Acórdão nº 1804/18.3T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 13-06-2023

Data de Julgamento13 Junho 2023
Número Acordão1804/18.3T8VNG.P1
Ano2023
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 1804/18.3T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 1




Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório
1. AA, casada, residente no Bairro ..., ..., casa ...2, ... Porto, propôs a presente acção requerendo a declaração da sua insolvência, bem como a exoneração do passivo restante.
2. A requerente foi declara insolvente por sentença proferida em 23.04.2018.
3. Por despacho proferido em 09.10.2018 foi declaro encerrado o processo por insuficiência da massa insolvente, nos termos do disposto nos artigos 230.º, n.º 1, al. d), e 232.º, n.º 2, do CIRE, admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, nomeada fiduciária, determinado que durante os 5 anos posteriores ao encerramento do processo o rendimento disponível da insolvente fica cedido à fiduciária nomeada e fixado em um salário mínimo nacional o montante necessário ao sustento da insolvente, com os seguintes fundamentos:
Nos termos do disposto no artigo 239º, nº 3, b), i) do C.I.R.E. o limite mínimo é o que seja razoavelmente necessário para garantir e salvaguardar o sustento minimamente digno do devedor e seu agregado familiar e como o limite máximo o valor equivalente ao triplo do salário mínimo nacional (valor máximo este que só pode ser excedido em casos excepcionais, devidamente fundamentados).
São os seguintes os factos relevantes:
1) O/A devedor/a é casada com BB também já declarado insolvente no proc. n.º 2309/18.8T8VNG-J3, ao qual foi fixado 2SMN e tem quatro filhos.
2) desempregada, aufere RSI de €101,69/mês .
3) reside em casa arrendada, pagando de renda €11,43/mês .
4) não tem quaisquer bens.
5) Não beneficiou da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do inicio deste processo de insolvência.
6) Não resulta dos autos que o/a insolvente incumpriu o dever de apresentação à insolvência ou se tenha abstido de se apresentar nos 6 meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo para os credores.
7) Não há elementos que indiciem a existência de culpa do/a insolvente na criação ou agravamento da situação de insolvência.
8) No seu certificado de registo criminal, o/a insolvente não tem averbada qualquer condenação.
Nos termos do disposto no art. 235º do C.I.R.E. a exoneração do passivo restante consiste na concessão de um perdão dos créditos sobre a insolvência que não fiquem integralmente pagos no decurso do processo ou nos cinco anos subsequentes.
Como se decidiu no Ac. da R.C. de 10.09.2013, disponível no sítio da dgsi, “Subjacente ao instituto está a ideia de um equilíbrio entre os interesses dos credores na satisfação dos seus créditos e o interesse do devedor, de redenção, para uma nova vida, o que passa por sacrifícios para ambas as partes.
O insolvente ao longo dos 5 anos irá somente dispor de um rendimento que lhe assegure o “sustento minimamente digno” para si e seu agregado familiar, para o que eventualmente o fará mudar de hábitos de vida e de consumo, de acordo com a subalín. i), da alín. b), do n.º 3 do art.º 239.º do CIRE, sendo o restante rendimento disponível entregue a um fiduciário para posterior distribuição pelos credores (art.º 241.º n.º 1, alín. d) do CIRE).
Os credores, findo esse prazo, se não receberem, entretanto, a totalidade do crédito (com o que cessaria antecipadamente o procedimento de exoneração – n.º 4 do art.º 243.º do CIRE), receberão o possível, nada mais podendo exigir, do devedor, a partir daí .
A lei não define o que possa entender-se com o conceito aberto de “sustento minimamente digno”, com o valor máximo legal equivalente, em princípio, a 3 salários mínimos nacionais, podendo-se considerar o seu mínimo como o valor correspondente a 1 salário mínimo nacional, enquanto limite mínimo para assegurar, em nome da dignidade da pessoa humana, as condições básicas essenciais.”
Claro se torna, vistos os fins do instituto, que o montante fixado a título de rendimento indisponível não pode, nem deve, coincidir com as despesas suportadas.
Isto porque, por um lado, todo o rendimento auferido é sempre passível de ser afecto a despesas, prejudicando-se assim os credores.
Por outro lado, e como supra referido, o Insolvente terá que adaptar o seu nível de vida e consumos à realidade em que se encontra, não podendo ter a pretensão de manter os gastos nos termos em que o fazia antes da situação de insolvência, e que certamente terá contribuído e foi a causa da mesma.
Como resulta da certidão junta a fls. 35 a 39, no processo de insolvência do marido já foi considerado o agregado familiar composto pela ora insolvente, o cônjuge e quatro filhos, para fins de fixação do valor do rendimento a ceder.
