Acórdão nº 1867/13.8 BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-03-02

Ano2023
Número Acordão1867/13.8 BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública vem, ao abrigo do disposto no art.º 652/3 do CPC, reclamar para a conferência da decisão sumária do relator que recaiu sobre o objecto do recurso interposto por V…. e M1… da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o despacho da Exma. Senhora Directora de Serviços de IRS que negou provimento ao recurso hierárquico interposto do despacho de indeferimento da reclamação graciosa visando a liquidação adicional de IRS, do ano de 2007, no valor global de 14.794,06€, alegando para tanto, o seguinte:
«
1. Em primeiro lugar não ficou expresso a razão pela qual o Juiz Relator entendeu que a presente decisão cumpre os requisitos do artigo 656.º do CPC para ser decidida de forma singular, dispensando-se a intervenção dos restantes juízes do colectivo.

2. Esta decisão carece de fundamentação e a sua omissão constitui, só por si, uma razão autónoma para que a F.P. venha pedir que o Tribunal colectivamente se pronuncie.

3. Mas também o próprio conteúdo material da decisão não nos parece conforme ao Direito.

4. Porque, contrariamente à sentença, vem agora o decisor considerar que “Tendo feito a apreciação da legalidade dos actos tributários impugnados e negado abrigo à pretensão anulatória dos impugnantes com base em motivos que não integram fundamentação expressa daqueles actos, a sentença incorreu em erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica.”

5. O problema é que grande parte da factualidade relevante para a decisão em primeira instância foi disponibilizada pelo Impugnante, quer em documentos incluídos junto à petição inicial quer pelas testemunhas por si indicadas.

6. E que não foi aqui afastada, tendo sido reproduzida integralmente a factualidade apurada na sentença na presente decisão.

7. O problema é que a decisão tomada ignora completamente a factualidade apurada nos autos, optando por uma via formalista, limitando-se à fundamentação expressa da liquidação.

8. Ou seja, na nossa opinião, não foi tido em conta o princípio da aquisição processual, consagrado no artigo 413.º do CPC onde se que “o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las (..).

9. E ao ser tomada uma decisão como a presente, onde apesar de ter ficado perfeitamente estabelecido que o pedido da Impugnante não pode ser atendido, vir afinal a ser declarado procedente por se ignorarem factos apresentados por si própria não pode a Fazenda Pública conformar-se.

10. Pelo que nos resta pedir o reexame da questão através de Acórdão, conforme, salvo melhor opinião, a lei permite.

Termos pelos quais se requer que seja deferida a presente reclamação e, consequentemente, ser proferido acórdão que julgue o presente recurso».

Ouvidos os Recorrentes, ora reclamados, ofereceram a seguinte resposta:
«
1. Vem a Recorrida, em primeiro lugar, alegar que na mui douta decisão, de 09.11.2022, a fls. , objeto da reclamação em apreço, "não ficou expresso a razão pela qual o Juiz Relator entendeu que a decisão cumpria os requisitos constantes no artigo 656.° do CPC para ser decidida de forma singular, dispensando-se a intervenção dos restantes juízes do colectivo" e que esta pretensa falta de fundamentação justificaria pronuncia pelo Tribunal Coletivo.
2. Porém, não assiste qualquer razão à Recorrida, uma vez que não se verifica qualquer omissão de fundamentação, muito pelo contrário, uma vez que o Exmo. Juiz Relator justificou de modo expresso, claro e suficiente as razões para a prolação de decisão singular e que demonstram estarem reunidos os pressupostos da decisão singular.

Senão vejamos.

