Acórdão nº 183/20.3T8VGS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-05-04

Ano2022
Número Acordão183/20.3T8VGS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 183/20.3T8VGS.P1

Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica de Vagos

REL. N.º 671
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Anabela Andrade Miranda
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


1– RELATÓRIO

AA e outros e BB e outros intentaram a presente acção em processo comum contra CC e mulher DD, pedindo a condenação destes a reconhecê-los como proprietários das parcelas identificadas com as letras “A” e “B”, respectivamente, provenientes de um prédio anteriormente descrito na matriz da União de Freguesias ... e ... sob o nº ..., entretanto dividido em três parcelas, alegando a respectiva aquisição por usucapião, com a composição actual de cada uma delas, que descrevem. Pedem ainda a sua condenação a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça, diminua ou perturbe o referido direito de propriedade. Mais peticionam que seja a Conservatória do Registo Predial de Vagos ordenada a proceder à rectificação da descrição do prédio em causa, que existe sob o n.º ..., de forma a que passe a demonstrar a sua divisão em tais três parcelas.
Descreveram como tal prédio foi transmitido a todos, sendo que a 1ª autora e seu falecido marido passaram a cuidar da parcela A, que os pais dos 2ºs autores passaram a tratar da parcela B; e os pais do réu marido a cuidar da parcela C, todas elas devidamente demarcadas entre si por diferentes formas. Tudo isso se passou desde 1978, por cada um deles e seus sucessores em relação a cada uma das parcelas, ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.
Afirmam que os RR., no entanto, cortaram feno e pinheiros das parcelas A e B, sabendo que não lhes pertencem, alegando ainda que todo o prédio lhes pertence, tendo registado a respectiva aquisição, o que os AA. apuraram ser verdade, por num inventário ter sido declarado que o prédio integrava, na sua totalidade, uma herança, quando esta apenas incluía 1/10 desse imóvel. Assim, os RR. arrogam-se donos do prédio todo, com 3.400m2, quando apenas são donos da parcela que identificam sob a letra C, com 385 m2.
Os. RR. contestaram, impugnando a factualidade alegada pelos AA. e invocando a presunção de propriedade que lhes advém do registo. Mais alegam, que sempre seria ilegal a divisão do prédio, por ser um prédio rústico de área inferior à unidade mínima de cultura. Concluíram pela improcedência da acção.
Instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que concluiu pela procedência da acção, com o seguinte dispositivo: o exposto, julga-se a presente acção totalmente procedente e, em consequência decide-se:
1. Condenar os RR. CC e DD:
“a. A reconhecer que AA e a herança aberta por óbito de EE, são donos e legítimos proprietários da parcela de terreno identificada sob o ponto 8a. do elenco de factos provados, da qual os 1º AA são herdeiros.
b. A reconhecer que as heranças abertas por óbito de FF e GG, são donos e legítimos proprietários da parcela de terreno identificada sob o ponto 8b. do elenco de factos provados, da qual os 2º AA são herdeiros.
c. A absterem-se da prática de qualquer acto que impeça, diminua ou perturbe o direito reconhecido em 1a. e 1b.
2. Ordenar à Conservatória do Registo Predial de Vagos, rectificação da descrição nº ... da extinta freguesia ..., no sentido de que tal descrição tem a área identificada e configuração descrita no ponto 8c. dos factos provados; (…)”
É contra esta decisão que vem interposto o presente recurso, que os RR. terminam formulando as seguintes conclusões:
“- A douta sentença em crise e nula, por verificada a contradição entre a matéria dada por provada e a matéria dada por não provada. Tal contradição conduz à nulidade da douta sentença, nos termos do artigo 615º do CPC o que desde já se requer para todos os devidos e legais efeitos; sem prescindir
- Os AA não lograram provar a aquisição de uma concreta parcela de terreno, autonomizado, desde logo porque não se encontra verificada a aquisição por usucapião, por não verificada a consciência de adquirirem um prédio autonomizado, seja por via da escritura realizada em 2003, seja por inexistir um concreto prédio com concreta área e concretas confrontações; ora, verifica-se a violação da norma do artº 1287º do CC.
- A divisão invocada pelos AA é nula, nos termos dos artigos 1.376º e 1.379º do CPC, nulidade que deveria ter sido decretada pela douta sentença em crise, e desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos; Assim se fazendo JUSTIÇA!”
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Os réus ofereceram resposta ao recurso, defendendo a sua rejeição por incumprimento de forma, quanto à impugnação da matéria de facto, e, em qualquer caso, a sua improcedência.
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O recurso foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foi recebido nesta Relação, cabendo decidi-lo.
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2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC.
Assim, cumprirá decidir se deve admitir-se o recurso, quanto à impugnação da matéria de facto. Sendo caso disso, se esse segmento da sentença deve ser alterado de alguma forma, designadamente quanto a que factos.
Para além disso, caberá verificar a invocada nulidade da sentença, por contradição entre a matéria dada por provada e a matéria dada por não provada, bem como da legalidade da solução decretada, acolhendo a divisão em três parcelas de um prédio de área inferior à unidade mínima de cultura.
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Para a decisão das questões apontadas, importa ter presente a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto, que se passa a transcrever:
“- Julgam-se provados os seguintes factos:
1. EE faleceu no estado de casado com AA, sendo filhos de ambos:
a. HH, com NIF ...;
b. II, com NIF ...;
c. JJ, com NIF ...; e
d. KK, com NIF ....
2. GG faleceu no estado de casada com FF, sendo filhos de ambos:
a. BB, com NIF ...;
b. LL, com NIF ...; e
c. MM, com NIF ....
3. Por óbito de NN, foi atribuída aos seus filhos – OO, FF (pai dos 2os AA.) e AA (1ª A.) – a titularidade do prédio, na altura, inscrito na matriz predial rústica da extinta freguesia ..., sob o n.º ... (novecentos e três), na proporção de 1/3 (um terço) para cada um,
4. (…), prédio que, inicialmente, pertenceu a NN e seu cônjuge, PP.
5. Em 13-01-1977, OO, FF, AA e respectivos cônjuges, declararam vender a QQ e marido (RR) – pais do 1ª R. –, que declararam comprar, 1/10 (uma décima parte) do prédio referido em 3., actualmente inscrito na matriz sob o artigo ... da União de Freguesias ... e ....
6. No mesmo ano - 1977 -, OO e marido declararam doar, em partes iguais, a FF e a AA (e respectivos cônjuges), que declararam receber, os 3/10 de que ainda eram titulares no prédio referido em 3.
7. (…), acordo que foi formalizado em 05-08-2003.
8. Em data não concretamente apurada, mas não posterior a 1980, AA, FF, QQ e respectivos cônjuges acordaram proceder à divisão material do prédio identificado em 3., nos seguintes termos:
a. Uma parcela composta por terra de cultura, sita nas “...”, com a área de, pelo menos, 1888m2, confrontando do norte com FF e cônjuge, do sul com SS, do nascente e poente com caminhos.
...

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