Acórdão nº 18287/20.0T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 13-03-2023

Data de Julgamento13 Março 2023
Ano2023
Número Acordão18287/20.0T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 18287/20.0T8PRT.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 18287/20.0T8PRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 02 de novembro de 2020, no Juízo Local Cível do Porto, Comarca do Porto, AA instaurou ação declarativa sob forma comum contra A..., Lda. e BB pedindo a condenação solidária das rés a:
a) procederem ao pagamento ao a. da quantia de € 8.000,00 (oito mil euros) relativo aos meses de renda em falta, até final do contrato, nos termos supra requeridos;
b) procederem à reparação do locado, deixando o mesmo, nas exatas condições em que
o receberam e, caso tal reparação não seja possível, procederem ao pagamento ao a. do valor necessário para o efeito e que deverá ser fixado em € 15.175,00 (quinze mil cento e setenta e cinco euros)”.
Para fundamentar as suas pretensões, o autor alegou, em síntese, que em 01 de agosto de 2015, enquanto dono e possuidor, deu de arrendamento à primeira ré a fração P destinada a comércio e serviços do prédio urbano sito na Rua ..., em Matosinhos, inscrito na matriz sob o artigo ... da União de Freguesias ... e ..., para fins não habitacionais, pelo período de um ano renovável por iguais períodos, pela renda mensal de mil euros, assumindo a segunda ré a qualidade de fiadora da primeira ré; em janeiro de 2020, sem qualquer comunicação prévia, a primeira ré entregou ao autor as chaves do locado; aquando da celebração do arrendamento, a fração locada encontrava-se em perfeitas condições; aquando da entrega do arrendado, este tinha as tomadas, louças e as portas do WC arrancadas, tendo desaparecido o cilindro e bem assim uma das paredes, estando a reparação do locado orçada no montante de € 15.175,00.
Citadas, as rés contestaram excecionando a ilegitimidade ativa do autor em virtude de não oferecer certidão do registo predial referente ao locado para comprovar a sua invocada qualidade de dono da fração arrendada e impugnaram alguma da factualidade articulada na petição inicial, referindo que em meados de novembro de 2019 a primeira ré comunicou ao autor que tinha arrendado outro espaço e que iria entregar o arrendado ao autor em janeiro de 2020, tendo pago as rendas até ao final de fevereiro de 2020 e tendo o autor ido buscar as chaves do locado às novas instalações da primeira ré; quando a loja foi arrendada à primeira ré tinha lá montada uma espécie de café com salão de jogos, tendo a primeira ré adaptado o locado à atividade de academia canina; o autor exigiu à primeira ré que deixasse o espaço locado totalmente amplo, tendo esta despendido a quantia de € 1.783,50 para que a loja ficasse ampla como pedido pelo autor; as rés negaram que tivessem sido retirados do locado quaisquer tomadas, interruptores ou um cilindro; a segunda ré alegou nunca ter sido interpelada para qualquer pagamento ou para qualquer questão, apenas tendo sido identificada no contrato de arrendamento como fiadora, não se fazendo qualquer referência à mesma ao longo do contrato, suscitando, em consequência, a sua ilegitimidade para a ação; concluem ambas as rés pela sua absolvição dos pedidos.
O autor foi notificado para, querendo, se pronunciar sobre a matéria de exceção invocada na contestação das rés e não tomou qualquer posição.
Dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o valor da causa no montante indicado pelo autor (€ 23.175,00), proferiu-se despacho saneador tabelar, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas da prova e admitiram-se as provas oferecidas pelas partes.
A audiência final realizou-se em duas sessões.
Em 20 de julho de 2022 foi proferida sentença[1] que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo as rés de todos os pedidos.
Em 29 de agosto de 2022, inconformado com a decisão que precede, AA interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. A prova do ponto 5º da sentença não pode ser testemunhal, uma vez que quer o contrato quer a Lei exigem que a referida comunicação seja formal.
2. Na Cláusula Primeira do contrato de arrendamento, ponto único, lê-se que “É válida a denúncia do contrato que for efetuada, por escrito registado, com a antecedência mínima de 90 dias tendo em conta o termo do prazo inicial ou da sua renovação.”
3. Ora, a prova testemunhal com base na qual o tribunal considerou provado o ponto 5 é, assim, inadmissível, por violação do art. 393º do Código Civil.
