Acórdão nº 1879/21.8T8VFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Número Acordão1879/21.8T8VFR.P1
Ano2023
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 1879/21.8T8VFR.P1

Sumário:
…………………………….
…………………………….
…………………………….
*
* *

I - Relatório
AA, residente na Rua ..., ... ..., Oliveira de Azeméis, intentou a presente acção declarativa de processo comum contra “A..., S.A.”, na qual pede a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €10.684,27 (dez mil, seiscentos e oitenta e quatro euros e vinte e sete cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, acrescidos de juros de mora, calculados à taxa legal, a contar da citação.
Invocou que foi interveniente num acidente de viação pelo qual foi única e exclusivamente responsável a condutora do veículo segurado na Ré e, em consequência do referido embate sofreu danos materiais no veículo, cujo custo da reparação orça o valor de €6.217,93, teve uma perda de rendimento do trabalho, que calcula no montante de €2.201,34, e sofreu um dano da privação do uso, que estima em €15,00 diários, pelos quais pretende ser ressarcido.
A Ré contestou dizendo que que a responsabilidade pelo acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do Autor, na medida em que circulava com excesso de velocidade no local e de forma imprudente, impugnado ainda a ausência de nexo de causalidade entre o acidente de viação em análise e a alegada perda de rendimento do trabalho, bem como impugna por infundados os danos decorrentes da imobilização do veículo. Pede a sua absolvição.
Foi saneada e instruída a causa tendo sido realizado julgamento. Após o qual foi proferida decisão que condenou a ré a pagar ao autor a a) - a quantia de €1.605,97 (mil, seiscentos e cinco euros e noventa e sete cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa de 4%, a contar desde a citação (23.06.2021), até efectivo e integral pagamento; b) - a quantia diária de €2,40 desde a data da citação (23.06.2021) até efectivo e integral pagamento do valor correspondente à sua quota parte de responsabilidade pela reparação do veículo.
Inconformado veio o autor recorrer, recurso esse que foi admitido como de apelação (art. 644.º, n.º1, al. a) do Novo Código de Processo Civil), com subida imediata, nos próprios autos (art. 645.º, n.º 1, al. a) do Novo Código de Processo Civil) e efeito meramente devolutivo (art. 647.º, n.º 1, do Novo Código de Processo Civil).
*

