Acórdão nº 1872/18.8T8LRA.C2 de Tribunal da Relação de Coimbra, 30-05-2023

Data de Julgamento30 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão1872/18.8T8LRA.C2
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)

Apelação n.º 1872/18.8T8LRA.C2

Juízo Central Cível de Leiria – Juiz 2

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Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I - Relatório

Moamineral – Minerais Industriais S.A.

intentou contra

Sabril- Sociedade de Areias e Britas, Lda.

ação declarativa pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 1.413.333, acrescida de juros de mora, desde a data da sua citação e até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa supletiva legalmente aplicável.

Por sentença de 04.03.2019 (ref. 904652227) a ação foi julgada improcedente, com a consequente absolvição da Ré do pedido.

Interposto recurso dessa decisão, por acórdão deste Tribunal da Relação de 03.12.2019 (ref. 8900600), o mesmo obteve provimento parcial, com a condenação da Ré a pagar à A. o montante de € 829.200, acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação e até pagamento.

A Ré interpôs recurso de revista para o STJ, o qual, por acórdão de 10.09.2020 (ref. 9462261), transitado em julgado, mereceu procedência parcial, decidindo-se, com fundamento em responsabilidade civil, no que agora interessa, “b) Condenar a Ré Sabril – Sociedade de Areias e Britas, Lda. a indemnizar a Autora Motamineral, Minerais Industriais, S.A. pelas toneladas de areia de que se apropriou em quantia a calcular em incidente de liquidação, de acordo com os parâmetros definidos no ponto 12. do presente acórdão”.

Na sequência, a A. veio requerer a liquidação do crédito, pedindo, com os fundamentos que invocou, a condenação da Ré “no pagamento à Autora, do montante de € 780.000,00 (setecentos e oitenta mil euros), acrescido de juros de mora vincendos desde a notificação da Ré para o presente incidente, calculados às taxas legais de juros comerciais sucessivamente em vigor, nos termos dos artigos 804.º, 805.º, n.º 2, alínea a) e b), e 806.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil, e do artigo 102, § 3.º, do Código Comercial”.

A Ré deduziu oposição pugnando no sentido de ao reclamado valor de € 780.000 ser deduzido do valor que resultar do apuramento das quantidades de cada tipologia de areia retiradas do local e respetiva valorização contratual.

Entretanto, a 03.11.2022 (ref. 9167464), já depois de ter sido agendado o julgamento, a Ré veio confessar o pedido na parte respeitante ao valor do capital (montante indemnizatório liquidado pela A.) e duração da mora tendo juntado aos autos comprovativos do pagamento a favor da A. dos montantes de € 780.000 (capital) e € 59.921,10 (juros de mora) efetuado nessa mesma data.

Por sentença de 06.12.2022 (ref. 102180905) foi julgada válida a confissão, com a condenação da Ré a pagar à A. a quantia confessada de € 839.921,10, prosseguindo os autos tão só, no que ainda subsiste para apreciação no presente recurso, para o julgamento respeitante à natureza dos juros devidos.

Após ter sido facultado às partes o exercício do contraditório a propósito dessa questão (por meio de alegações) foi, a 20.01.2023, proferida sentença, na qual, por se ter considerado estarem em causa juros à taxa para as operações civis e estar pago o montante devido a esse título, se declarou extinto, por inútil, o incidente de liquidação.

*

Irresignada, a A. interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever:
A. Em 10.09.2020, o Supremo Tribunal de Justiça condenou a Recorrida a indemnizar a Recorrente pelas toneladas de areia de que a primeira se apropriou, em quantia a calcular em incidente de liquidação.
B. A Recorrente deduziu, por apenso, o presente incidente de liquidação contra a Recorrida, pedindo a sua condenação no pagamento do montante de EUR 780.000,00, acrescido de juros de mora vincendos desde a sua notificação para o presente incidente, calculados à taxa legal de juros comerciais sucessivamente em vigor.
C. A Recorrida veio juntar aos autos dois documentos comprovativos do pagamento à Recorrente das quantias de EUR 780.000,00 e de EUR 59.921,10,esta última referente a “juros moratórios civis à taxa legal aplicável”.
D. Por requerimento de 09.11.2022, a Recorrente veio pedir a condenação da Recorrida no pagamento da quantia de EUR 59.579,17, por entender que o montante que havia sido entregue pela Recorrida não satisfazia o seu crédito, por ter sido por esta aplicada a taxa de juros civis, quando era aplicável a taxa de juros comerciais.
E. Na Sentença Recorrida, proferida em 20.01.2023, o Tribunal a quo julgou improcedente o pedido formulado pela Recorrente nas suas alegações finais, considerando que nenhuma outra quantia poderia ser exigida à Recorrida, visto que, entendeu o Tribunal a quo, seriam devidos juros à taxa para as operações civis, e não à taxa comercial.
F. A Recorrente não pode concordar com a posição vertida na Sentença Recorrida, por serem aplicáveis, no caso sub judice, juros moratórios à taxa comercial. Senão vejamos,
G. Desde logo, no Requerimento Inicial, a Recorrente peticionou a condenação da Recorrida no pagamento de juros moratórios comerciais, e não civis, não tendo a Recorrida, em sede de oposição, contestado esse pedido, pelo que não o pode agora, naturalmente, fazer.
H. Assim, do ponto de vista processual, não tendo o pedido de aplicação da taxa de juros comercial sido questionado, deve ser considerado como não controvertido e, por conseguinte, deve a Recorrida ser condenada a liquidar à Recorrente juros de mora comerciais.
I. Por outro lado, é aplicável ao caso sub judice a taxa de juros moratórios comerciais, e não a taxa de juros civis, nos termos do § 5.º do artigo 102.º do Código Comercial e do Decreto-Lei n.º 62/2013.
J. O montante liquidado nos presentes autos pela Recorrida corresponde, materialmente, e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 62/2013, à remuneração de uma transação comercial entre “empresas”, porquanto:
i. A Recorrente e a Recorrida são comerciantes (por serem sociedades comerciais).
ii. A Recorrente e a Recorrida têm o mesmo objeto comercial, dedicando-se à extração e à venda de matérias-primas, nomeadamente areias, sendo que a venda de areias contribuía para os resultados da Recorrente.
iii. No exercício desta atividade comercial, a Recorrida subtraiu areias do stock da Unidade do Oeste da Recorrente, fazendo-as suas, sem pagar o respetivo preço.
iv. Foram retiradas, pelo menos, 300 mil toneladas de areias do stock da Unidade do Oeste, que poderiam ser vendidas pela Recorrente pelo preço global de EUR 780.000,00.
v. A apropriação indevida das areias teve repercussões imediatas na atividade comercial da Recorrente, que sofreu uma delapidação do seu stock de produtos destinados ao comércio.
vi. Em consequência do supra, a Recorrida foi condenada a pagar à Recorrente o montante de EUR 780.000,00, acrescido de juros de mora.
K. O crédito indemnizatório liquidado destina-se a remunerar e compensar a Recorrente pela subtração de matérias-primas exclusivamente afetas à sua atividade comercial e que, de outro modo, seriam alienadas no quadro de uma transação comercial por esse mesmo valor e no quadro do exercício das atividades comerciais da Recorrente e também da Recorrida.
L. No Acórdão de 10.09.2020, proferido nestes autos, o Supremo Tribunal de Justiça reconhece que estamos perante atos praticados no âmbito das atividades comerciais das partes e que provocaram um dano de natureza comercial, pois que, não fosse o facto ilícito perpetrado pela Recorrida, a Recorrente teria vendido as ditas areias a coberto de uma transação.
M. Os factos jurídicos ilícitos, geradores de responsabilidade civil extracontratual, podem ter conexão com o comércio, devendo considerar-se, quando o tenham, como verdadeiros atos de comércio, como se verifica in casu.
N. Se a Recorrida tivesse atuado licitamente e adquirido as areias à Recorrente no contexto de uma verdadeira transação comercial, ao invés de as “subtrair gratuitamente”, não haveria quaisquer dúvidas de que seriam devidos juros comerciais nos termos do § 5.º do artigo 102.º do Código Comercial e do Decreto-Lei n.º 62/2013.
O. Deve entender-se que são aplicáveis in casu juros comerciais, às taxas sucessivas de 8% e 10,5%,nos termos do § 5.º do artigo 102.º do Código Comercial e do Decreto-Lei n.º 62/2013.
P. Subsidiariamente, sempre seriam devidos juros comerciais nos termos do artigo § 3.º do 102.º do Código Comercial.
Q. A taxa de juro a que se refere o § 3.º do artigo 102.º do Código Comercial é aplicável a todos os créditos de que sejam titulares empresas comerciais, como é o caso da Recorrente, assim o impondo os elementos literal e teleológico de interpretação da lei.
R. Quanto ao elemento literal, o § 3.º do artigo 102.º do Código Comercial refere-se expressamente aos “créditos de que sejam titulares empresas comerciais”, não fazendo qualquer distinção quanto ao tipo de crédito em apreço.
S. A teleologia do referido preceito aponta mesma direção, pois o ratio da norma é o de “compensar especialmente as empresas pela imobilização de capitais, pois que, para elas o dinheiro tem um custo mais elevado do que em geral, na medida em que deixam de o poder aplicar na sua atividade, da qual extraem lucros, ou têm mesmo que recorrer ao crédito bancário”.
T. Por essa razão, não fará sentido distinguir os tipos de créditos em apreço, pois, em qualquer caso, haverá uma situação de imobilização de capital que, de outro modo, seria alocado às atividades comerciais do comerciante (em concreto, da Recorrente).
U. A necessidade de...

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