Acórdão nº 179/23.3YHLSB.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 08-01-2024

Data de Julgamento08 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão179/23.3YHLSB.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO
CONDADO PORTUCALENSE - SOCIEDADE DE VINHOS, LDA., com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou «providência cautelar não especificada» contra M..., neles também melhor identificado.
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da mencionada providência e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:
CONDADO PORTUCALENSE - SOCIEDADE DE VINHOS, LDA., veio requerer, ao abrigo dos 362º e seguintes do Código de Processo Civil, 345º do Código da Propriedade Industrial e art. 131º do Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de junho de 2017 sobre a marca da União Europeia, PROVIDENCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA contra M..., alegando em suma, que há imitação da marca da Requerente pelo Requerido, suscitando a confusão das marcas pelos consumidores e exercendo concorrência desleal.
O Requerido M... contestou impugnando o valor do procedimento cautelar, e negou existir possibilidade de confusão entre as marcas em discussão e alegou que a marca “Instinto Lusitano” se encontra registada.
Procedeu-se a audiência final com observância das formalidades legais, como consta da respectiva acta.
Foram realizadas a instrução, a discussão e o julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que decretou:
Pelos fundamentos e normas supra consignadas, julga-se parcialmente procedente porque provado, o presente procedimento cautelar e, em consequência, condena-se a Requerida a:
1. Abster-se de continuar a oferecer, armazenar e introduzir no comércio por qualquer meio produtos com a marca mista INSTINTO LUSITANO acima descrita.
2. Abster-se de fazer publicidade ao produto identificado pela referida marca por qualquer meio.
3. A apreensão de todos os rótulos e embalagens que contenham a marca mista INSTINTO LUSITANO que se encontrem nas instalações do Requerido.
4. Condena-se o Requerido a pagar m montante de €500 (quinhentos euros), a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da sentença.
É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por M..., que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
A/ Com exceção da indicação em cada concreto ponto julgado provado do meio de prova que o determinou, nada adianta o Tribunal quanto ao processo de convicção, nem qualquer exame crítico das provas ou ilações do que quer que seja, pelo que, em conformidade com o que dispõem o nº. 4 do Artº. 607 e a al. b) do nº. 1 do Artº. 615º, ambos do Código do Processo Civil, a Sentença é Nula;
B/ O deferimento da providência cautelar em matéria de propriedade intelectual, obedece aos requisitos gerais do procedimento cautelar comum, com eventual, ressalva da desnecessidade de verificação do periculum in mora e da proporcionalidade e, ainda, um dos seguintes requisitos específicos: a) Violação de direitos de autor ou de direitos conexos, ou; b) Fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável desses direitos;
C/ Apenas, vagamente, sem qualquer concretização em tempo e local, se deu como provado que: Por várias vezes que os comerciais da Requerente são confrontados com questões várias, como por exemplo, se a embalagem foi alterada e sobre a qualidade do produto, ou se lançaram no mercado uma nova marca denominada “INSTINTO LUSITANO, o que, a nosso ver, nem foi assim, tendo-se, tal factualidade, nos dizeres das testemunhas invocadas pelo Tribunal, cingido a uma única ocasião;
D/ Pelo menos desde Março de 2023 que a requerente terá visto os vinhos do requerido a serem comercializados e, com exceção do apontado facto, até ao dia da produção de prova (28.08.2023) não tiveram os autos relato de qualquer outra situação, pelo menos, as testemunhas não o revelaram;
E/ Ora, ouvidos os depoimentos que o Tribunal adianta para valorar este facto, não se descortina de onde se possa concluir “por várias vezes”, mas, outrossim e, apenas, uma única situação – Vd. depoimentos registados das testemunhas A... e AC... . Aliás, decorre expressamente destes depoimentos, minutos 5:04 e 5:25, respetivamente, que os seus clientes referiram que não compravam imitações e que não mudavam;
F/ Além disso, ouvidos dois comerciantes, um de Oliveira de Azeméis e outro de Estarreja – as testemunhas V... – (minuto 6:20) e N... (minuto 4:05), ambos comerciantes duas marcas, referiram perentoriamente que nenhum dos seus clientes alguma vez suscitou dúvidas ou confundiu qualquer uma das marcas e habitualmente nas suas prateleiras os produtos estão lado a lado, tão pouco a eles próprios suscitou quaisquer dúvidas;
G/ Terá, assim o apontado facto de passar a ter a seguinte redação: Por uma vez que os comerciais da Requerente foram confrontados com questões várias, como por exemplo, se a embalagem foi alterada e sobre a qualidade do produto, ou se lançaram no mercado uma nova marca denominada “INSTINTO LUSITANO;
H/ Não se verifica em concreto qualquer um dos requisitos de que depende o deferimento deste tipo de procedimento: a) Violação de direitos de autor ou de direitos conexos ou; b) Fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável desses direitos;
I/ Colocadas as embalagens lado a lado, não vemos qualquer semelhança que as possa confundir.
