Acórdão nº 1792/23.4YRLSB-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 22-11-2023

Data de Julgamento22 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão1792/23.4YRLSB-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–Relatório.


A Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais (FNSTFPS) recorreu do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral que, por unanimidade, definiu os serviços mínimos a prestar durante o período de greve com início às 00h00 e termo às 24h00 do dia 19 Maio de 2023 no Centro Hospitalar de Setúbal, EPE, no Hospital de Santarém, EPE, no Centro Hospitalar Barreiro Montijo, EPE, no Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, EPE, no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, EPE, no Centro Hospitalar Universitário de São João, EPE, no Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, EPE, no Centro Hospitalar Baixo Vouga, EPE, no Centro Hospitalar Tondela-Viseu, EPE e no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, EPE e arguiu nulidades do mesmo, pedindo a sua revogação e culminando as alegações com as seguintes conclusões:
"1. A Recorrente representa todos os trabalhadores associados dos seus representados melhor identificados, nos termos do disposto no art.º 443.º, al. d) do CT e beneficia de isenção de pagamento de taxa de justiça e de custas, nos termos do art.º 49, n.º 1, al. f) do regulamento de Custas Processuais e dos art.º 443.º, n.º 1, al. d) do CT e art.º 338.º, n.º 2 e 3 da LTFP, aprovada e anexa à lei 35/2014, de 20 de Junho.
2. A decisão arbitral proferida pelo Tribunal a quo define uma quantidade de meios para assegurar os serviços mínimos, que correspondem na prática ao funcionamento de serviços que não asseguram necessidades sociais impreteríveis e que não funcionam nem 24 horas por dia, nem em todos os dias da semana, dos quais se destaca a título de exemplo o apoio ao Conselho de Administração ou serviço de recepção seja de que hospital for.
3. Tal decisão configura-se como uma verdadeira violação do direito à greve, não se vislumbrando de todo o conteúdo do acórdão, fundamentação factual bastante que justifique aquela opção de serviços e o seu próprio quantum.
4. Até porque não foi levado em linha de conta na formulação destes serviços mínimos, que apenas estariam em greve trabalhadores que no exercício das suas funções não praticam actos médicos, pois a abrangência do pré-aviso é apenas para os trabalhadores que exerçam funções de assistentes operacionais e assistentes técnicos, sendo que estes últimos exercem funções meramente administrativas.
5. Bem como não foi levado em conta o facto de a greve decretada ter apenas a duração de um dia.
6. Pelo que a determinação de serviços mínimos nesta situação carecia de fundamentação factual, capaz de justificar a cedência do direito à greve e a sua redução, nomeadamente no que respeita ao estabelecimento de serviços mínimos, em serviços que exercem funções meramente administrativas, o que não se vislumbra do texto do acórdão.
7. A Recorrente cuidou de alertar o Tribunal a quo de tal facto, nos termos do art.º 27.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 259/2009, de 25 de setembro na sua redacção actual, requerendo aclaração do acórdão, mas, o Tribunal a quo manteve o acórdão nos exactos termos em que o havia proferido, limitando-se a corrigir os erros de escrita existentes, sem fundamentar também aqui a sua decisão. Pelo que o acórdão em causa encontra-se ferido de nulidade nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1 b) do CPC, por dele não resultar factualidade assente bastante para suportar a decisão de direito.
8. O Tribunal a quo entendeu seguir as decisões tomadas para a fixação de serviços mínimos nos processos AO 20/2023 e AO 22/2023.
9. No entanto, tais decisões reportam-se a greves que se distinguem bem da aqui sub judice, pois a greve a que se reporta o acórdão AO 22/2023 teve uma duração de 4 dias e a greve a que se reporta o acórdão AO 20/2023 teve a duração de 12 dias, pelo que se tratam de greves substancialmente distintas da que deu origem à decisão de que se recorre.
10. O Tribunal a quo, até ao presente acórdão, assumiu nos últimos anos para greves de conteúdo semelhante, como serviços mínimos os que constam dos acórdãos AO/15-16/2023-SM, A0/08_09/2023, AO 37_38_39_40/2022-SM, AO/21_22/2022 e 43/2021-SM.
11. Que deveriam ter sido os acórdãos seguidos nos termos do art.º 538.º, n.º 3 do Código do Trabalho para elaboração do acórdão de que se recorre, já que no caso estão em causa greves substancialmente idênticas.
12. O acórdão de que agora se recorre vem juntar a estes serviços, já fixados pacificamente ao longo dos anos, para greves cuja duração fosse de um dia, serviços que apenas constam dos Acórdãos AO 20/2023 e AO 22/2023 (veja-se o ponto 11, 12 e 13 do acórdão de que se recorre), cuja formulação teve por base uma realidade distinta, ou seja, uma greve de 4 dias e outra de 12 dias.
13. Pelo que ao decidir como decidiu violou o acórdão de que se recorre o art.º 538.º, n.º 3 do Código do Trabalho, por ter alicerçado a sua decisão em acórdão cuja greve não se mostrava substancialmente idêntica.
14. A fixação de serviços mínimos para acorrer à satisfação de necessidades impreteríveis deve obedecer ao princípio da proporcionalidade, na vertente da adequação, necessidade (ou proibição do excesso) e razoabilidade (ou proporcionalidade em sentido estrito).
15. Tendo de estar preenchido um critério de indispensabilidade para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
16. 'A garantia de prestação de serviços mínimos em regra não pode sequer ser aproximada a funcionamento do serviço e muito menos a funcionamento normal' (vd. Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 100/89).
17. Por outro lado, não pode a simples invocação da prevalência do direito à saúde, ou proteção da vida, sobre o direito à greve, justificar a denegação deste, sem que se mostre posto em causa aquele e a não existência de instrumentos à disposição da Administração que, de forma alternativa, ainda que mais onerosa, garantam a proteção do direito à vida.
18. O Tribunal a quo insistiu em fixar serviços mínimos incluindo neles serviços meramente administrativos, que não funcionam ininterruptamente, sem apresentar qualquer fundamentação ou justificação que determine a necessidade concreta de assegurar tais serviços durante uma greve, que repete-se apenas tem a duração de um dia.
19. É que a realidade concreta das Unidades Hospitalares em causa não permite estabelecer a necessidade e adequação de tais serviços, muito menos se pode afirmar que esta fixação seja proporcional, quando comparada com um dia normal de trabalho.
20. Nos Centro Hospitalares aqui em causa estamos a falar de serviços que maioritariamente funcionam entre as 08h e as 18h, com encerramento ao Sábado, Domingo e Feriado, pelo que nem em dia normal de trabalho têm a abrangência que se lhes pretende atribuir e até mesmo a necessidade.
21. E por esse motivo em momento algum e face à realidade dos serviços em causa, o presente acórdão fundamenta a decisão de determinar serviços mínimos, nomeadamente no que respeita aos pontos 11, 12 e 13 da parte decisória que é claramente desproporcional e que se constitui como uma clara violação do direito à greve.
22. Pelo que tais serviços mínimos, mostram-se excessivos e desproporcionados, pois não estão em causa serviços que assegurem necessidades sociais impreteríveis ou que funcionem 24 horas nos 7 dias de semana, pelo que deveriam ter sido excluídos desta definição de serviços mínimos.
23. Exclusão essa que sempre aconteceu nos acórdãos anteriormente proferidos pelo Tribunal a quo e que indicámos anteriormente.
24. É que encerrando os serviços em causa aos Sábados, Domingos e Feriados, não será o seu encerramento num único dia de greve que colocará em causa necessidades impreteríveis e inadiáveis, muito menos que colocará em causa o direito à saúde na forma como vem configurado na CRP.
25. Pelo que ao decidir como decidiu violou a douta decisão os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade na definição dos serviços mínimos".

