Acórdão nº 1803/09.6TMPRT-D.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-06-15

Data de Julgamento15 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão1803/09.6TMPRT-D.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 1803/09.6TMPRT-D.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Família e Menores de Matosinhos – Juiz 1



Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO
AA, residente na Rua ..., ..., ..., Traseiras, ..., ... Maia intentou acção tutelar comum, sendo requerida BB, residente na Praceta ..., ... ....
Alega, para o efeito, ser avó paterna dos menores CC e DD, sendo a requerida a avó materna e com quem as crianças residem, e que se acha impedida, de forma injustificada, pela requerida de conviver com os seus netos, que tentou ver, por várias vezes, pelo que requer que seja fixado um regime de visitas.
Determinou-se a apensação dos autos aos de inibição das responsabilidades parentais e de promoção e proteção (autos principais) e a citação da requerida.
A requerida pronunciou-se quanto à pretensão da requerente, opondo-se à mesma, alegando que não existe qualquer vínculo afectivo entre a requerente e os menores, que estão a residir com a requerida há cerca de dez anos sem qualquer contacto com a avó paterna; alega ainda que o facto de a avó paterna residir com os progenitores das crianças pode reactivar os contactos com os pais, que não são desejáveis para os menores e que nos primeiros anos de vida os progenitores e menores residiam no agregado da ora requerente tendo as crianças sido vítimas de grave negligência e maus tratos por parte dos progenitores (motivo pelo qual foram judicialmente inibidos do exercício das responsabilidades parentais) sem que a requerente os tenha protegido e que os menores estão ainda em processo de recuperação psicológica da situação que viveram.
Foi designada e realizada conferência entre requerente e requerida, não tendo sido possível obter qualquer entendimento, pelo que as partes foram encaminhadas para audição técnica especializada, na qual não foi igualmente possível qualquer entendimento
As partes foram notificadas para apresentarem alegações e prova, o que apenas a requerida veio fazer, e foi solicitada a elaboração de inquérito social às actuais condições de vida dos menores e sua disponibilidade para terem convívios com a avó paterna.
Foi designada e realizada audiência de julgamento, tendo-se procedido à audição dos menores (apenas na presença de Juiz, Ministério Público e técnico do ISS), nos termos do artigo 5.º n.º 1 a 5 do RGPTC.
Seguidamente, foi proferida sentença que julgou improcedente a pretensão da requerente.
Por não se conformar com tal decisão, dela interpôs a requerente recurso de apelação para este Tribunal da Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
i.
A lei estabelece uma presunção juris tantum que a relação da criança com os avós é benéfica. Assim sendo, não foi considerada factualidade relevante para se decidir como se decidiu e proibir a Recorrente de ver, conhecer, conforme o Tribunal viesse a entender melhor, os menores, seus netos.
ii.
No caso concreto, não são os pais que injustificadamente proíbem os filhos de convívio com os avós, mas sim a avó materna que proíbe os netos de conhecerem a outra avó.
iii.
O Tribunal a quo não conseguiu concretizar quais seriam os motivos graves, sérios, concretos, honestos, que por si só ou conjugados, impedissem e demonstrassem que no futuro, um simples encontro com a avó paterna comprometesse a segurança, a formação moral e a saúde da CC e do DD.
iv.
A reapreciação da prova gravada, nomeadamente dos excertos acima transcritos, na faixa 202205091458838_15796325_2871539, que se requer, relativa às declarações da requerida, demonstrando-se que devem ser dados como não provados existirem receios legítimos manifestados pela avó materna que obstem a aproximação da Recorrente com os seus netos CC e o DD.
v.
A reapreciação da prova gravada, nomeadamente dos excertos acima transcritos, na faixa 20220606110406_1579325_2871539, que se requer, relativa às declarações da testemunha Dr. EE, demonstra que deve ser dado como provado o facto, adicionando-se à matéria de facto dada como provada o facto: “A CC apesar de mais frágil, encontra-se bem (...) o DD tem um desenvolvimento normal para uma criança de 12 anos (...) Relativamente à introdução da avó paterna na vida dos menores, será sem dúvida benéfica, ressalvando-se, a forma como se deve fazer.”
vi.
A reapreciação da prova gravada, nomeadamente dos excertos acima transcritos, na faixa 20220606100010_1579325_2871539, que se requer, relativa às declarações da testemunha Dra. FF, demonstra que deve ser dado como provado o facto, adicionando-se à matéria de facto dada como provada o facto: “Eu acompanho a CC desde 2018”. A Dra FF não é a Psicóloga do DD conforme fundamentado na sentença recorrida.
vii.
