Acórdão nº 1858/22.8BELSB-A de Tribunal Central Administrativo Sul, 26-01-2023

Data de Julgamento26 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão1858/22.8BELSB-A
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
M....., com os sinais nos autos, no âmbito da Providência Cautelar que apresentou contra a CCPJ – Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, tendente, à suspensão da eficácia do ato de indeferimento do pedido de renovação da carteira profissional de jornalista e autorização, a título provisório, para que possa prosseguir a sua atividade profissional de jornalista; bem como, o decretamento provisório da providência, nos termos do disposto no art.º 131.º do CPTA, inconformado com a decisão proferida no TAC de Lisboa, em 20 de setembro de 2022 que julgou improcedente o pedido cautelar e indeferiu a requerida suspensão da eficácia do ato de indeferimento do pedido de renovação da carteira profissional de jornalista, veio em 12 de outubro de 2022, recorrer da decisão proferida, concluindo:
“I. O Tribunal ad quo incorreu num conjunto de erros de julgamento que, pela sua relevância, impõem a revogação da sua decisão e, mediante uma rigorosa subsunção dos factos ao direito aplicável, a substituição desta por uma outra que julgue procedentes as providências requeridas.
II. Em concreto, errou o Tribunal ad quo ao não dar por demonstrada a violação, pela Recorrida, de atribuições próprias da ERC, porquanto, não lhe cabe, no contexto dos órgãos de comunicação social, fazer uso de uma suposta distinção entre publicação “jornalística” e “não jornalística” – que simplesmente não existe no quadro legal em vigor.
III. Com efeito, a decisão suspendenda tem por base não a concreta atividade do Recorrente, mas sim a do órgão onde este se insere, pelo que a Recorrida assumidamente realizou uma avaliação da atividade da publicação “T.....”, onde o Recorrente exerce funções, tendo daí retirado uma conclusão (não fundamentada, como se aludirá mais adiante) de que esta é órgão “predominantemente promocional”.
IV. Sucede que a publicação “T.....” encontra-se registada na ERC como publicação periódica desde 06.07.2007, sob inscrição n.º 12….. e é propriedade da “T....., Lda.”, entidade que se encontra registada na ERC como empresa jornalística sob a inscrição n.º 22….., conforme DOC. 1 do Requerimento Inicial).
V. De acordo com o seu Estatuto Editorial esta trata-se de uma publicação que “pretende retratar, de forma rigorosa e criativa, a vida da Grande Lisboa, em todas as suas vertentes”.
VI. Existe, pois, um controlo estrito da ERC tanto sobre a publicação “T.....”, como sobre sua proprietária, que se trata de uma empresa jornalística detentora de outras publicações (“T.....” e “Time O…”).
VII. Contrariamente ao que se verificava a respeito do caso da publicação “D….”, associada aos supermercados “L.....” (de cariz marcadamente comercial) –sobre a qual já se debruçou a jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo Sul – a “T.....” não é um projeto editorial destinado a ser uma ferramenta de marketing, orientado a divulgar e publicitar os produtos de uma determinada empresa ou grupo económico.
VIII. A “T.....” não é uma ferramenta de marketing de nada, nem de ninguém, e pauta a sua atuação por “critérios de exigência e rigor jornalísticos”, em conformidade com a al. d) do artigo 7.º dos Estatutos da ERC.
IX. Se assim não fosse, teria a ERC capacidade para, dentro das suas atribuições – contidas, nomeadamente, nos artigos 8.º e 67.º dos seus Estatutos (Lei n.º 53/2005, de 08 de novembro) – responsabilizar e sancionar a proprietária “T....., Lda.”, o que não se aconteceu.
X. Por outro lado, dentro das atribuições da Recorrida conferidas pelos n.ºs 1 e 3 do art.º 18.º-A e pelo artigo 1.º do Estatuto do Jornalista, não se inclui – nem pode incluir, por contender com atribuições da ERC contidas, sobretudo, nos artigos 8.º e 67.º dos seus Estatutos – a possibilidade de desacreditar a classificação atribuída pela ERC à publicação em si, quando esta é propriedade de uma empresa jornalística, de acordo com classificação igualmente atribuída por esta entidade reguladora
XI. Assim, erra o Tribunal ad quo ao admitir à Recorrida aquela possibilidade, daí decorrendo uma permissão intolerável para que esta exceda os seus poderes em matéria de renovação da carteira profissional de jornalista, circunscritos ao Estatuto do Jornalista (artigo 18.º-A) e ao Decreto-Lei n.º 70/2008 de 15 de abril, que estabelece o seu regime de funcionamento, entrando no domínio das atribuições da ERC contidas, sobretudo, nos artigos 8.º e 67.º dos seus Estatutos.
XII. Também a respeito da análise do vício de falta de fundamentação padece a decisão recorrida de um manifesto erro de julgamento.
