Acórdão nº 1853/20.1 BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-11-16

Ano2023
Número Acordão1853/20.1 BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
I – Relatório

C…, S.A., melhor identificada nos autos, deduziu recurso de contra-ordenação contra a decisão de aplicação de coima proferida no processo de contra-ordenação n.º3255.2018/060000024750, instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 10 , no âmbito do qual lhe foi aplicada uma coima no montante de € 45.076,50.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de 28 de Junho de 2022, rejeitou liminarmente o recurso, nos termos do disposto no artigo 63.º, n.º 1, do RGCO, ex vi do artigo 3.º, alínea b), do RGIT.


Não concordando com a decisão, C…, S.A., interpôs recurso da mesma para o STA, o qual se veio a declarar incompetente em razão da hierarquia, tendo determinado a remessa dos autos a este TCAS.


A Recorrente, nas suas alegações de recurso, formulou as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo que rejeitou o recurso de aplicação de coima que havia sido apresentado pela Recorrente na sequência da decisão de aplicação de coima proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças Lisboa 10 no processo n.° 32552018060000024750 porquanto a petição de recurso não continha Conclusões.

B. No entender do Tribunal a quo, tal omissão implica a violação do n.° 3 do art. 59.° do RGCO, aplicável por remissão da alínea b) do art. 3.° do RGIT.

C. Não obstante as notificações para o efeito, a Recorrente não apresentou nova versão da petição de recurso contendo Conclusões.

D. O Tribunal a quo rejeitou o recurso ao abrigo do n.° 1 do art. 63.° do RGCO, aplicável por remissão da alínea b) do art. 3.° do RGIT.

E. Tal como resulta da decisão recorrida, o Tribunal a quo considerou que “A formulação de conclusões em recurso de contraordenação apresenta-se como requisito essencial exigido pelas normas reguladora do processo de contra-ordenação (nomeadamente, no que concerne à apresentação da p.i. da decisão de condenação proferida pela autoridade administrativa, com a síntese dos argumentos e/ou invalidades esgrimidos contra aquela decisão), não podendo o Tribunal substituir-se à Recorrente e formular as conclusões omitidas".

F. O Tribunal a quo sustenta este entendimento no n.° 3 do art. 59.° do RGCO, aplicável no presente caso por remissão da alínea b) do art. 3.° do RGIT.

G. Sucede que, tal como resulta da epígrafe do art. 3.° do RGIT - “Direito Subsidiário" -, a norma em causa elenca a legislação subsidiária a aplicar em matéria criminal e contra- ordenacional e respectivos processos em caso de insuficiência regulatória do próprio RGIT.

H. Como referem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos4, “A aplicação subsidiária, porém, só se justifica perante a existência de um caso omisso, pelo que só se deverá recorrer a ela quando se possa concluir que, para além de se tratar de um ponto não regulado no RGIT nem em lei especial, se está perante um caso que, em coerência, deveria ser regulamentado".

1 Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 4.a Edição, 2010, pág. 58.

I. Ou seja, para haver aplicação subsidiária do RGCO haverá que, previamente, concluir que se está perante uma omissão regulatória que carece de ser completada sob pena de haver um vazio que impedirá a regular aplicação do Direito ao caso concreto.

J. Essencial é, pois, demonstrar que a omissão do legislador não terá sido propositada e intencional e que se está, efectivamente, perante uma insuficiência legislativa que carece de resolução.

K. O art. 80.° do RGIT (redacção à data dos factos) previa expressamente o regime do recurso de aplicação de coima, fixando (i) o prazo para apresentação do recurso; (ii) o local de entrega do recurso; (iii) a entidade à qual o recurso se deve dirigir; e (iv) o conteúdo formal do recurso: alegações e indicação dos meios de prova.

L. Em momento algum o legislador menciona a necessidade de a petição de recurso incluir Conclusões.

M. Se o legislador pretendesse que, no âmbito das infraçcões tributárias, a petição de recurso incluísse Conclusões tê-lo-ía dito expressamente, como fez no art. 59.° do RGCO, no art. 33.° do Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social, aprovado pela Lei n.° 107/2009, de 14 de Setembro e no art. 69.° do Regime Jurídico das Contra-Ordenações Económicas, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 9/2021, de 29 de Janeiros.

