Acórdão nº 18030/21.7T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 11-10-2022

Data de Julgamento11 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão18030/21.7T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I–RELATÓRIO:

A, solteiro, portador do cartão de cidadão n.º ........ 0..1, válido até ...-...-...., NIF ........., residente em Rua ..... ...... n.º 68 r/chão ..., em L____ e B, solteiro, portador do passaporte n.º ........ emitido pelo Estado de ......., NIF ........., residente em Rua ..... ..... n.º ...-r/chão ..., em L____ vieram intentar contra ESTADO PORTUGUÊS a presente acção declarativa de simples apreciação positiva, com processo comum formulando o seguinte pedido:

a)-A declaração de reconhecimento da união de facto entre A e B, com todos os efeitos jurídicos, como uma situação análoga à dos cônjuges, para efeitos de aquisição da nacionalidade, nos termos do art.º 3º, n.º 3 da Lei n.º 37/81 de 3 de Outubro.

Alegam que o autor A é solteiro, nasceu em Israel, em 15-04-1970, e adquiriu nacionalidade portuguesa e, por sua vez, o autor B, também solteiro, nasceu em Israel, em 29-05-1980, tendo passado a viver um com o outro, maritalmente, desde o ano de 2010, partilhando a mesma casa e cama, relacionando-se afectiva e sexualmente, viajam com os filhos e contribuem para as despesas da casa

O Ministério Público, em representação do Estado Português contestou a acção aceitando os factos provados por documentos e impugnando os demais, por não serem do seu conhecimento (cf. Ref. Elect. 30227555).

Em 29 de Março de 2022 foi proferido despacho que, atendendo aos factos alegados, a causa de pedir e o pedido formulado e o disposto no art.º 122º, n.º 1, g) da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto[1], convidou as partes a se pronunciarem, querendo, quanto à eventual verificação da excepção dilatória de incompetência material do Juízo Local Cível para conhecer os termos da acção (cf. Ref. Elect. 414404663).

Os autores vieram fazê-lo, por requerimento de 11 de Abril de 2022, pugnando pela não verificação de tal excepção, com base no estatuído no art.º 3º, n.º 3 da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade[2], considerando que dele decorre a competência do tribunal cível (cf. Ref. Elect. 32257115).

Em 15 de Maio de 2022 foi proferida a seguinte decisão (cf. Ref. Elect. 415635355):

“Da Competência Material

Os Autores apresentam a presente acção declarativa, peticionando “o reconhecimento da união de facto”, para efeitos de aquisição da nacionalidade.

Temos admitido ser o tribunal cível competente para as acções de reconhecimento da situação de união de facto para efeito de aquisição da nacionalidade; no entanto, após melhor estudo e ponderação, entendemos não ser este o Tribunal materialmente competente para tais acções.

No plano interno, a competência divide-se pelos diversos tribunais em função da matéria, da hierarquia, do valor, da forma do processo e do território – artigo 60.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e artigo 37.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário.

Conforme disposto no artigo 65.º do Código de Processo Civil, as leis da organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos Tribunais e Secções dotados de competência especializada.

São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (artigos 64.º do Código de Processo Civil, 130.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário; vd., ainda, o artigo 209.º e seguintes da Constituição da República Portuguesa).

De acordo com a Lei da Organização do Sistema Judiciário, aos Juízos de Família e Menores compete, quanto à competência relativa ao estado civil das pessoas e família, preparar e julgar (artigo 122.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário):

1– Compete aos juízos de família e menores preparar e julgar:

a)-Processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges;

b)-Processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum;

c)-Ações de separação de pessoas e bens e de divórcio;

d)-Ações de declaração de inexistência ou de anulação do casamento civil;

e)-Ações intentadas com base no artigo 1647.º e no n.º 2 do artigo 1648.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966;

f)-Ações e execuções por alimentos entre cônjuges e entre ex-cônjuges;

g)-Outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família.

2– Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos.”

Na anterior Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro) não estava prevista qualquer atribuição de competência aos tribunais de família e menores quanto a questões relativas à união de facto, a que não será alheia a circunstância de a Lei n.º 7/2001 de 11 de Maio (medidas de protecção das uniões de facto) ser posterior, sem que tenha sido prevista a respectiva competência em razão da matéria.