Assim, a embalagem da requerente:
- apresenta uma mera crina de um cavalo com traços a dourado brilhante;
- apresenta letras a dourado brilhante;
- o fundo é preto e brilhante;
- a palavra instinto é branca, mas num estilo de escrita diverso da do requerido;
A embalagem do requerido:
- apresenta um cavalo inteiro de cor amarela;
- a palavra Instinto, apesar da cor branca, está num estilo de escrita diferente, num tamanho diferente e num lugar da embalagem diferente;
- a cor de fundo é preto mate;
- a palavra lusitano está escrita em cor amarela, que não dourada;
- a embalagem é mais pequena;
- os demais dizeres são em letra, cor e tamanho, diversos dos da requerente;
43. Uma e outra cores são já usadas pelo requerido há longos anos com a marca por si comercializada “ouro de pias”.
Não se provou que: 4. Não se provou que na embalagem do Requerido da expressão “INSTINTO LUSITANO tenha o mesmo posicionamento (infirmado pelo teor dos docs.30 e 34);
J/ Assim, cremos, não existir qualquer semelhança e suscetibilidade de confusão entre a imagem da requerente e a do requerido, pelo que, estando ele autorizado a usar a marca “INSTINTO LUSITANO”, não lhe poderá ser vedada a possibilidade de comercializar o produto com a imagem constante dos autos.
Terminou sustentando o provimento do recurso e a revogação da decisão recorrida.
CONDADO PORTUCALENSE - SOCIEDADE DE VINHOS, LDA., respondeu às alegações de recurso concluindo:
A - O sinal que o Requerido introduziu no mercado imita os direitos de marca anteriores da Recorrida;
B – O sinal do Requerido produz, globalmente, uma impressão visual semelhante nos consumidores relevantes porque se baseia em dispositivos semelhantes, dispostos de forma idêntica aos que se encontram registados pela Recorrida;
C – Destaca-se a semelhança visual entre os sinais em confronto e a utilização das cores preto e dourado, apesar de ser num tom diferente de dourado e da cor preta não ser brilhante.
D - A estrutura ou layout e as cores são semelhantes.
E - Os sinais são visualmente semelhantes;
F - Conforme resulta de vasta Jurisprudência Nacional e Internacional, duas marcas são consideradas semelhantes quando, do ponto de vista do público pertinente são pelo menos parcialmente idênticas no que se refere a um ou mais aspectos visuais, orais e conceptuais.
G) O elemento prevalecente e dominante sinais em cotejo é a mesma expressão “INSTINTO” e o enquadramento gráfico de todos os restantes elementos (nominativos e figurativos) que os compõem.
H – Verifica-se o risco de o consumidor ser facilmente induzido em erro quanto à confusão e associação de marcas.
I – É evidente o perigo de lesão dos direitos da Requerente e da sua difícil irreparabilidade.
J – O Requerido não tem direitos anteriores sobre o sinal introduzido no mercado;
K – A sentença sob censura foi devidamente fundamentada;
L – A sentença sob censura não viola o preceituado no art. 607º, nº 4 do Código de Processo Civil;
M - O Requerido está a praticar actos de concorrência desleal, independentemente da sua vontade;
N – A Recorrida provou a existência de um fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável dos seus direitos de marca registadas
O - O Requerido deve ser impedido de utilizar o sinal misto “INSTINTO LUSITANO” conforme Doc. nº 30, junto aos autos, por imitar as marcas anteriores da Recorrida.
Sustentou, em tal âmbito: «deve o presente recurso ser considerado improcedente e, em consequência, ser mantida a decisão».
Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. arts. 635.°, n.° 4, e 639.°, n.° 1, ambos do Código de Processo Civil) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.°, n.° 2, por remissão do art. 663.º, n.° 2, do mesmo Código) – são as seguintes as questões a avaliar:
1. Por o Tribunal não ter dado cumprimento ao disposto no n.º 4 do art. 607.º e na al. b) do n.º 1 do art. 615.º, ambos do
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