N. No caso do RGIT e contrariamente ao que se verifica em matéria contra-ordenacional noutros sectores de actividade (por exemplo, infracções ambientais e infracções no âmbito da actividade financeira), o legislador não deixou em aberto ou sem regulamentação a matéria da contestação da decisão de aplicação de coima por parte do arguido. Pelo contrário, o legislador preocupou-se em fixar expressamente os elementos essenciais desse meio de reacção, nomeadamente e em especial quanto à forma e conteúdo.

O. E, tal como decorre do n.° 3 do art. 9.° do Código Civil, na fixação do sentido e alcance da lei, deve sempre presumir-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

P. Se noutros diplomas legais que regulamentam regimes contra-ordenacionais específicos foi expressamente prevista a obrigatoriedade de Conclusões, como supra demonstrado, então o legislador poderia - se assim o pretendesse - ter incluído tal exigência no art. 80.° do RGIT.

Q. Optando por não o fazer - apesar de poder e de, repita-se, ter feito noutros casos - haverá que concluir que se trata de uma escolha do legislador, não podendo tal omissão ser considerada uma falha ou insuficiência do regime.

R. Exigir ao arguido - por remissão para um outro regime de aplicação subsidiária - mais do que aquilo que o legislador exigiu viola frontalmente o previsto no art. 80.° do RGIT.

S. Mais, exigir ao arguido um formalismo que a lei não prevê expressamente, sob pena de recusa da petição de recurso, implica a inconstitucionalidade do art. 80.° do RGIT por violação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva previsto no art. 20.° da CRP e do direito de defesa e reacção assegurado pelo art. 32.° da CRP em sede contra-ordenacional.

T. Com efeito, a limitação do exercício de direitos fundamentais do arguido com fundamento num aspecto formal - apresentação de Conclusões - implica a sua própria negação, traduzindo-se numa restrição abusiva e constitucionalmente proibida.

U. Este aspecto é tanto mais evidente quanto vem sendo defendido pela doutrina que as Conclusões não têm como finalidade limitar o âmbito objectivo do recurso mas apenas de alertar o Juiz para os aspectos essenciais da decisão e do processo na óptica do arguido.

V. Com efeito, o facto de o legislador exigir Conclusões - quando o faz, o que, como demonstrado supra, não é o caso no âmbito do RGIT - não retira ao processo judicial o seu carácter de jurisdição plena, não restringindo os poderes cognitivos do Juiz.

W. Tal como escreve Paulo Pinto de Albuquerque5, “As conclusões não limitam o objecto da impugnação judicial. Dada a natureza da impugnação judicial no processo de contra- ordenações, as conclusões determinam a reabertura da instância, podendo o tribunal conhecer com toda a amplitude das infracções imputadas ao arguido e que motivaram a sua condenação. Dito de outro modo, as conclusões não estabelecem um limite do âmbito objectivo dos poderes cognitivos do tribunal (...). As alegações e conclusões do impugnante têm apenas o efeito prático de chamar a atenção do juiz para as questões que o arguido considera pertinentes para a boa decisão da causa."

X. Ora, se as Conclusões não têm qualquer consequência processual - designadamente quanto à fixação dos contornos objectivos do processo - tendo o juiz plenos poderes decisórios e de jurisdição, não se alcança a razão pela qual a sua inexistência pode implicar a rejeição do recurso e a consequente denegação de acesso aos tribunais e de defesa do arguido.

Y. Se as Conclusões são um formalismo sem relevância processual não pode a sua omissão justificar a denegação de direitos fundamentais, com evidente prevalência da forma sobre a substância, especialmente quando tal exigência não resulta da letra da lei mas antes da aplicação de legislação subsidiária.

Z. Nos termos do art. 18.° da CRP, as leis restritivas de direitos fundamentais devem limitar- se ao necessário para salvaguardar outros interesses ou direitos constitucionalmente protegidos, o que claramente não é o caso.

2 Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 247 e seguintes.

AA. Com efeito, a interpretação e aplicação do art. 80.° do RGIT nos termos efectuados pelo Tribunal a quo...

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