3. Dispõe o artigo 656.° do CPC, concernente à decisão sumária do recurso,
“(...) quando o relator entender que a questão a decidir é simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado, profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para as precedentes decisões, de que se juntará cópia. (...)".
(negritos e sublinhados nossos).
4. À luz da citada norma, resulta inequívoco que as questões de simples decisão, mormente por haver jurisprudência uniforme e reiterada sobre as mesmas, poderão ser alvo de decisões sumárias proferidas pelo Juiz Relator.
5. Neste sentido e observando a norma citada, a mui doutra decisão reclamada afirma expressamente o seguinte:
O objeto do recurso afiaura-se-nos de simples resolução, já tendo sido tratado na jurisprudência ex abundantia e consiste em indagar se a sentença conheceu de questão nova, não suscitada pelas partes e não compreendida na fundamentação do acto impugnado.
(•••)".
(negrito e sublinhado nossos).
6. Atento o exposto, dúvidas não restam que, ao contrário do alegado pela Recorrida, ficou expresso no teor da decisão a razão pela qual o Juiz Relator entendeu que a mesma poderia ser proferida de forma singular, dispensando a intervenção dos demais Juízes do coletivo.
7. Neste contexto, a reclamação deverá desde logo ser rejeitada.
8. Vem ainda a Recorrida AT alegar que a decisão tomada ignorará a factualidade apurada nos autos, limitando-se à fundamentação expressa da liquidação, não tendo sido tomado em consideração o princípio da aquisição processual, constante no artigo 413.° do CPC.
9. Mais uma vez, também aqui, não assiste qualquer razão à Requerida, uma vez que, à semelhança do que considerou a douta decisão, e do que é o entendimento unânime da jurisprudência, a fundamentação do ato tributário é contextual e contemporânea da sua prática, não sendo permitida a invocação superveniente de fundamentos que, embora objetivamente existentes, não constam da motivação expressa do ato.
10. O argumento utilizado pelo Tribunal Tributário de Lisboa na sentença que, em primeira instância, julgou improcedente a impugnação - o requisito da correspondência entre os ganhos obtidos com a alienação da antiga habitação, concretizada, em janeiro de 2007, e os valores pagos pelos impugnantes, entre 07.05.2005 e 22.12.2006, a título de sinal e reforços de pagamento imputáveis ao contrato promessa que celebraram tendo por objeto a nova habitação - não integrava a fundamentação dos atos impugnados.
11. Em face do que antecede, muito bem esteve a douta decisão proferida pelo Juiz Relator quando considerou que,
"tendo feito a apreciação da legalidade dos atos tributários impugnados e negado abrigo à pretensão anulatória dos impugnantes com base em motivos que não integram fundamentação expressa daqueles atos, a sentença incorreu em erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica. (...)".
(sublinhado nosso)
12. Esta decisão é conforme com o Direito e está de acordo com a factualidade do processo, mormente com o conteúdo do ato tributário impugnado.
13. Pelo exposto, a reclamação carece de fundamento, devendo ser indeferida.

Nestes termos e nos mais de Direito,
Deve a presente Reclamação para a Conferência do Venerando Tribunal Central Administrativo Sul ser julgada improcedente, por não provada, e em consequência, manter-se a mui douta Decisão proferida pelo Exmo. Senhor Desembargador relator em 09.11.2022.».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo no sentido da improcedência da reclamação.

Com dispensa dos vistos legais por simplicidade e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

***

II. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
É este o teor da decisão sumária reclamada:
«

V… e M1… recorrem da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação deduzida contra o despacho da Exma. Senhora Directora de Serviços de IRS que negou provimento ao recurso hierárquico interposto do despacho de indeferimento da reclamação graciosa visando a liquidação adicional de IRS, do ano de 2007, no valor global de 14.794,06€, alegando para tanto, conclusivamente:
«
1.ª) O presente recurso é interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 05.04.2022, que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pelos ora Recorrentes do Despacho, proferido em 05.06.2013, da Exma. Sra. Diretora de Serviços do IRS, que negou provimento ao Recurso Hierárquico que, por sua vez, teve por objeto o Despacho, proferido pelo Exmo. Sr. Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, em 19.04.2012, de indeferimento da Reclamação Graciosa.
2.ª) Estava em causa decidir se se verificaram, in casu, dois requisitos para a exclusão da tributação, os quais no entendimento da Entidade Impugnada, alegadamente não estavam preenchidos, sendo eles o requisito relativo à aquisição da nova habitação, previsto na al. a) do n.º 5 do art.º 10º do CIRS e o requisito da fixação da sua habitação própria e permanente no imóvel adquirido, previsto na al. a) do n.º 6 do art.º 10º do CIRS.
3.ª) Não obstante a sentença recorrida ter considerado que tais requisitos estavam preenchidos, o Tribunal a quo, de uma forma completamente inesperada e surpreendente, pronunciouse acerca de uma questão completamente nova, a qual nunca havia sido antes colocada tanto nos presentes autos como pela Administração Tributária durante o procedimento tributário, ao decidir que não havia prova da relação entre os montantes ganhos com a venda do seu imóvel e as importâncias pagas a título de sinal e respetivos reforços na aquisição do novo imóvel, pelo que não se provou o reinvestimento, sendo essa a única razão pela qual considerou manter a liquidação adicional de IRS e os despachos proferidos em sede recurso hierárquico e de
reclamação graciosa.
4.ª) Sucede que, atenta a fundamentação que alicerçou a decisão, a sentença é...

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