Acórdão nº 1843/21.7T8CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-06-07

Ano2023
Número Acordão1843/21.7T8CHV.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Recorrente: AA

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

A 30/11/2021 AA instaurou ação declarativa comum contra BB e CC formulando o seguinte pedido:
A) Declarar-se que o Réu não é filho do falecido DD, para todos os efeitos legais e que os registos da paternidade que ora se impugnam sejam declarados nulos e cancelados, ao abrigo do disposto no art.º 1848.º do Código Civil, ordenando-se em consequência o cancelamento do registo da paternidade;
B) Bem como condenando-se o Réu à sua apresentação e submissão a exames hematológicos a serem feitos na Delegação do ... do Instituto Nacional de Medicina Legal.
C) Ser determinado o averbamento da decisão judicial ao assento de nascimento do Réu, eliminando a paternidade do autor e também da avoenga paterna, conforme as disposições do Código de Registo Civil.

Alegou para tanto que o réu BB nasceu a .../.../1995, tendo sido registado como filho de DD, por este se encontrar casado com a sua mãe, a 2ª Ré; o referido DD faleceu a .../.../2019; o registo da paternidade não corresponde à verdade, não sendo o falecido DD pai do R.; é agora do conhecimento do autor que a segunda ré (e sua mãe), logo após o casamento iniciou um relacionamento com EE, o qual se prolongou por décadas e culminou em casamento no ano de 2019, mantendo nesse período de tempo e nomeadamente durante o ano de 1994, aquando da conceção do réu BB, relações sexuais de cópula completa, nomeadamente nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o seu nascimento.

Num dos dias do final das férias de verão de 2021, o autor tomou conhecimento dos factos supra referidos; tendo procurado apurar a veracidade de tais factos, durante o mês de Setembro confirmou a muito provável veracidade dos mesmos.

Citados contestaram ambos os RR., invocando, no que releva à economia do recurso, que o art.º 1844º, n.º 2, alínea a) do CC estabelece o prazo de 90 dias para os descendentes do presumido pai intentarem ação de impugnação da paternidade, contados da morte do mesmo; tendo DD falecido a .../.../2019 e a acção entrado a 30/11/2021, ocorre a caducidade do direito de propositura da acção.

O A. foi notificado para se pronunciar quanto à excepção invocada.

Notificado para se pronunciar sobre a exceção da caducidade arguida, veio o mesmo dizer, em síntese, que tendo o DD falecido há menos de 3 anos e o A. tido conhecimento efectivo dos factos e do seu direito há menos de 90 dias, só a partir daquele data (mês de Setembro de 2021) podia exercer o seu direito, não se verificando assim a caducidade, que deve improceder.

Sem audiência prévia, foi proferido despacho saneador que, conhecendo do mérito, decidiu:
“Em face do exposto na presente ação que AA instaurou contra BB e CC, julgo verificada a exceção perenptória da caducidade do direito do autor, e em consequência, absolvo os réus do pedido.”

Interpôs o A. recurso pedindo seja anulada a decisão recorrida e a sua substituição por outra que ordene a prossecução dos autos, com a elaboração de saneador com os temas da prova e a fixação de matéria de facto relativamente a factos essenciais designadamente no tocante à matéria dos artº 8.º a 17.º da petição inicial, e a realização de audiência de julgamento para produção de prova desses factos alegados, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. Quanto ao momento do conhecimento dos factos/circunstâncias alegados pelo recorrente como fundamentos da ação e da sua prova:
1.ª - O Autor/Recorrente apenas teve conhecimento e segurança dos factos e circunstâncias de que podia concluir-se a não paternidade do falecido FF em relação ao Réu BB, em setembro de 2021.
2.ª - Tal como alegou na sua p.i (Cfr. art.º16.º), o Autor procurou apurar da veracidade dos factos que lhe tinham relatado no mês anterior (art.º15.º), e, durante o mês de setembro confirmou a muito provável veracidade desses factos.
3.ª - O Recorrente indicou vasta prova a produzir sobre estes factos e circunstâncias de que possa concluir da não paternidade do falecido FF, sendo que, a ser provados, implicam a prossecução por justificarem a investigação da paternidade e podem mesmo levar à procedência da ação de impugnação, repondo a verdade biológica, que é fundamental.
4.ª - E não foi ordenada produção de prova em julgamento destes factos e circunstâncias alegadas, para aferir quando teve esse conhecimento e a sua veracidade, tendo sido tomado uma decisão sobre uma exceção antes de haver elementos suficientes e prova da verificação dos factos para a sua (im)procedência.
5.ª - Ao contrário do que consta da douta sentença recorrida, existem factos e circunstâncias, que foram alegadas, que a serem julgadas provadas, naturalmente pela produção de prova em juízo, têm a virtualidade de levar à impugnação da paternidade presumida, bastando que seja dada hipótese de provar a matéria alegada, conforme o ónus da prova.
6.ª - No caso em apreço, e para julgamento da invocada exceção de caducidade, atento o teor dos articulados da ação e a causa de pedir e pedido formulados em análise e discussão, encontra-se controvertida matéria essencial e que não foi submetida ao julgamento, nem incluída em Temas de Prova.
Neste sentido o disposto no art.º607.º do CPC, e a jurisprudência supra citada.
7.ª - Nesta conformidade, deve ser elaborado saneador com os temas de prova, a fixação de matéria de facto relativamente a factos essenciais por apurar e a realização de julgamento e fixação de matéria de facto relativamente a factos essenciais, nos termos acima assinalados, designadamente no tocante à matéria de facto dos artº 8.º a 17.º da petição inicial, visto que, se trata de matéria que, a ser provada, justifica a investigação da paternidade e podem mesmo levar à procedência da ação de impugnação, repondo a verdade biológica, que é fundamental para todas as partes envolvidas, desde logo à luz do direito de descoberta da identidade.

II. Quanto ao momento da morte de FF, e o seu desconhecimento dos factos e circunstâncias da sua não paternidade.
8.ª - FF, faleceu em .../.../2019, e sem ter conhecimento das circunstâncias que poderiam levar a concluir pela sua não paternidade (os factos alegados nos art.º 9.º a 17.º p.i.), pois apenas sabia que a mãe do aqui Réu recorrido BB lhe tinha sido infiel através de uma relação extra-conjugal, e pediu o divórcio por isso em sede de reconvenção.
9.ª - Nesse processo de divórcio deu-se como assente que a Ré foi infiel ao seu marido, mas não se recolheram, nem alegaram, nem estavam sequer descobertos, os factos que deram origem à impugnação da paternidade do Réu – ou seja, os factos agora descobertos de que o falecido não era o pai do Réu, alegados pelo recorrente, de que pretende fazer prova, o que lhe foi negado.
10.º - A própria sentença reconheceu que:
“Se é certo que o conhecimento da existência de uma relação extra-conjugal não é só por si sinónimo do conhecimento de circunstâncias que possam levar a concluir pela desconformidade entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica,” porém errou ao retirar a conclusão seguinte:
“é esse o facto em que o autor baseia a presente ação. Inexiste na petição inicial qualquer outra circunstância da qual se possa extrair tal conclusão.”
11.º - Mas existem muitos outros factos e circunstâncias que fundamentam a ação e estão alegados na p.i., de que se pretende fazer prova da descoberta no mês de setembro de 2021 (cfr. art.º5.º da resposta à exceção), de que o Tribunal não deixou fazer prova em julgamento, sendo que DD faleceu há menos de 3 anos à data da interposição da ação, e sem conhecimento dos factos que fundam a ação, cumprindo-se os prazos.

III. Quanto ao regime do art. 1842º, n.º1, al. a), do Cód. Civil:
12.ª - O Autor/Recorrente AA apenas teve conhecimento dos factos e circunstâncias de que possa concluir-se a não paternidade do falecido FF em relação ao Réu BB, em setembro de 2021.
13.ª - A ação foi interposta no prazo de 3 anos contados desde o conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a não paternidade de DD, como será demonstrado na produção de prova em julgamento, dando oportunidade de prova dos factos e circunstâncias alegadas na p.i.
14.ª - Estas circunstâncias não foram sequer mencionadas e ponderadas na sentença, como resulta da sua leitura, tendo-se limitado a referir o convívio no mês de agosto de 2021, e não o alegado no mês de setembro de 2021, que é um complemento de factos alegados para prova,
(Cfr. art.º16.º da p.i.: “o Autor procurou apurar da veracidade de tais factos, confrontando algumas pessoas sobre o sucedido, e, durante o mês de setembro de 2021, confirmou a muito provável veracidade desses factos.”)

IV. Quanto ao regime do art. 1844º, n.º1, al. a), do Cód. Civil:
15.ª- O Autor/Recorrente apenas teve conhecimento dos factos e circunstâncias de que possa concluir-se a não paternidade do falecido FF em relação ao Réu BB, em setembro de 2021, tendo interposto a ação no dia 30/11/2021, ou seja, no prazo de 90 dias contados do conhecimento.
16.ª - O Recorrente entende que o prazo de 90 dias apenas poderá ser contado a partir do conhecimento da possibilidade de exercício do direito, sob pena de desconhecimento (neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Évora de 11/09/2014, consultado via internet em www.dgsi.pt).
17.ª - Tendo o DD falecido há menos de 3 anos e o aqui recorrente apenas teve conhecimento efetivo dos factos do seu direito há menos de 90 dias, pelo que só a partir daquela data (mês de setembro de 2021) podia exercer o seu direito, não se verificando a caducidade, pelo que deve improceder, sendo que o recorrente tem direito a ver apreciada e provada uma questão tão essencial para as várias pessoas implicadas.
18.ª - O autor/recorrente tem direito à oportunidade de provar os factos que alegou, o que não foi observado pelo Tribunal recorrido, pois...

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