Acórdão nº 1832/22.4T8CSC-A.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-01-23

Ano2024
Número Acordão1832/22.4T8CSC-A.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Em 23.5.2022, A intentou ação declarativa de condenação, sob a forma comum, contra B, 2º C, e 3º D, pedindo a condenação solidária dos RR. a pagarem-lhe o valor de €115.000,00, acrescido dos juros de mora legais à taxa de 4% desde 10.9.2018, bem como de sanção pecuniária compulsória de 5%.
A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese:
A A. e o 2º R. foram casados, e em 28.9.2010, celebraram com a 1ªR. um contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual lhe prometeram vender a fração autónoma descrita com o nº … “D” da freguesia de Parede, inscrita na matriz urbana da união de freguesias de Carcavelos e Parede sob o art.º 6721, pelo valor de €175.000,00.
Acontece que o 2ºR. se separou da A. em 2006, tendo-se divorciado desta em 14.4.2011, mas, antes disso, em conluio com outros indivíduos, o 2ºR. obteve uma procuração, com a assinatura da A. falsificada, e com o auxílio do 3ºR., o qual elaborou para essa procuração um termo de autenticação de documento particular, feito por um advogado, fazendo constar que a referida procuração lhe foi apresentada para autenticação pela A., sendo esse facto e a assinatura da A. falsos.
O 2ºR., na posse desta documentação, conseguiu efetuar a escritura em 17.12.2010 com a 1ªR., vendendo-lhe a referida fração pelo valor de 160.000,00€, o que foi feito sem o conhecimento e autorização da autora, que se encontrava a residir no imóvel em causa, não tendo sido avisada previamente da marcação dessa escritura, ou até da sua concretização, senão depois desta ter ocorrido.
Em 23.12.2010, numa ocasião em que a A. não estava no local, o 2ºR. conseguiu entrar no imóvel acima referido, e, no ato, de imediato mudou a sua fechadura, impedindo o acesso à A. ao mesmo desde então.
A A. veio a saber que a R., na referida escritura, contra o que estava contratado no cpcv, e como seria normal, não comprou o imóvel, nem pagou, a totalidade do preço acordado, tendo a escritura sido feita apenas pelo valor de 160.000,00€, e não pelos 175.000€ previstos no cpcv, além de que não recebeu a posse do imóvel adquirido, factos que levam a crer que estaria ao corrente de que a A. (que vivia no imóvel) não estaria a par da marcação da escritura.
Sem saber da escritura, a A. apresentou uma queixa crime contra o seu ex-marido, pela invasão do domicílio desta, tendo na sequência tido conhecimento de que já tinha ocorrido a referida escritura de venda efetuada pelo réu, sem o seu conhecimento.
Intentou, também, contra a R. uma ação de anulação ao abrigo do art.º 1687º, nºs 1 e 2, do CC, ação que correu no Tribunal de Cascais com o nº 4981/11.0TBCSC, na instância central, 2ª secção cível, na qual foi proferida sentença que anulou a venda da fração.
Todavia a R., porque já tinha sido notificada no decurso desse processo do resultado da peritagem que concluíra que a assinatura era falsa, do que decorreria, inevitavelmente, a anulação da venda, para impedir o efeito útil da sentença, diligenciou por vender a fração em causa a MS, conforme se verifica no registo predial pelo ato com a apresentação nº 10 de 12-12-2015.
Venda essa feita pela R. antes do registo da presente ação, que só ocorreu em 2016, e antes da emissão e trânsito da sentença, que anulou a venda em causa, tendo a R., recorrido da sentença até ao STJ, conseguindo assim com essas suas manobras de má-fé entorpecer e impedir o efeito prático da ação da justiça, prejudicando dessa forma a autora que se viu impossibilitada de, pelo efeito da sentença, obter a anulação da venda e devolução da fração à sua titularidade e do 2ºR.
Em virtude da atuação dos RR., a A. sofreu um dano patrimonial, que se calcula no valor da diferença entre o valor pago pela R. pela fração na data da escritura e o valor de mercado da fração à data do trânsito da sentença que anulou a venda em causa, que se deu em 10.09.2018.
A atuação dolosa da R. impede a A. de obter o cumprimento da sentença na sua execução, com a entrega do imóvel, logo para dar cumprimento à sentença, não resta a esta senão a indemnização em dinheiro, visto já não ser possível a reconstituição natural.
Foi a ação conjunta dos três RR. que causou o prejuízo da ré.
Citados, os RR. contestaram, tendo o 3º e 1ª RR., invocado (cada um) a exceção de prescrição do direito invocado pela A.
A A. foi convidada a pronunciar-se sobre as exceções arguidas pelos RR., o que fez, pugnando pela improcedência das mesmas.
Em 24.5.2023, foi dispensada audiência prévia, e foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção de prescrição invocada pelos RR.