Não resulta da matéria de facto dada como provada que a CC fala explicitamente da figura da avó paterna e que para ela simboliza medo, dúvida, e uma perspetiva intimidante.
viii.
Não fundamenta a douta Sentença por que razão a aproximação da avó paterna pode causar danos ao DD e à CC, sem fundamentar a quais danos se refere, tendo em conta que o Tribunal não requereu a realização de quaisquer perícias imparciais e com garantias de competência aos menores.
ix.
O Tribunal a quo decidiu ouvir os menores, em privado e sem assegurar o princípio do contraditório. Sem prescindir, que os ouviu nessa qualidade porque a Recorrente requereu para ata a sua audição. O Tribunal não podia ter concluído que fora melhor ouvir os menores em privado, sem contraditório, por que o litígio podia ser agressivo e conflitual, pois o Tribunal a quo deu à requerida um excelente pretexto para o exercício de inqualificáveis pressões sobre os menores, recompensadas com a atitude abstencionista do Tribunal.
x.
O Tribunal a quo violou os direitos processuais dos menores, nomeadamente, o direito de serem informados e o direito de participarem nos assuntos que lhes dizem respeito e de conhecerem a avó, sendo um direito dos menores conhecerem a sua família biológica.
xi.
A reapreciação da prova gravada, nomeadamente dos excertos acima transcritos, na faixa requerida demonstra que deve ser dado como não provado a existência de razoes graves para que possam impedir o convívio dos menores com a avó paterna e ainda ser dado como provado que os menores foram abordados duma forma agressiva e errada sobre o assunto.
xii.
Da gravação do depoimento da requerida, que foi extenso, conclui-se que confrontou os menores com a possibilidade de conhecerem a avó de forma errada, nomeadamente, incutindo-lhes medos e receios desnecessários.
xiii.
Tudo considerado, devem os referidos normativos ser interpretados no sentido de tornar possível a convivência entre os menores e a sua avó paterna.
xiv.
A Sentença recorrida violou assim o artigo 1887-A, do CC, os artigos 4º, nº 1 e 5º, ambos do RGPTC, os artigos , , , 12º, da Convenção da ONU, artigo 12º, da Convenção sobre os Direitos da Criança.
xv.
Não se pode aceitar que o Tribunal a quo, impeça o direito que os menores têm de se relacionarem com a avó paterna, nem com outros membros da família, sine die e reiteradamente.
xvi.
O Tribunal a quo, decidindo como decidiu, com considerações vagas implícitas nos depoimentos da requerida, tendo-se requerido supra a referida reapreciação da prova, postergou o direito fundamental ao equilíbrio presente e futuro, sendo que os mesmo constituem o património familiar, genético e espiritual da CC e do DD.
xvii.
Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 14/01/2014, disponível em www.dgsi.pt, ‘se é certo que o amor e a criação de laços afectivos não pode ser imposta pelo tribunal, não é menos certo que sem o conhecimento e o contacto entre as pessoas (que ao tribunal, em caso de conflito, cabe promover) esses sentimentos não poderão desenvolver-se, havendo que criar oportunidades e deixar que os relacionamentos sigam o seu destino’.
xviii.
Talqualmente no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 17/02/2004, disponível para consulta em www.dgsi.pt, ‘a todos, incluindo os menores, é reconhecido o direito constitucional ao desenvolvimento da personalidade – art.º 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Como titulares deste direito os menores podem relacionar-se e conviver com quem entenderem, nomeadamente, com os irmãos e ascendentes (…)’
xix.
A testemunha Dra. FF não conhece o DD, assim a fundamentação da matéria de facto provada, com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, carecem de clareza e objetividade, neste sentido, requer-se a reapreciação da prova gravada, nomeadamente dos excertos acima transcritos, na faixa 20220606100010_1579325_2871539.
xx.
Requerer-se, também, por ambiguidade a reapreciação do depoimento, dia 06/06/2022, na faixa 20220606110406_1579325_2871539, relativa às declarações da testemunha, Dr. EE, que são contrárias à fundamentação da sentença recorrida.
xxi.
O tribunal a quo tomou uma decisão errada por que considerou provado vários factos que foram fundamentados em provas inexistentes, provas erradas, provas ambíguas, provas inacessíveis à recorrente, prescindindo do imprescindível exame crítico das provas.
Nestes termos e nos melhores do Direito, que doutamente serão supridos, concedendo provimento ao presente recurso, seja revogada a douta Sentença proferida e substituída por Acórdão que permita estabelecer o direito de visitas entre a Recorrente e os menores.
O Ministério Público e a recorrida contra-alegaram, defendendo a manutenção do decidido.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para
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