Acórdão nº 181/23.5T9ODM-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19-03-2024

Data de Julgamento19 Março 2024
Ano2024
Número Acordão181/23.5T9ODM-B.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório

Nos autos de inquérito que correm termos no Juízo de Competência Genérica de …-J…, do Tribunal Judicial da Comarca de … com o n.º 181/23.5T9ODM, foi o arguido AA, identificado nos autos, ouvido em interrogatório judicial realizado em 29.09.2023, findo o qual – tendo-lhe sido imputada a prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea b), e n.º2, alínea a), n.º4 e 5, do CP; de dois crimes de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, previstos e punidos pelos artigos 190.º, do CP e um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º1, e 155.º, n.º1, alínea a), por referência ao disposto no artigo 131.º, do CP – ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, a 193.º, 196.º, artigo 1.º, alínea j), 202.º, n.º1, alíneas b), e d), 204.º, alíneas b), e c) do CPP, lhe foram aplicadas as seguintes medidas de coação de:

- Prisão preventiva;

- Proibição de o arguido contactar, por qualquer meio, com a ofendida, e demais intervenientes processuais, nomeadamente testemunhas.

Por decisão datada de 23.10.2023 o Tribunal alterou o estatuto coativo do arguido, tendo sido revogada a medida de prisão preventiva e tendo aquele passado a estar sujeito a obrigação de permanência na habitação com controlo por vigilância eletrónica. De tal decisão foi interposto recurso, tramitado no apeno A, que foi já decidido por acórdão desta Relação proferido em 20.02.2024, no qual foi integralmente mantida a decisão recorrida.

*

Em 21.12.2023 foi proferida a decisão que constitui o objeto do presente recurso, que manteve as medidas de coação anteriormente aplicadas ao recorrente e que indeferiu o requerimento pelo mesmo apresentado nos autos solicitando se autorizasse a sua saída diária para trabalhar e ainda a utilização para tal efeito do seu veículo automóvel.

Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, na parte em que indeferiu o aludido requerimento, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

“1ª - Por Despacho proferido em 21/12/2023 sob a referência … foi indeferido o pedido de autorização judicial deduzido pelo arguido junto de fls. 426 a 428 dos autos.

2ª - A autorização judicial para o arguido executar e assegurar as tarefas/trabalho na exploração agrícola e criação de gado (exploração com núcleo de produção de bovinos) de natureza familiar instalada no …, no …, freguesia do …, concelho de …, que fica a cerca de 14/15 KM de distância da residência/habitação do arguido, atenta a reduzida distância que separa a residência do arguido e o local das tarefas/trabalho, bem como o facto da ofendida ter alterado a sua residência para outra localidade separada por uma distância de centenas de quilómetros, mantém válido e eficaz o juízo de prognose positivo quanto à satisfação das medidas cautelares do caso concreto que levaram à aplicação da medida de coacção da obrigação de permanência na habitação sujeita a vigilância electrónica.

3ª - O deferimento do pedido de autorização judicial deduzido pelo arguido tem respaldo no princípio de razoabilidade “(…) enquanto subprincípio do princípio da proporcionalidade em sentido amplo, em matéria de restrição do direito à liberdade (art. 27.º, n.º 1, da CRP).”, como salienta Maria João Antunes, in “Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pág. 82.

4ª - Entendimento que se mostra sufragado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/11/2020, referente ao Proc. n.º 27/20.6GBALM-A.L1.5, relatado pelo Exmo. Desembargador Luís Gominho, disponível in www.dgsi.pt, quando se regista:“A continuação da actividade criminosa, que se pretende impedir mediante a medida de coacção, não pode abranger comportamentos que ultrapassem o prolongamento daquele que constitui o objecto do processo, sob pena de se transformar a medida de coacção numa medida de segurança”.

5ª - De facto, o perigo de continuação de actividade criminosa que a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação aplicada ao arguido visa acautelar ou prevenir mostra-se agora diminuído ou atenuado, porquanto os pressupostos de facto da aplicação de tal medida ao arguido alteraram-se substancialmente com a deslocação da ofendida para uma zona a centenas de quilómetros do local onde o arguido se propõe executar e assegurar as tarefas/trabalho na exploração agrícola e criação de gado (exploração com núcleo de produção de bovinos) de natureza familiar instalada no …, no …, freguesia do …, concelho de …, que fica a cerca de 14/15 KM de distância da residência/habitação do arguido.

