Acórdão nº 18644/21.5T8LSB.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 07-02-2024

Data de Julgamento07 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão18644/21.5T8LSB.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:


Relatório


AA, Operador de Telemarketing, morador no Largo…, veio, mediante a apresentação do formulário a que se referem os artigos 98.º-C e 98.º-D do Código de Processo do Trabalho (CPT), propor contra Teleperformance Portugal, S.A., acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, pedindo que seja decretada a ilicitude e irregularidade do seu despedimento com as consequências legais.

Realizou-se a audiência de partes sem se conseguir a conciliação.

Regularmente notificada, a Ré apresentou articulado a motivar o despedimento invocando, em síntese, que: é uma sociedade que se dedica à gestão de centros de atendimento telefónico, comummente designados “Call Centres”; por escrito particular de 14 de Outubro de 2019, a Ré admitiu o Autor ao seu serviço para exercer as funções de assistência e atendimento a clientes para a empresa Google Ireland Limited com a categoria de “Customer Service Representative”, que corresponde à categoria de “Operador de Telemarketing”; no dia 14 de Maio de 2021, o Autor redigiu e enviou do seu endereço pessoal de e-mail para a equipa de Employee Support um e-mail sob o assunto: “O Vosso Patrão é um merdas… Filho da Puta” cujo texto se dá por reproduzido; após a receção do e-mail, a Ré tentou contactar o Autor com vista a tentar compreender o motivo do envio do e-mail com o citado teor não tendo o Autor respondido; não obstante o Autor estar de baixa, o mesmo não podia deixar de ter consciência de que redigiu o e-mail e que com o seu teor estava a injuriar todos os que nele eram referidos ou destinatários pois o mail não é um arrazoado de ideias sem nexo ou sem sentido sendo, ao invés, um mail demonstrativo de que o Autor estava bem ciente e consciente da realidade dos factos tendo, pois, actuado com culpa; ao escrever e enviar o referido e-mail o Autor violou, entre outros, os deveres de respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa com urbanidade e probidade e de realizar o trabalho com zelo e diligência, bem como desrespeitou as regras de conduta constantes do Regulamento Interno da Ré das quais tinha pleno conhecimento; o comportamento do Autor é grave e tornou impossível a manutenção da relação laboral constituindo justa causa de despedimento; em momento posterior ao recebimento pelo Autor do relatório final e da decisão de despedimento proferida no processo disciplinar, a Ré recebeu carta datada de 16 de Junho de 2021, subscrita pela mandatária do Autor, a comunicar que este sofria de doença psiquiátrica grave que tinha motivado a sua incapacidade temporária para o trabalho desde 11.05.2021 e o seu internamento compulsivo, que o Autor não se recordava de ter enviado o e-mail em causa do qual se envergonhava e que não tinha respondido à nota de culpa por já estar internado; sucede que a Ré nunca teve conhecimento que o Autor sofresse de doença psiquiátrica e, ao seu serviço, o Autor nunca tinha evidenciado qualquer perturbação mental; durante o período em que o Autor esteve de baixa nunca foi enviado à Ré documento comprovativo de que o mesmo tivesse sido internado compulsivamente ou que sofresse de doença psiquiátrica; e o procedimento disciplinar observou os procedimentos legais sendo regular.
Finalizou pedindo que a acção seja julgada improcedente e considerando-se o despedimento lícito.

