Acórdão nº 184/22.7T8VPV.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-11-23

Ano2023
Número Acordão184/22.7T8VPV.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
LM e DP, Réus na ação declarativa que, sob a forma de processo comum, foi intentada por ML, EC, JT, CR, RT, FC, AS e MT, interpuseram o presente recurso de apelação da sentença que julgou a ação parcialmente procedente.
Na Petição Inicial, apresentada em 30-03-2022, os Autores formularam os seguintes pedidos:
1. fosse declarado que o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória com o n.º … é propriedade do falecido ET e da Autora ML, por aquisição derivada e originária;
2. fossem os Réus condenados a proceder à demolição da parede da ampliação da sua casa, onde foi construída uma cozinha, cuja fachada lateral encosta ao muro do prédio referido em 1., bem como à demolição do alçamento do muro que confronta entre tal prédio e o dos Réus;
3. fossem os Réus condenados a absterem-se de qualquer conduta futura de construção de uma churrasqueira junto da parede divisória do prédio referido em 1. e do prédio dos Réus.
Alegaram, para tanto e em síntese, que:
- A Autora ML e o seu falecido marido, de que os demais Autores são filhos e herdeiros, adquiriram em 1961, por doação, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória sob o n.º … da freguesia Fonte do Bastardo, o qual foi registado em seu nome, tendo a Autora e o seu marido, daí em diante, à vista de todos, sempre utilizado o mesmo, sem oposição de ninguém e na convicção de serem proprietários deste;
- Os Réus são proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória sob o n.º … da freguesia Fonte do Bastardo, o qual confronta, a nascente, com o prédio dos Autores;
- A casa dos Réus, implantada no prédio de que são proprietários, foi ampliada em 2011/2012, tendo sido edificada uma cozinha com uma parede que ficou encostada à parede divisória de ambos os prédios, ficando a 1,10 metros e a um nível superior da fachada da casa dos Autores, onde há uma janela;
- No final de 2021, os Réus procederam ao levantamento do muro divisório que está voltado para o prédio dos Autores, alçando-o até 2,13 metros, obstruindo, desse modo, a iluminação e a luz natural de um quarto de cama da habitação, que dista 2,20 metros do muro em causa;
- Os Réus preparam-se para implantar no muro em causa uma churrasqueira;
- As construções existentes limitam a exposição solar da casa dos Autores e a construção projetada geraria furos e cheiros na proximidade da casa dos Autores, tudo violando o direito de propriedade destes.
Pessoalmente citados os Réus, vieram apresentar Contestação, em que se defenderam por impugnação motivada, pugnando pela improcedência da presente ação, bem como deduzindo reconvenção, em que peticionaram que fosse declarado que são proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória com o n.º …, incluindo a cozinha deste, e os Autores fossem condenados a reconhecerem tal direito e a absterem-se da prática de atos que o prejudiquem. Os Réus-reconvintes alegaram, em síntese, que:
- São possuidores e proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória com o n.º …;
- As obras realizadas não prejudicam o direito de propriedade dos Autores, porque as janelas do prédio destes se situam num plano superior ao muro existente;
- No lugar da cozinha que construíram, sempre existiu um telheiro, o qual foi adaptado para garagem em 2005 e para cozinha em 2008, pelo que as construções em causa existem há mais de 20 anos, mantendo-se praticamente com a sua forma original;
- As obras efetuadas foram sempre licenciadas;
- Em 2004, a Autora ML autorizou mesmo as obras as realizadas nessa altura;
- Os Autores nunca pretenderam implantar qualquer churrasqueira.
Notificados da Contestação, os Autores vieram apresentar Réplica, em que pugnam pela improcedência da reconvenção, alegando que não existia qualquer alpendre, garagem ou cozinha anexos à casa dos Réus, só tendo a casa destes sido ampliada em 2008, e que a elevação do muro, além de ilegal, por violar expressamente, entre outros, o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, ocorreu há cerca de um ano.
Foi realizada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador (em que foi, além do mais, admitida a reconvenção e fixado o valor da causa) e despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Realizou-se a audiência final de julgamento, com a prestação de declarações de parte pela Autora AS e a produção de prova testemunhal, tendo ainda sido realizada inspeção judicial ao local.