Por Acórdão de 08/10/2019, no Processo n.º 2998/19.6T8CBR.C1, disponível na Base de Dados da DGSI, in www.dgsi.pt, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiuI– A acção intentada com vista à obtenção do reconhecimento judicial da situação de união de facto, nos termos e para efeitos dos nos 2 e 4, do art. 14º, do DL nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro [“REGULAMENTO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA”], integra a previsão do art. 122º, nº1, al.g), da “LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO” [Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto - LOSJ]. II– É que, ao aludir a referida al.g) do nº 1 do art. 122º da LOSJ, a acções relativas ao “estado civil” das pessoas, o legislador utilizou tal expressão - na sua acepção mais restrita - atendendo ao seu significado na linguagem corrente e apenas para se reportar a situações em que esteja em causa o posicionamento das pessoas relativamente ao casamento, união de facto ou economia comum, mas sempre com o sentido e desiderato de abranger toda e qualquer acção que se relacione com essas situações e cuja inclusão nas demais alíneas pudesse, eventualmente, suscitar algum tipo de dúvida.”

No mesmo sentido, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-12-2018, no Processo n.º 590/18.1T8CSC.L1-6.

Atenta a sua natureza e características e as próprias normas aplicáveis, entendemos que efectivamente as acções de reconhecimento da situação de união de facto para efeito de aquisição da nacionalidade se incluem na competência material dos Tribunais de Família e Menores e não nos Tribunais Cíveis, cuja competência é residual.

Assim, a competência para apreciar e julgar a presente acção é do Tribunal de Família e Menores, nos termos do disposto no artigo 122.º, n.º 1, al. g) da Lei da Organização do Sistema Judiciário.

A incompetência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que pode ser arguida ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final (artigos 96.º, al. a) e 97.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).

A incompetência absoluta do Tribunal é uma excepção dilatória insuprível e constitui fundamento para indeferimento liminar ou absolvição do Réu da instância, nos termos conjugados dos artigos 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 99.º, 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.º 1 e 2 e 577.º, al. a), todos do Código de Processo Civil.

*

Nestes termos e pelo exposto, julgo este Juízo Local Cível de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa incompetente, em razão da matéria, para conhecer da presente acção.

Valor da Acção: 30.000,01€ (trinta mil Euros e um cêntimo).

Custas do incidente a cargo dos Autores, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Registe e Notifique.”

Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respectivas alegações (cf. Ref. Elect. 32745069):

1.ª–O presente recurso vem interposto do despacho judicial, em que o Tribunal a quo, oficiosamente, se declarou incompetente em razão da matéria, para a tramitação e apreciação do mérito da presente acção de simples apreciação positiva de reconhecimento judicial da alegada situação de união de facto com nacional português – o Autor O...L... – tendo em vista a aquisição da nacionalidade portuguesa pelo Autor R... (R...) L... (M...L...) - este de nacionalidade estrangeira - por entender que esta acção, se enquadra na competência especializada do Tribunal de Família e Menores (e não na dos tribunais cíveis de competência meramente residual) com fundamento no disposto nos artºs 122º , nº 1, al. g), da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) (Lei 62/2013 de 26 de Agosto).

2.ª–Contudo, não lhe assiste razão.

3.ª–Entendimento diferente do supra enunciado é sufragado pelo Acórdão do S.T.J., proferido no Processo 286/20.4T8VCD.P1. S1. de 17/06/2021, em que é relator o Exm.º Senhor Juiz Conselheiro João Cura Mariano, acessível em www.dgsi.pt (cujos excertos mais relevantes se transcreveram em sede de alegação) em que se decidiu que a competência, em razão da matéria, para o julgamento das acções em que se pretende o reconhecimento de situação de união de facto com nacional português é dos tribunais civis.

4.ª–E concorda-se integralmente com o decidido no mencionado acórdão e respectivos fundamentos.

5.ª–Na verdade, conforme, ali, melhor se refere face à atribuição de competência (material) específica constante do n.º 3 do art.º 3º da Lei da Nacionalidade (Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril) aos tribunais cíveis para o reconhecimento da situação de união de facto com nacional português para o efeito de aquisição de nacionalidade portuguesa por cidadão estrangeiro ainda...

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