XIII. Sendo a extensão deste dever variável em função do ato in crisis (dependendo, designadamente, da necessidade ou não de efetuar o preenchimento de conceitos vagos ou indeterminados), na situação em apreço, em que o motivo para o indeferimento da pretensão do destinatário do ato se prendia com a natureza “predominante promocional” do órgão onde exerce funções, exigia-se à Recorrida, para efeitos de fundamentação da sua decisão, que fizesse uma apreciação global e ponderada dos conteúdos da “T.....”.
XIV. A Recorrida, no entanto, assumidamente não fez esta apreciação, não tendo exposto ou demonstrado, na decisão suspendenda, de onde decorre (i.e. qual o iter que esta prosseguiu para o efeito) a conclusão de que os conteúdos “promocionais” da “T.....” se apresentam como “predominantes”, face aos conteúdos jornalísticos.
XV. Nem tão-pouco, a bem ver, o que os carateriza como “promocionais”.
XVI. À luz do Acórdão de 06.10.2022, proferido no processo n.º 1252/22.0BELSB-A, respeitante a um processo cautelar de objeto virtualmente idêntico, em que figura como Requerente uma outra jornalista da “T....., “o art. 1.º do Estatuto do Jornalista (…) comporta, em si, a densificação de conceitos vagos e indeterminados, desde logo “predominantemente”, e “promover”, que exigem uma acrescida fundamentação das decisões que dos mesmos façam uso”.
XVII. Não se encontrando, na decisão suspendenda, esta densificação e acrescida fundamentação, importa concluir que errou o Tribunal ad quo ao julgar inverosímil a procedência na ação principal da falta de fundamentação do ato, devendo, ao invés, concluir-se que a fundamentação do ato suspendendo é manifestamente insuficiente, o que equivale a falta de fundamentação (artigo 153.º, n.º 2 do CPA).
XVIII. Errou, também, aquele Tribunal ao considerar que a decisão de que o Recorrente desempenha funções num órgão predominantemente promocional cabe dentro da margem valorativa de decisão da Recorrida e que, por não se afigurar “desadequada ou ostensivamente desrazoável”, não fere os artigos 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa.
XIX. Ao contrário de publicações de conteúdo predominantemente promocional, a publicação “T.....” é estritamente informativa, sendo composta por diversidade de informação, enquadrável, genericamente, embora a isso não limitada, no jornalismo de lifestyle e abrangendo uma variedade de temas, desde o jornalismo de viagens, o jornalismo gastronómico, o jornalismo de moda, o jornalismo de serviço (também apelidado de jornalismo de utilidade pública, com dicas e sugestões para os leitores), o jornalismo de entretenimento e celebridades, o jornalismo de bem-estar (assuntos de saúde, psicológica familiar e decoração) e o jornalismo local, entre outros.
XX. Existe, portanto, uma diferença substancial entre o jornalismo por si desenvolvido, com enfoque no jornalismo de lifestyle, e a produção de conteúdo promocional.
XXI. O jornalismo de lifestyle é verdadeiro jornalismo pois, tal como dispõe o artigo 1.º do Estatuto do Jornalista, compreende “funções de pesquisa, recolha, seleção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação, com fins informativos, pela imprensa, com capacidade editorial”.
XXII. Para além de caber inteiramente no artigo 1.º do Estatuto do Jornalista, é praticado por jornalistas (em todo o mundo) e, consequentemente, merece a proteção concedida pela Constituição e pela Lei da Imprensa.
XXIII. Visa, também, satisfazer um interesse do público em aceder, sobre temas variados, como viagens, gastronomia, moda, entretenimento e bem-estar, que fazem parte do seu dia-a-dia, a informação rigorosa, fiável e moderada.
XXIV. Reconhecendo que o interesse público não está limitado aos temas clássicos de hard news, tais como política ou defesa nacional, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sublinhou já que “a definição do que deve ser considerado de um tópico do interesse geral irá depender das circunstâncias de cada caso. Contudo o Tribunal entende ser importante acrescentar que tem reconhecido a existência daquele interesse, não apenas em conteúdos relacionados com temas políticos ou crimes, mas também quando estão em causa, assuntos relacionados com o desporto ou artistas. (ponto 109 da decisão)” (sublinhado nosso).
XXV. Nesse sentido, importa concluir que o direito à liberdade de expressão, informação e imprensa, previsto nos artigos 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa engloba e enquadra publicações de cariz semelhante ao da “T.....”, sendo este direito ferido quando a Recorrida conclui que o jornalismo de lifestyle não é “verdadeiro jornalismo”.
XXVI. Acresce que os jornalistas da “Time Out”, como o Recorrente, exercem a sua atividade segundo critérios de experiência e seleção, escrevendo sobre o que consideram, por critérios de qualidade ou de...

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