Assim sendo, tudo ponderado, fixo em um salário mínimo nacional o montante necessário ao sustento digno da Insolvente.
Advirta-se expressamente o/a devedor/a das obrigações a que fica sujeito/a, constantes do art. 239º n.º 4 e 240º n.º 1, do CIRE.
4. Iniciado o período de cessão, o fiduciário apresentou os relatórios relativos aos três primeiros anos desse período, verificando a inexistência de qualquer rendimento disponível que devesse ser cedido.
5. Em 17.06.2022 foi proferido o seguinte despacho:
No passado dia 11 de abril entrou em vigor a Lei n.º 9/2022 de 11 de janeiro, que, entre o mais, alterou o artigo 235.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, modificando o período de cessão de rendimentos de cinco para três anos.
Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, da citada lei, que estabelece o regime transitório, preceitua-se que a lei é, imediatamente, aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor. Por seu turno no artigo 10.º, n.º 3, estipula-se que, nos processos pendentes, onde haja sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante e cujo período da cessão de rendimento disponível em curso já tenha completado três anos à data de entrada em vigor da presente lei, considera-se findo o referido período com a entrada em vigor da lei. Ora, nos presentes autos, tendo em consideração a data do inicio do período de cessão de rendimentos e mostrando-se já completados os 3 anos desde a referida data, importa, neste momento, dar cumprimento ao disposto no artigo 244.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Assim, sendo:
- junte-se CRC da devedora; e
- notifique-se os credores, a fiduciária, o Mº.Pº. e a devedora, nos termos e para os efeitos do disposto no nº. 1 do artigo 244.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Prazo: 10 dias.
6. A fiduciária veio apresentar relatório e parecer final, do qual resulta que nos meses de Outubro de 2021 a Março de 2022 a insolvente auferiu a título de Rendimento Social de Inserção (RSI) valores superiores ao Salário Mínimo Nacional (SMN), verificando-se que tem a ceder à fidúcia a quantia total de 1.092,00€, sendo este o único valor em falta, pelo que a insolvente foi notificada para o fazer no prazo de 10 dias.
7. Mais se refere nesse relatório que, após a junção do comprovativo da transferência da quantia em dívida, a fiduciária desde já manifesta a sua concordância com a concessão da exoneração.
8. Por requerimento de 08.07.2022 a insolvente veio informar que o seu agregado familiar é composto por 9 elementos, que as despesas básicas e de sobrevivência destes esgotam o rendimento de que dispõe e que estão reunidas todas as condições para ser aplicado o disposto no artigo 244.º, n.º 1, do CIRE.
9. Por requerimento de 06.08.2022, a fiduciária veio informar que a insolvente não procedeu ao pagamento da quantia em dívida, nem requereu a prorrogação do prazo de exoneração, pelo que não pode emitir parecer favorável à exoneração; mais solicitou a notificação da insolvente para esclarecer se pretende efectuar o pagamento integral da quantia em dívida ou, caso não apresente capacidade financeira para esse efeito, para requerer a prorrogação do prazo de exoneração, nos termos do artigo 242.º-A do CIRE, sendo certo que durante o período de prorrogação continuará obrigada a ceder o rendimento disponível.
10. Por despacho de 04.10.2022 foi ordenada a notificação da insolvente para, em 10 dias, proceder à entrega à fiduciária da quantia em falta, sob pena de, nada dizendo ou entregando, ser recusada a exoneração do passivo restante.
11. Por requerimento de 24.10.2022 a insolvente veio reiterar a sua anterior informação, esclarecendo que o único rendimento de que dispõe é proveniente de apoio social, pago em função de cada um dos elementos que compõe o seu agregado familiar, e que não dispõe de capacidade financeira para o pagamento da quantia referida pela fiduciária; mais refere que esta quantia é relativa ao período posterior ao período de cessão de rendimentos actualmente previsto na lei (3 anos), não devendo por isso ser considerada.
12. Por requerimento de 25.10.2022, a fiduciária veio informar que já havia sido esclarecido à insolvente que, nos termos do n.º 3, do artigo 10.º, da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, «nos processos de insolvência de pessoas singulares pendentes à data de entrada em vigor da presente lei, nos quais haja sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante e cujo período de cessão de rendimento disponível em curso já tenha completado três anos à data de entrada em vigor da presente lei, considera-se findo o referido período com a entrada em vigor da presente lei», pelo que mantém a sua anterior posição; mais requereu a notificação da insolvente para diligenciar pelo pagamento do valor em falta; informou ainda que, atento o valor em falta e as justificações apresentadas pela insolvente, nada tem a opor a uma eventual prorrogação do período de exoneração que venha a ser requerida pela insolvente.
13. Em 24.121.2021 foi proferido o seguinte despacho:
Por despacho de 17.06.2022 foi declarado findo o periodo da
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