6ª - Em bom rigor, o perigo de continuação da actividade criminosa decorrerá sempre de um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, a efectuar a partir de circunstâncias anteriores ou contemporâneas à conduta de que se encontra indiciada e sempre relacionada com esta.

7ª - Entendimento que se mostra perfilhado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13/01/2020, referente ao Proc. n.º 16/19.3PECHV-B.G1, relatado pela Exma. Desembargadora Ausenda Gonçalves, disponível in www.dgsi.pt, onde se regista no respectivo sumário:

“(…) V – Contudo, a aplicação referida não pode ser encarada como uma pena (por antecipação), nem como uma medida de segurança, porquanto se trata de uma simples medida cautelar, e só pode ser fundamentada em factos concretos que possam preencher os respectivos pressupostos, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º do CPP (princípios e requisitos), não bastando, pois, o mero apelo, em abstracto, a tais pressupostos. (…).”

8ª - Os perigos a que se reporta o artigo 204.º do CPP têm de ter uma dimensão concreta e razoável, isto é, não podem firmar-se em abstrações, por tanto se não compaginar com a conceção de um Estado de Direito Democrático, baseado no respeito e na garantia dos direitos, liberdades e garantias fundamentais (artigo 2.º da Constituição), consagrados em preceitos que são de aplicabilidade direta (artigo 18.º, § 1.º da Constituição).

9ª - O perigo de continuação da atividade criminosa tem em vista a potencial continuação da prática de crimes da mesma espécie e natureza dos que se indiciam no processo em que se faz essa avaliação, para o que se deverá valorizar a natureza e circunstâncias relativas aos crimes que se investigam e sua conexão com a atividade futura.

10ª - O perigo de continuação da actividade criminosa - que não pode ser confundido, necessariamente, com a consumação de novos actos criminosos – tem que ser aferido como ocorre de resto com todos os periculum libertatis - a partir de elementos factuais que o revelem ou o indiciem e não de mera presunção (abstracta ou genérica), devendo ser apreciado caso a caso, em função da contextualidade de cada situação, pelo que não cabem aqui juízos de mera possibilidade, no sentido de que só o risco real (efectivo) de continuação da actividade delituosa pode justificar a aplicação das medidas de coacção, maxime a privação da liberdade.

11ª - Assim, salvo o devido respeito, não se verifica actualmente qualquer risco concreto do arguido poder voltar a praticar quaisquer factos integradores dos crimes de cuja prática se encontra indiciado nos autos, não se verificando na actualidade perigo de continuação da actividade criminosa ou qualquer outra exigência cautelar que importa assegurar.

12ª - Nesta conformidade, salvo o devido respeito, a decisão do Tribunal a quo não é a que se mostra mais consentânea com os comandos legais, mostrando-se o indeferimento da autorização judicial requerida em colisão com os princípios da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.

13ª - Na verdade, tal autorização não coloca de qualquer modo em causa os fins cautelares visados com o decretamento das medidas de coacção de obrigação de permanência na habitação, de proibição de aproximação da ofendida e da prestação do T.I.R.

14ª - Com efeito, com a reduzida distância que separa a residência do arguido do local onde pretende exercer as tarefas/trabalho na exploração agrícola e criação de gado (exploração com núcleo de produção de bovinos) de natureza familiar instalada no …, no …, freguesia do …, concelho de …, que fica a cerca de 14/15 KM de distância da residência/habitação do arguido, conjugado com o facto de a ofendida ter alterado a sua residência e local de trabalho para morada que se ignora na zona do …, conclui-se inexistir qualquer perigo de continuação de actividade criminosa ou para a conservação ou veracidade da prova.

15º - Aliás, mal se compreenderia que o Legislador, pugnando por evitar o efeito da inserção em meio prisional, apresente a possibilidade de o arguido cumprir a medida de coacção na sua habitação, mas afaste a possibilidade da sua integração profissional, enquanto, integrando-o no sistema prisional, lhe concede o...

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