Em 20-06-2023, foi proferida a sentença cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“Pelo exposto, em face das considerações expendidas e ao abrigo do disposto nas normas legais citadas, decide-se:
1. julgar parcialmente procedentes os pedidos formulados pelos Autores ML, EC, JT, CR, RT, FC, AS e MT, e, em consequência:
1.1. reconhece-se o direito de propriedade de ET e da Autora ML, sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória com o n.º …, por via de aquisição derivada e originária;
1.2. condenam-se os Réus LM e DP a proceder à demolição do alçamento do muro que confronta entre o prédio referido em II., dos factos provados e o prédio referido em III, dos factos provados, de molde a permitir-se a iluminação natural do quarto referido em XIV e XV., dos factos provados, e da remanescente casa, passando o limite superior de tal muro, em toda a sua extensão inovada, a ser, no máximo, ao nível da janela existente no quarto referido em XIV e XV, dos factos provados;
1.3. julga-se improcedente e absolvem-se os Réus LM e DP do demais peticionado;
2. julgar totalmente procedentes os pedidos reconvencionais formulados pelos Réus LM e DP, e, em consequência:
2.1. reconhece-se o direito de propriedade dos Réus LM e DP sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória com o n.º … incluindo a cozinha descrita nos factos VIII, IX, X e XI, dados como provados;
2.2. condenam-se os Autores ML, EC, JT, CR, RT, FC, AS e MT a reconhecerem o direito de propriedade referido em 2.1. e a absterem-se da prática de actos que o prejudiquem.
Custas (da acção e reconvenção) a cargo dos Autores e dos Réus, na proporção de 1/2, para os Autores, e 1/2, para os Réus.
Registe e Notifique.”
É com esta decisão, na parte em que os condenou no pedido (ponto 1.2.), que os Réus não se conformam, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões (sublinhado nosso):
A - O presente recurso vem interposto da sentença com a referência 55457071 de 20/06/2023 na parte em que se refere: «1.2. condenam-se os Réus LM e DP a proceder à demolição do alçamento do muro que confronta entre o prédio referido em II., dos factos provados e o prédio referido em III, dos factos provados, de molde a permitir-se a iluminação natural do quarto referido em XIV e XV., dos factos provados, e da remanescente casa, passando o limite superior de tal muro, em toda a sua extensão inovada, a ser, no máximo, ao nível da janela existente no quarto referido em XIV e XV, dos factos provados».
B - A sentença recorrida foi proferida em ação declarativa de processo comum;
C - Dentre os argumentos invocados na sentença, tem-se que o muro levantado a 2,11 metros de altura, situa-se a 2,06 metros da fachada de um quarto do prédio referido em II, dos factos provados, ambas as construções prejudicando a exposição solar e luminosidade dos quartos da casa do prédio referido em II., dos factos provados, e, consequentemente, provocando maior grau de humidade (cfr. o facto XVI, dado como provado).
D - Bem como, «E o mesmo se diga quanto ao muro alceado por convocação do disposto no art. 335.º, do Código Civil, não podendo, o direito de tapagem dos Réus, previsto no art. 1356.º, do Código Civil, ser visto como um direito totalmente absoluto e irrestrito, antes tendo de se limitar e compaginar com o direito dos Autores a um ambiente sadio e ceder de modo a que ambos os direitos em conflito convivam. Aliás, ainda que assim não se entendesse, sempre o alceamento do muro à altura em causa, atendendo às suas consequências para as edificações do prédio identificado em II, dos factos provados, seria ofensiva dos ditames da boa-fé e levaria à convocação do instituto do abuso de direito ínsito no art. 334.º, do Código Civil».
E - Ora, salvo o devido respeito, foi relatado que todas as obras foram de conhecimento da Câmara Municipal, e que houve aprovação através dos pareceres técnicos;
F - A edificação de muros divisórios entre propriedades é um ato isento de controle prévio;
G - Na verdade, do depoimento das testemunhas OM e MN, comprovou-se inequivocamente que o muro tinha 2 metros de altura a contar da casa dos recorrentes, bem como que na Câmara Municipal não havia licença do anexo que, posteriormente, foi posto em causa;
H - Assim, como não havia registo do anexo da Secção das Obras da Câmara, foi levado em consideração o levantamento do muro apenas em relação as janelas da habitação e não do anexo;
I - Aquele anexo não está registado na Câmara, pelo que é como se não existisse.
J - Nesse sentido, nos termos do artigo 73º, do RGEU, «As janelas dos compartimentos das habitações deverão ser sempre dispostas de forma que o seu afastamento de qualquer muro ou fachada fronteiros, medido perpendicularmente ao plano da janela e atendendo ao disposto no artigo 75.º, não seja inferior a metade da altura desse muro ou fachada acima do nível do pavimento do compartimento, com o mínimo de 3 metros. Além disso não deverá haver a um e outro lado do eixo vertical da janela qualquer obstáculo à iluminação a distância inferior a 2 metros, devendo garantir-se, em
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