Os recorridos não contra-alegaram.

No que concerne às nulidades arguidas pelo FNSTFPS o Tribunal a quo limitou-se a corrigir erros de escrita que constavam no acórdão.

Admitido o recurso na 1.ª Instância, nesta Relação de Lisboa foi proferido despacho a conhecer das questões que pudessem obstar ao conhecimento do recurso[1] e de seguida foi dada vista ao Ministério Público, o qual foi de parecer que o recurso merece provimento.

Nenhuma das partes respondeu ao parecer do Ministério Público.

Colhidos os vistos,[2] cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[3] Assim, importa apurar se:
i. o acórdão é nulo, por violação do art.º 615.º, n.º 1 b) do Código de Processo Civil;
ii. não sendo, viola o art.º 538.º, n.º 3 do Código do Trabalho porquanto fixou serviços mínimos alicerçado em acórdãos que apreciaram greves que não eram substancialmente idênticas a dos autos, assim violando o disposto no art.º 538.º, n.º 3 do Código do Trabalho;
iii. os serviços mínimos definidos eram excessivos e desproporcionados por não assegurarem necessidades sociais impreteríveis ou que funcionem 24 horas nos 7 dias de semana.
***

II-Fundamentos.
1. O acórdão recorrido:
"I – ANTECEDENTES E FACTOS
1. A presente arbitragem resulta, por via de comunicação de 10/05/2023, dirigida pela Direcção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) à Secretária -Geral do Conselho Económico Social (CES) e recebida neste no mesmo dia, de aviso prévio subscrito pela FNSTFPS - Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais, para os trabalhadores seus representados no Centro Hospitalar de Setúbal, EPE, Hospital de Santarém, EPE, Centro Hospitalar Barreiro
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