Acórdão nº 183/22.9T8PNI-B.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-02-20

Ano2024
Número Acordão183/22.9T8PNI-B.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE PENICHE)
Apelações em processo comum e especial (2013)

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Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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1 – RELATÓRIO

AA instaurou processo especial de divisão de coisa comum contra HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA, deixada por óbito de BB representada pela sua cabeça de casal CC [tendo sido ulteriormente admitida a intervenção principal provocada, como compartes da ré, de CC, DD e EE, solteira, menor, aqui representada pela sua mãe, CC], peticionando a adjudicação ou venda do bem imóvel melhor descrito no artigo 1º da petição inicial. *

Na contestação apresentada, a Requerida deduziu pedido reconvencional em que peticiona que seja reconhecido o seu crédito sobre a Requerente, proveniente da liquidação única do empréstimo contraído por ambos, bem como montantes a título de IMI e contribuições de condomínio, todos a liquidar.

Mais concretamente, a Requerida alega ter pago o de cujus sozinho, desde o divórcio com a Requerente, as prestações inerentes aos empréstimos bancários contraídos para aquisição da fração autónoma id. no ponto n.º 1 do requerimento inicial [fração esta que a Requerente peticiona a divisão], bem como dívidas de IMI e contribuições de condomínio, donde, alegando ter pago um montante ainda não concretamente apurado, termina com o pedido de reconhecimento dos créditos da ré «procedendo-se em conformidade no preenchimento dos quinhões que caberá a cada uma das partes aquando da divisão do imóvel».

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Em réplica a Requerente pugnou pela improcedência do pedido reconvencional deduzido.

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No despacho judicial proferido na oportuna sequência, cuidou-se inter alia da apreciação e decisão sobre a admissibilidade do pedido reconvencional deduzido, a propósito do que se perfilhou o entendimento, em síntese, de que «a Requerida não demonstrou o preenchimento dos requisitos que, nos termos do art. 266.º, n.º 2, do C.P.C., taxativamente condicionam o exercício do direito de reconvir», acrescendo que admitir a reconvenção «apenas serviria para complicar desnecessária e intoleravelmente a tramitação da presente ação de divisão de coisa comum», termos em que se concluiu com a seguinte concreta decisão:

«Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos citados preceitos legais, o Tribunal não admite o pedido reconvencional formulado pela Requerida, por ser legalmente inadmissível, pois não apresenta a conexão material e formal exigida pelo art. 266.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.C..

Custas, nesta parte, pela Requerida, a determinar oportunamente.»

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Inconformada, apresentou a Ré/Requerida recurso de apelação, que finalizou com as seguintes conclusões:

«A) A Autora instaurou no Juízo de Competência Genérica ..., Comarca ..., uma acção de divisão de coisa comum contra a aqui Recorrente, alegando ter adquirido em compropriedade e em partes iguais com o falecido BB, na proporção de ½ para cada um, um imóvel onde ficou instalada a casa de morada de família até à separação; não lhe interessando permanecer na indivisão de tal bem, pede que, atenta a respectiva indivisibilidade, se proceda à sua adjudicação ou venda nos termos da lei, à qual a aqui Recorrente apresentou contestação, aceitando as quotas de compropriedade e a indivisibilidade do imóvel, todavia deduzindo reconvenção.

B) E em sede de reconvenção, pediu o reconhecimento de créditos que detém sobre a A., alegando ter o falecido BB pago sozinho, desde a saída da A. do imóvel ocorrida em Setembro de 2008, as prestações inerentes ao empréstimo bancário para habitação que foi contraído junto da Banco 1... para a compra do imóvel, tendo a 15/03/2016 sido pelo de cujus liquidado na íntegra o empréstimo nº ...85 em valor que ascende a € 80.000,00 (oitenta mil euros); mais alegando que desde a data do divórcio foi o de cujus a assegurar o pagamento de um segundo empréstimo também garantido por hipoteca, contraído a 16/03/2006 no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), tendo após a sua morte, sido a cabeça-de casal a fazê-lo até à presente data, encontrando-se em dívida montante inferior a € 7.800,00 (sete mil e oitocentos euros); assim como, foi da mesma forma com a taxa de condomínio e o IMI.

C) Respondeu a A. à matéria da reconvenção, alegando nada dever à Recorrente; tendo sido proferida decisão de não admissão da reconvenção, de que se recorre.

D) Decidiu mal o Tribunal a quo, que fundamentou a sua decisão de não admissão da reconvenção apresentada, com recurso ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/11/2020, relator Freitas Neto, Proc. Nº 1761/19.9T8PBL.C1., sem sequer ter verificado que o Acórdão supra mencionado foi revogado pelo Supremo Tribunal de Justiça, Proc. Nº 1761/19.9T8PBL.C1.S1, Relator Jorge Dias, por unanimidade.

E) A ação de divisão de coisa comum tem por finalidade colocar termo à contitularidade de direitos reais, arts. 925º do CPC e 1412º do C.C. e, processa-se em duas fases distintas, fase declarativa, arts. 925º a 928º e fase executiva, art. 929º, todos do CPC, sendo que a fase declarativa processa-se conforme as regras aplicáveis aos incidentes da instância, artº.926º, nº 2 do CPC, exceto se o Juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, caso em que é determinado que se sigam os termos do processo comum, art. 926º, nº 3 do CPC..

F) É na fase declarativa que se apreciam as questões relativas à natureza comum do bem a dividir, dos quinhões e da divisibilidade material e jurídica de tal bem e só após a resolução dessas questões se passa à fase executiva que se destina essencialmente à adjudicação ou venda.

G) A questão da admissibilidade da reconvenção nas ações de divisão de coisa comum tem dividido a jurisprudência (embora a tendência se encaminhe no sentido da admissão), entendendo uns que se verifica incompatibilidade processual entre o pedido de divisão e o pedido reconvencional face ao disposto no art. 266º, nº 3 do CPC, sendo que outros ultrapassam a questão ponderando o disposto no art. 37º, nºs 2 e 3, ex vi do art. 266º, nº 3 do CPC, sendo esta última a acolhida pela Recorrente, porquanto a regulamentação processual da divisão de coisa comum prevê, art. 926º, nº 3 parte final, do CPC, que o processo siga os termos do processo comum quando as questões suscitadas na contestação não possam ser sumariamente apreciadas.

H) E mais, o princípio da economia processual também aponta para que o pedido reconvencional seja aceite, porquanto, apreciar e decidir as questões, para além da divisão, relacionadas com o bem em compropriedade de modo a evitar que um comproprietário se veja obrigado a interpor uma nova...

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