Inconformada com a decisão, apelou a 1ªR., apresentando, no final das alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. O presente recurso vem interposto do, aliás douto, despacho saneador que decidiu do mérito da causa ao julgar improcedentes as exceções de prescrição arguidas proferindo decisão errada e com o qual a Recorrente não pode de modo algum conformar-se;
2. Na decisão proferida no processo 4981/11.0TBCSC, que constitui o doc. 6 junto com a petição inicial, verifica-se que aquela ação não foi proposta contra o Réu, Dr. D, e incide apenas sobre a falsificação da assinatura da Autora;
3. Sem a intervenção do Réu, Dr. D, no processo 4981/11.0TBCSC, a decisão nele proferida considerou provados os factos 10 e 11 da Matéria de Facto Provada, a saber,
4. 10. A procuração de fls. 191 foi autenticada pelo Advogado do primeiro R., Dr. D.
5. 11. Procuração essa que não foi assinada pela A., tendo sido nela aposta uma assinatura idêntica à sua e que foi reconhecida pelo referido Advogado, Dr. D, como sendo da A.;
6. Como se verifica nada é referido quanto a uma suposta falsificação do reconhecimento;
7. O inquérito-crime nº 603/11.STDLSB investigou apenas se a autoria da assinatura da Autora na procuração tinha sido dela própria ou dos suspeitos que identificou;
8. O crime de falsificação da procuração, não sendo documento autêntico, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. - art.º 256-1, CP;
9. Pelo que o procedimento criminal prescreveria no prazo de 5 anos. - art.º 118-1-c), CP:
10. Tal prazo, foi interrompido com a constituição de arguido em 21 outubro 2011. - vide fls. 2 da certidão-- art.º 121-1-a), CP;
11. E reiniciou-se em 2013, data do despacho de arquivamento. - vide fls. 14 e seguintes da certidão;
12. Pelo que o procedimento criminal se extinguiu 5 anos depois, em 2018. - art.º 121-2, CP;
13. O único crime que poderia ter sido imputado ao Réu, Dr. D, o que a Autora não fez, seria por este ter reconhecido, falsamente, a assinatura da Autora em 16 dezembro 2010;
14. O que constituiria, esse sim, um crime de falsificação qualificado por se reportar a documento com igual força ao de documento autêntico - art.º 256-3, CP;
15. Com um prazo de prescrição de 10 anos - art.º 118-1-b), CP;
16. Quanto a este hipotético crime nada foi alegado sobre a instauração de procedimento criminal e, por maioria de razão, não houve qualquer interrupção na contagem do prazo de prescrição.
17. Pelo que, tendo o mencionado reconhecimento, por certificação, sido consumado em 16 dezembro 2010, se constituísse crime, o que se desconhece, o mesmo teria prescrito 10 anos depois, isto é, em 15 dezembro 2020. -art.º 119-1, CP;
18. Por inexistência de qualquer suspensão ou interrupção. - art.ºs 120 e 121, CP;
19. Pelo que, mesmo que se entendesse que seria este prazo de 10 anos o aplicável à Recorrente, a verdade é que o mesmo já se teria esgotado;
20. No entanto, tal prazo de prescrição não é aplicável à Recorrente, uma vez que
21. A Recorrente nenhuma intervenção teve na feitura e utilização da procuração em causa;
22. Já que – art.ºs 1 a 4 da contestação- na sentença proferida no processo 4981/11.0TBCSC, datada de 17/06/2016, consta no ponto 3.1 Matéria de facto provada:
23. Com relevância para a decisão da causa ficou provado o seguinte facto 35. Na pendência da presente ação, a R. B vendeu a MS, a fração identificada em I. facto inscrito na C.R.Predial, por apresentação nº 10, datada de 12/12/2015.” - fls. 11 da sentença do processo 4981/11.0TBCSC doc. 6 junto com petição inicial;
24. Na mesma sentença, a fls. 26, 2.º parágrafo, consta o seguinte: Verifica-se que B vendeu a fração a terceiro, facto inscrito no registo em 12/12/2015, deixando esta obrigação, decorrente da anulação da aquisição a seu favor, de estar na sua disponibilidade. Com efeito, a R, transmitiu o direito de propriedade sobre a fração;
25. Tendo a mencionada sentença sido proferida em 17/06/2016 e imediatamente notificada à Autora, esta teve conhecimento, com a notificação, da venda efetuada pela Ré B;
26. Ora, a presente ação foi interposta em 23/05/2022 e a Ré B só foi citada em 1/07/2022;
27. Pelo que nessa data já tinha decorrido o prazo de 3 anos previsto no art.º 498-1, CC, desde que a Autora teve conhecimento do seu hipotético direito a ser indemnizada;
28. O despacho saneador em crise interpretou incorretamente os factos e o direito violando, entre outros, o art.º 498-1, CC, os art.ºs 576-1-3 e 579, ambos do CPC, e, ainda, os art.ºs 118-1-b)-c), 119-1, 120, 121-1-a)-2, 256-1-3, todos do CP
Termina pedindo que o despacho recorrido seja revogado, no que toca ao indeferimento da exceção de prescrição, substituindo-se por outro que julgue verificada e procedente a exceção de prescrição, absolvendo a Recorrente do pedido; e se, inesperadamente, for entendido que o tribunal não dispõe, ainda, de todos os elementos
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