4. Nos termos do art. 393º nº1 do CC, “Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.”
5. Ora, a denuncia do contrato, por estipulação das partes, tem que ser reduzida a escrito, e necessita de ser provada por escrito, sendo, reafirma-se, inadmissível a realização de prova testemunhal, sob pena de violação do art. 393º nº1 do Código Civil e do ponto único da cláusula primeira do contrato de arrendamento
6. O art. 9º do NRAU exige igualmente que as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.
7. Assim, deverá ser julgado não provado o ponto nº5 dos factos provados da sentença, por inexistir nos autos o documento legal e contratualmente exigido para fazer a sua prova.
8. Eliminando-se o ponto 5 da matéria de facto provada pela sentença, impõe-se, pois, a procedência do primeiro pedido do Autor, devendo a sentença recorrida ser revogada nesta parte, e substituída por outra que condene as Rés no referido pedido.
9. As fotografias, a cores, que o Autor juntou aos autos no requerimento com a referência Citius 31742229, de 22/3/2022, são absolutamente esclarecedoras e provam sem margem para dúvidas que a primeira ré causou danos profundos no imóvel arrendado, absolutamente incompatíveis com o prudente uso da coisa locada e que não se enquadram minimamente no ponto 10º da matéria de facto provada.
10. Assim, com base nas fotografias, não impugnadas pelos Réus, deverão dar-se como provados os pontos 11 e 13, os quais em nada são incompatíveis com o facto provado nº10.
11. Deve por isso proceder a primeira parte do pedido: serem as rés condenadas a proceder à reparação dos danos causados no locado não relacionados com prudente utilização.
12. Em face da ausência de prova produzida sobre os concretos danos existentes, tal condenação deverá ser, posteriormente, concretizada em incidente de liquidação de sentença.
A..., Lda. contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso.
Dispensados os vistos com o acordo dos restantes membros do coletivo, já que a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pelo recorrente não envolve a audição de prova gravada e o objeto do recurso se reveste de simplicidade, cumpre agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da reapreciação do ponto 5 dos factos provados e dos pontos 11 e 13[2];
2.2 Da repercussão das alterações da decisão da matéria de facto na solução final do caso e, em todo o caso, da validade formal da extinção da relação arrendatícia.
3. Fundamentos
3.1 Da reapreciação do ponto 5 dos factos provados e dos artigos 11 e 13 da petição inicial, o primeiro apenas na sua parte final
O recorrente pugna por que se julgue não provado o ponto 5 dos factos provados em virtude de o mesmo apenas se poder provar por prova documental, prova que não foi produzida e que se julguem provados os artigos 11 e 13 da petição inicial, atento o teor das fotografias por si oferecidas com o requerimento de 22 de março de 2022 e que não foram impugnadas.
O ponto 5 dos factos provados tem o seguinte conteúdo:
- A sociedade ré comunicou ao autor, em novembro/2019, que tinha arrendado um outro espaço e que iria proceder à entrega do imóvel descrito em 1., em janeiro/2020, tendo o autor ido buscar as chaves do imóvel às novas instalações da sociedade ré em 28 de fevereiro de 2020.
Por seu turno, os artigos 11 e 13 da petição inicial têm o seguinte teor:
- No entanto, a R. para além de ter abandonado o locado sem dar o devido pré-aviso como supra referido, deixou o locado num lastimável estado de conservação (cfr. relatório fotográfico que ora se junta como doc n.º 4) (artigo 11 da petição inicial);
- Foram arrancadas tomadas, louças e portas do WC, o cilindro despareceu e uma das paredes também “despareceu” (artigo 13 da petição inicial).
O tribunal a quo motivou a sua decisão da matéria de facto, na parte pertinente ao conhecimento do objeto do recurso, da forma que segue:
A prova dos factos descritos nos ponto 5, 6 e 10 sustentou-se nos depoimentos das testemunhas CC, empreiteiro que fez as obras de remodelação nas novas instalações da ré e foi executar as obras de demolição no imóvel arrendado ao autor, sob instruções daquela de acordo com as quais deveria desmontar tudo que existisse como divisória de forma a tornar o espaço amplo, o qual descreveu os trabalhos executados e confirmou o preço cobrado e recebido e da testemunha DD, trabalhador da sociedade ré e companheiro da sua legal representante, o qual os confirmou, tendo sobre eles conhecimento direto, prestando um depoimento escorreito, simples e direto, sem hesitações e sem meias palavras ou subterfúgios.
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