2. Conclusões do apelante
1. O relatório pericial junto pela Ré com a sua contestação e o depoimento do perito que o elaborou prestado na audiência de julgamento na qualidade de testemunha, com base no qual se sustenta a decisão quanto ao ponto 9 dos factos provados na parte em que consta que o Autor circulava a uma velocidade de, aproximadamente, 70Kms/hora, tem nos pressupostos das suas conclusões factos que não correspondem à realidade, devendo ser retirada qualquer credibilidade.
2. O mesmo relatório pericial e o testemunho do perito que o elaborou na audiência de julgamento, configura na prática prova pericial na produção da qual não foram observadas regras processuais imperativas destinadas a assegurar o contraditório da parte contrária.
3. Por falta de elementos de prova que a sustentem, deve ser alterada a decisão quanto ao ponto 9 dos factos provados na parte em que consta que o Autor, no momento do embate, circulava a uma velocidade de, aproximadamente, 70 kms/hora.
4. Iniciando a condutora do veículo seguro da Ré a manobra de marcha atrás no momento em que o Autor ia a passar, deve ser considerada exclusiva culpada na produção do acidente.
5. Mesmo que se entenda que a decisão quanto ao ponto 9 dos factos provadas não mereça o reparo que o Autora lhe aponta, estando provado que a condutora do veículo seguro na Ré iniciou a manobra de marcha atrás no momento em que o Autor ia a passar, não é possível estabelecer qualquer nexo de casualidade entre a velocidade a que o Autor seguia e o embate.
6. Na circunstância apurada, o embate ocorreria do mesmo modo, mesmo que o Autor circulasse a uma velocidade inferior.
7. Caso seja de douto entendimento que ao Autor deva ser atribuída qualquer percentagem de culpa na produção do acidente, a mesma não deverá exceder 20%.
8. Foram violados os artigos 563º e 570º do C.Civil.
*
2.2. A apelada contra-alegou nos seguintes termos:
Cotejada toda a prova carreada aos autos a respeito da análise do local e dos danos dos veículos, certo é que inexiste qualquer elemento que coloque em causa o que a testemunha BB e o documento em causa afiançaram, nomeadamente no que diz respeito à velocidade de que o veículo conduzido pelo Autor/Apelante viria animado.
Assim sendo, e sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, não se afigura existir qualquer vício imputável ao juízo probatório vertido na douta sentença recorrida.
A douta sentença proferida, no que diz respeito á decisão proferida sobre a matéria de facto, deverá ser integralmente mantida.
Atenta a factualidade julgada provada, e sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, outra não podia ser a decisão a proferir em sede de atribuição da responsabilidade pela ocorrência do acidente e repartição da culpa.
Nessa medida, e sem mais delongas, temos que o presente recurso de apelação deverá soçobrar in totum, mantendo-se a douta decisão proferida na sua integralidade.
*
3. Questões a decidir
1. Apreciar a invocada nulidade processual relativa ao “relatório pericial”.
2. Determinar a admissibilidade do recurso da matéria de facto
3. Caso a resposta seja positiva seja apreciar o mesmo
4. Averiguar por fim se a repartição de culpas na eclosão do evento deve ser ou não alterada.
*
4. Da nulidade processual
Pretende agora o apelante que o relatório pericial violou as regras do contraditório.
Desde logo, cumpre notar que o documento no qual consta uma apreciação técnica sobre a dinâmica do acidente foi junto aos autos com a contestação, foi notificado à parte e mereceu a seguinte resposta da apelante “AA, Autor nos autos em epigrafe, no(ti)f‌icado da junção dos documentos com a contestação, vem impugnar a veracidade do documento nº 2”.
Do mesmo modo, o depoimento dessa testemunha foi prestado em audiência, na qual o apelante pode exercer o contraditório e na qual até deduziu um incidente relativo à existência ou não de rastos de travagem.
Ou seja, é manifestamente infundada a tese de que foi violado o contraditório.
O que apelante pretende agora é que esse documento seja qualificado como prova pericial quando nunca o foi no decurso do processo, nem, em rigor, poderia ser de acordo com o nosso regime legal.
Na verdade, o sistema nacional ao contrário de outros[1], possui uma tramitação própria e autónoma para que a introdução de avaliações técnico-científicas, que assumem a natureza própria de prova pericial (art.467 e segsº, do CPC).
Quando assim seja, a prova pericial (no nosso sistema civil)[2] é valorada livremente pelo tribunal que deverá analisar a consistência da mesma através dos seguintes elementos:[3]
a) A credibilidade maior ou menor dependente da imparcialidade do perito (eg nomeação pelo tribunal ou indicação pelas partes).
b) o grau e consistência da sua competência técnica
c) a congruência e consistência interna do laudo
d) o controlo, face aos padrões científicos aplicáveis, da qualidade cientifica do mesmo.
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem[4], exige, quanto a este meio de prova, que
A perícia se realize num prazo razoável, com respeito pelos princípios da igualdade de armas e do contraditório, assegurando-se a imparcialidade do perito.
*
Ora, in casu a tramitação adotada não foi a correspondente a este meio de prova.
E, diga-se desde, já, não existe entre nós a imposição legal de optar por essa tramitação.
Com efeito, podem as partes e o tribunal optar por outro modo de carrear para os autos a demonstração de conhecimentos técnicos e científicos.
Desde logo o tribunal poderia ter usado a figura do técnico[5].
Podem as partes simplesmente juntar a opinião técnica por escrito, sob a forma de parecer, ou através da prestação de depoimento testemunhal.
Será, essa forma como foi carreada para os autos que determinará o âmbito dos requisitos formais aplicáveis, a sua consistência e até o seu peso na valoração judicial, já que esses meios de prova (testemunhal e prova pericial), são livremente valorados pelo tribunal.
In casu, a prestação do depoimento seguiu todos os requisitos do depoimento testemunhal e não pericial.
Por seu turno o documento junto com contestação deve ser qualificado como um parecer técnico, pois, estes “constituem abordagens técnicas não vinculantes sobre questões colocadas por factos de que os seus autores não têm conhecimento directo, elaborados por indivíduos com conhecimentos específicos e destinadas a esclarecer o julgador”.
Logo, poderia até ter sido junto em momento posterior.
Assim, a questão suscitada pela parte é manifestamente improcedente, pois, esse meio de prova/parecer não pode ser qualificado como prova pericial.
Em primeiro lugar, não foi esse o meio requerido pelas partes para a sua introdução do processo (incluindo a apelante que poderia querendo, no momento próprio requerer a realização de uma perícia e não o fez).
Depois, não foi essa a tramitação processual adoptada.
E, por fim, não existe qualquer tipo de exigência legal para que a mesma esteja sujeita a um regime de especialidade e taxatividade nos termos da qual a produção de prova cientifica só possa ser feita por meio de perícia.
Com simples apelo ao principio da legalidade é manifesto que o CPC permite vários meios de prova de natureza típica e atípica, e cuja única especificidade decorre do seu objecto ou autor (ex inspeção judicial e apresentação de coisas móveis) e não da sua natureza ou objecto cientifico por contraposição a conhecimento comum.
Desde modo, podemos concluir que esse objecto não está limitado a matéria cientifica ou geral, mas apenas ao interesse da mesma para os temas de prova (cfr. art. 495º, do CPC).
Cumpre,
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT