Acórdão nº 1867/17.9T8PRD-L.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-06-26

Data de Julgamento26 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão1867/17.9T8PRD-L.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 1867/17.9T8PRD-L.P1

Recorrente – AA

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Mendes Coelho.

Acordam na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
AA, progenitora da BB (e ora recorrente), a 16.01.2023, formulou nos autos de promoção e proteção (apenso C) o seguinte requerimento:
“1. Por diversas vezes, a menor BB tentou por palavras suas de que era vítima de violência doméstica, de agressividade psicológica e física por parte do seu progenitor.
2. No entanto, NINGUÉM ACREDITOU NELA!
3. Até mesmo o DIAP de Amarante, que arquivou o processo alegando que o depoimento da ofendida não era credível.
4. Pois bem, a jovem decidiu gravar, apenas TRÊS dias, dos convívios com o pai, - conforme estabelecido pela medida provisória de apoio juntos dos pais a executar juntos de ambos.
5. E bastam tão só estas conversas de três dias – dias 10, 18 e 21 de dezembro de 2022 – e as ouvir atentamente para se chegar à conclusão de que a BB é vítima de violência doméstica.
6. Note-se que, como resulta da lei, no dia 12 de janeiro de 2023, a representante da Ofendida requereu a Abertura de Instrução do Processo-Crime n.º 114/22.6GBAMT, juntando as ditas gravações que seguem em anexo, como Doc.1, Doc. 2 e Doc. 3 Doc.
7. No entanto, dado o CARÁTER URGENTE, requer-se a V.Exa. seja, de imediato, decretada a suspensão da medida provisória, determinada em 07 de outubro de 2022, ou seja, na próxima, quarta-feira.
8. E, só se procede à notificação da defensora oficiosa da aqui menor, BB, como claro está, por se tratar de uma denúncia ao progenitor, o que certamente o Tribunal tomará, atempadamente, as devidas medidas necessárias e legais relativamente ao mesmo”.

Depois de determinado que fosse cumprido o contraditório (que havia sido expressamente incumprido, conforme se anunciava no ponto 8 do requerimento antes transcrito), o progenitor da BB, a 9.02.2013, veio responder: “(...)
4.- Desta forma, o Progenitor entende que não há qualquer fundamento para o requerido pela Progenitora.
5.- Quanto à alegada prova junta, não pode a mesma ser mais ilegal!
6.- O aqui Progenitor não consentiu nem autorizou a captação, gravação e produção da sua voz, pelo que tal registo de áudio é uma prova absolutamente admissível, ou se quisermos ser rigorosos é uma prova relativamente inadmissível pois coloca em causa os direitos a que se referem o art. 417.º, n.º 3 al. b) do CPC, referidos na segunda parte do art. 38.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, designadamente aqueles que consubstanciam uma intromissão da vida privada ou familiar, no domicilio, na correspondência ou nas telecomunicações.
7.- Assim, a recolha das referidas gravações colide com o direito fundamental do Progenitor à vida privada e a sua recolha áudio não foi consentida previamente, pelo que não pode ser considerada.
8.- E, ainda que assim não se entendesse, o que aqui não se consente, sempre a mesma não manifesta se não um ensaio orquestrado para tentar demonstrar uma realidade que a Progenitora a todo o custo quer ficcionar, e que aqui não se admite nem consente – que o Progenitor é violento com a menor.
9.- Veja-se quem junta as gravações é a Progenitora e não a menor BB que tem Ilustre Patrona mandata nos autos – o que aqui se evidencia mais uma vez a tentativa constante da Progenitora afastar a BB do pai, apoiando e manifestando nos autos essa constante atitude de afastamento entre pai e filha.
10.- Pelo que do exposto, e caso tais documentação áudio seja considera sempre se requererá a produção de prova testemunhal e documental bastante e que se protesta juntar e arrolar, para provar do contrário.
11.- Do exposto se requer que se dê sem qualquer efeito e se indefira tal requerimento por ausência de qualquer fundamento factual ou legal.”

A 13.02.2023 o Ministério Público pronunciou-se e promoveu: “Concordando-se na íntegra pelo alegado pelo progenitor, constatamos, desde logo, inexistirem quaisquer fundamentos para coartar as visitas ao progenitor, pelo que se deve indeferir a requerida suspensão. Com efeito, as gravações juntas para além de serem manifestamente ilegais, apenas comprovam que urge aplicar medida de promoção e proteção distinta da medida cautelar aplicada de apoio junto da mãe, uma vez que, basta a sua audição para apurar que se tratou de uma tentativa gorada de desestabilização do progenitor, devidamente orquestrada pela menor, certamente, instruída por um adulto. O comportamento adotado pela jovem nessa gravação é inadmissível. Na verdade, entendemos que a situação descrita se enquadra nas situações de perigo previstas na LPCJP no seu artigo 3.º, n.º 2, alíneas b), c) e e), revelando-se a medida cautelar aplicada como desajustada face aos seus comportamentos. Desde modo, urge aplicar medida cautelar distinta, de apoio junto dos pais, no caso junto do pai, nos termos já aduzidos na ata de 07.10.2022, para o qual se remete e se dá por reproduzido e que tudo leva a crer ter merecido acolhimento do Tribunal da Relação do Porto, nos termos combinados dos artigos 37.º, 35.º, n.º 1, f), e 49.º, da Lei n.º 147/99, de 01/09 (...)”.

Por requerimento de 16.02.2023, a progenitora veio alegar e requerer:
“1. O Processo de promoção e proteção da menor BB foi aberto em 24 de setembro de 2019.
2. Em 15 de março de 2020 foi aplicada a medida de apoio junto dos pais, a executar na pessoa da progenitora, acautelando os períodos de convivência com o progenitor (almoço às quartas-feiras) com acompanhamento regular da segurança social.
3. Em 27 de outubro de 2021, foi alterada a medida para apoio junto dos pais, a executar junto de ambos, com a duração de seis meses com fixação de regime de convívio do progenitor com a menor aos fins de semana alternados, de quinta a segunda-feira e para evitar mais desentendimentos a entrega e recolha da menor seriam realizadas na escola, sem intervenção da progenitora.
4. Em 12 de janeiro de 2022, foi aplicada a medida de apoio junto dos pais, a ser executada junto do pai e da mãe, nas semanas em que estiver com cada um dos progenitores, alternada e semanalmente, pelo prazo de seis meses.
5. Em 03 de agosto de 2022, foi aplicada a medida de apoio junto dos pais, ficando a menor a residir com a progenitora e convivendo com o progenitor, com o apoio dos tios paternos.
6. Em 07 de outubro de 2022, foi decretada a medida provisória de apoio junto dos pais a executar junto de ambos, nos mesmos termos em que foi já determinado em 03 de agosto de 2022, mantendo-se até à presente data.
7. Sucede que, o art. 60.º n.º 2 do LPCJP consigna que cada uma das medidas referidas no art. 35.º n.º 1 al. a), b), c) e d) não podem ter duração superior a um ano, podendo, todavia, ser prorrogadas até 18 meses.
8. O processo especial de proteção e promoção da menor iniciou-se a 24 de setembro de 2019, datando a medida aplicada – apoio junto dos pais [al.a) do n.º 1 do art. 35.º da LPCPJ] – de 15 de março de 2020, pelo período de doze meses, com novos figurinos por diversos períodos de seis meses, vigorando até à presente data.
9. Atento ao lapso de tempo das medidas de proteção e promoção aplicada, cumpre concluir que extravasou largamente o prazo máximo 18 (dezoito) meses, previstos por lei – considerando as suas prorrogações, nos termos do art. 63.º n.º 1 al. a) da LPCJP.
10. Pelo que, a revisão da medida há muito que se encontra caducada, por via do decurso do tempo a que a lei associa o efeito extintivo.
Neste sentido, requer-se a V. Exa. declare cessada, por caducidade, a medida de proteção e promoção da menor, BB decretada, devendo prosseguir de imediato e com máxima urgência, o debate judicial.
A/ DA JUNÇÃO DA PROVA:
11. A progenitora vem requerer, nos termos do art. 423.º n.º 2 do CPC ex vi 126.º do LPCJP, a junção dos áudios que foram juntos com o requerimento n.º 44400091 e 44405271, às alegações por si apresentadas em 17 de outubro de 2022, com referência 43587748.
12. A progenitora não ofereceu tal prova aquando das suas alegações, pois que teve apenas conhecimento das mesmas posteriormente, mais concretamente em dezembro de 2022.
13. Importa realçar que as ditas provas devem ser admitidas enquanto meio de prova, não obstante, de forma abstrata tratar-se de prova ilícita e proibida, pois foram obtidas, mediante abusiva intromissão na vida privada do progenitor, mas a verdade é que os factos expostos nas ditas gravações são demasiado graves, podendo a atuação do progenitor colocar em risco e perigo a BB.
14. Devendo este douto tribunal, face á especial vulnerabilidade da menor, atenta a sua jovem idade, considerar ocorrer a restrição da reserva sobre a intimidade da vida privada, nos termos doa art. 80.º do Código Civil (CC) e que tal restrição não se mostre desproporcional ao direito que se pretende alcançar, qual seja o superior interesse da criança estabelecido no art. 3.º n.º 2 da CONVENÇÃO DO DIREITOS DA CRIANÇA.
15 .Assim sendo, não obstante a ilicitude na obtenção dos meios de prova pela menor, por contenderem com a intimidade da vida privada do aqui Requerido, já que as gravações áudio foram realizadas pela BB á sua revelia, sem o consentimento ou conhecimento do mesmo, o Tribunal deverá, ponderando as circunstâncias concretas do caso, nomeadamente os interesses em conflito, entender prevalecer o superior interesse da criança, admitindo tais gravações.1
16. E não se diga que, ao abrigo da cooperação para a descoberta da verdade, seja legítimo ao Requerido a recusa, nos termos do art. 417.º n.º 3 al. b) do CPC, por alegada intromissão na vida privada ou familiar no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações e utilização abusiva de informações relativas às pessoas e famílias, conforme supra devidamente fundamentado [art. 26, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP)].
Neste sentido, requer-se a V. Exa. que admita os áudios como meio de prova e a
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT