Requerentes, ou na transmissão dos bens por preço muito inferior ao seu real valor sem qualquer oposição) deve ser considerado provado tendo em conta os documentos que sem encontram no processo dos quais resulta que a atuação da respetiva gerente, CC, concretamente por força da colocação da ... num local...

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