O Autor contestou e deduziu reconvenção invocando, em resumo que: exerceu funções na Ré até 11.05.2021, data em que entrou de baixa; há cerca de 10 anos foi-lhe diagnosticada doença psiquiátrica denominada de “transtorno bipolar Tipo I” que, em momentos de crise, desencadeia no Autor episódios maníacos que o impedem de processar correctamente as ideias e de compreender a realidade, sendo que, nestas situações, o Autor transforma-se totalmente, sem que tenha controlo sobre as suas acções ou sequer consciência das mesmas; no início de Maio de 2021 o Autor começou a evidenciar sintomas de uma crise e em meados do mês foi internado compulsivamente; apenas pode presumir que enviou a mensagem de e-mail para a Ré, pois não tem memória de a ter escrito encontrando-se, nessa data, incapaz e sendo o seu teor evidência de tal estado; à data em que instaurou o procedimento disciplinar, a Ré sabia que o Autor estava de baixa e incontactável, pelo que deveria ter procurado esclarecer os motivos e circunstâncias da mensagem que levou ao seu despedimento; em cerca de três anos de actividade ao serviço da Ré, não tem qualquer registo de comportamentos desrespeitosos ou de falta de urbanidade, sendo pessoa afável, educada e alegre no trabalho; só tomou conhecimento da nota de culpa depois de findar o período de internamento; enviou mensagem ao seu superior hierárquico e à responsável do projecto Google pretendendo conversar com os mesmos sobre a sua doença e pedir desculpas pelo sucedido, mas não obteve resposta; o despedimento deve ser declarado inválido por preterição do direito ao contraditório e por inexistência de comportamento culposo atendendo ao estado de incapacidade acidental em que, manifestamente, se encontrava quando escreveu e enviou a mensagem que fundamentou o seu despedimento; e o Autor e a Ré celebraram um pacto de não concorrência tendo as partes acordado que a Ré poderia isentar o Autor da obrigação estabelecida no n.º 2 e desonerar-se da obrigação, o que não sucedeu, pelo que assiste ao Autor o direito de receber a compensação pela obrigação de não concorrência nos termos do artigo 136.º n.º 3 do CT atenta a ilicitude do despedimento.
Finalizou pedindo que o despedimento seja declarado ilícito condenando-se a Ré:
-A reintegrar o Autor no seu posto de trabalho ou a pagar-lhe a indemnização substitutiva da reintegração, caso por ela opte, calculada até ao trânsito da sentença no valor apurado, actualmente no valor de €2.717,00;
-A pagar ao Autor o valor das retribuições que deixou de auferir por via do despedimento, desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado, que perfazem à data €5.544,64;
-A pagar ao Autor a quantia total de €10.900,00, a título de compensação pela obrigação de não concorrência ou subsidiariamente a quantia de €2.181,60; e
-A pagar ao Autor juros de mora sobre as quantias peticionadas, à taxa legal, desde a citação até ao efectivo e integral pagamento.
A Ré respondeu dando por reproduzido o alegado no articulado de motivação do despedimento e invocando não ser devida ao Autor qualquer quantia a título de compensação pela obrigação de não concorrência acordada.
Pugnou, a final, pela improcedência do pedido reconvencional e para que se julgue que o despedimento do Autor funda-se em justa causa sendo lícito e regular.
Foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador, abstendo-se o Tribunal a quo de identificar o objecto do litígio e de enunciar os temas da prova.
Procedeu-se a julgamento tendo o trabalhador optado pela indemnização em substituição da reintegração.

Foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
“Por tudo o que se deixou dito, nos termos das disposições legais citadas, declaro ilícito o despedimento do trabalhador e, em consequência, condeno a empregadora pagar-lhe:
a)–Uma indemnização correspondente a 20 dias de remuneração base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, acrescida de juros legais a partir do trânsito em julgado da presente sentença e até integral pagamento a liquidar, se necessário, em execução de sentença;
b)–As retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença, aí se incluindo a retribuição das férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, deduzidas das importâncias previstas nas alíneas a) e c) do nº 2 do art. 390º do CT, acrescidas de juros legais a partir da data do referido trânsito em julgado e até integral pagamento, a liquidar, se necessário, em execução de sentença;
c)–Uma compensação correspondente a uma retribuição base mensal à data da cessação do contrato, acrescida de juros legais a partir da mesma data, a liquidar, se necessário, em execução de sentença.
Custas pela empregadora – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
Fixo à causa o valor de € 30.000,01 - art. 98º-P, nº 2, do CPT.
Registe e notifique.
D.N.”

Inconformada com a sentença, a Ré recorreu e sintetizou as alegações nas seguintes conclusões:
A.A Sentença ora recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do Código do Processo Civil, uma vez que o Tribunal a quo não procedeu à apreciação de factos essenciais, relevantes, para a boa decisão da causa, que impunha tomar em consideração por força do disposto no n.º 1 do artigo 72.º do Código do Processo do Trabalho.
B.Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, impunha-se ao Tribunal a quo a ampliação da matéria de facto, com consideração e inclusão dos seguintes factos na matéria de facto dada como provada:
a.-O Autor nunca informou a Ré que tivesse qualquer distúrbio ou doença psiquiátrica, tendo sempre sido considerado apto para o trabalho, sem que fosse feita menção à existência de qualquer condicionante;
b.-A Ré apenas teve conhecimento de que o Autor sofria de doença psiquiátrica que tinha motivado a sua incapacidade temporária para o trabalho desde 11/05/2021 e o seu internamento compulsivo em 18 de Junho de 2021, mediante carta datada de 16 de Junho de 2021, subscrita pela mandatária do Autor BB.
C.Os referidos factos resultam da prova produzida dos presentes autos, designadamente por (i) confissão do Recorrido (passagem 00:03:05 do respectivo depoimento); (ii) prova testemunhal, testemunha CC, mãe do Recorrido e por este arrolada (passagem
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