Acórdão nº 1789/13.2 BELSB- S1 de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-12-15

Data de Julgamento15 Dezembro 2022
Ano2022
Número Acordão1789/13.2 BELSB- S1
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
1. R…, A… e B…, menor, representada em juízo pelos seus legais representantes, identificados em primeiro lugar, autores nos autos que correm termos no TAC de Lisboa sob o nº 1789/13.2BELSB, em que são réus o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE (Hospital de São Francisco Xavier) e outros, notificados da decisão constante da acta de audiência preliminar ocorrida em 21-9-2020, que julgou procedente a excepção de ilegitimidade e julgou os réus médicos Drª N…, Dr. F… e Drª M…, partes ilegítimas para intervirem na lide, não se conformando com a mesma, dela vieram interpor recurso jurisdicional, que foi admitido para subir em separado, tendo concluído a respectiva alegação nos seguintes termos:
A. A legitimidade das partes é um pressuposto processual.
B. O conceito de legitimidade das partes, em qualquer processo judicial, está formulado, em geral, nos artigos 26º e 26º-A do CPC.
C. A lei define a legitimidade (como o poder de dirigir o processo) através da titularidade do interesse em litígio.
D. Assim, a legitimidade não é uma qualidade pessoal das partes (como sucede com a capacidade) mas uma certa posição delas em face da relação material controvertida, ou seja, é o “poder de dispor do processo – de o conduzir ou estipular no papel de parte”.
E. Pelo que, são partes legitimas os titulares directos e imediatos da relação material controvertida, ou seja, os sujeitos activos e passivos dessa relação.
F. Para apuramento do pressuposto da legitimidade é adoptado o entendimento do Prof. Barbosa de Magalhães, segundo o qual a legitimidade se afere pela posição das partes na relação material controvertida, tal como ela é configurada na petição Inicial pelo autor.
G. As partes legitimas em litigio judicial são os sujeitos da relação jurídica definida pelo pedido formulado pelo autor, pois se assim não fosse o tribunal teria de se pronunciar sobre a existência ou inexistência da pretensão formulada que é matéria do mérito da causa, o que já não é matéria processual.
H. A legitimidade processual não se confunde com a denominada Legitimidade substantiva, requisito da procedência do pedido, sendo que, como se disse e se reitera, a primeira afere-se pelo pedido e causa de pedir, tal como os apresenta o autor, independentemente da prova dos factos que integram a última.
I. A relação material controvertida tal como ela foi configurada na petição inicial pelos autores, em face dos factos vertidos nos artigos 1º a 57º da P.I., os quais se dão por integralmente reproduzidos, sustenta legitimidade passiva dos réus médicos, porquanto são estes parte daquela relação e todos eles têm um interesse directo em contradizer.
J. Pelo que, em face das regras contidas nos artigos 26º e 26º-A do CPC conjugadas com o artigo 10º do CPTA, os réus médicos são partes legítimas para intervir a título principal nesta lide.
K. De igual modo, a legitimidade passiva, como pressuposto processual que é, não pode ser afastada pelo recurso aos artigos 2º e 3º do DL nº 48.051, como de seguida se expõe, porquanto essa matéria diz respeito à apreciação do mérito da causa, não sendo matéria processual.
L. O Decreto-Lei nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967, regula, efectivamente, a Responsabilidade Civil Extra-Contratual do Estado e demais Pessoas Colectivas por Actos de Gestão Pública.
M. No entanto, está longe de se encontrar sanada a controvérsia sobre a compatibilidade ou incompatibilidade constitucional do DL nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967 com os artigos 22º e 271º da CRP.
N. A corrente que militou a favor da inconstitucionalidade do DL nº 48,051, iniciou-se com o acórdão do STJ, de 6-5-86, que defendeu a caducidade daquele diploma na parte em que limita a responsabilidade dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes do Estado e demais entidades públicas.
O. Assim, segundo este entendimento, ocorre a responsabilidade solidária por factos ilícitos e culposos mesmo quando a culpa assuma a expressão de mera negligencia ou negligência leve.
P. Em igual sentido vai o acórdão nº 153/90 do Tribunal Constitucional, proferido em sede de fiscalização concreta, onde em apreciação incidental do artigo 22º da CRP se conclui ser aplicável a todos os casos de responsabilidade extracontratual do Estado e demais entidades públicas.
Q. E, de forma clara, se pronunciou o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1ª Secção, de 3-5-2001, Proc. nº 47.084, no sentido de que as entidades publicas são solidariamente responsáveis com os seus funcionários pelos actos ilícitos funcionais por estes praticados, quer a titulo de dolo, quer em casos de negligencia consciente ou inconsciente.
R. Para a outra corrente doutrinária, da conjugação dos artigos 22º e 271º da CRP, não resulta que o regime do DL nº 48.051, de 21-11-67 esteja posto em causa e consequentemente não se pode falar de inconstitucionalidade (cfr. Jorge Miranda – Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, Coimbra Editora; Dimas Lacerda in Contencioso Administrativo, Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado; Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição Republica Portuguesa Anotada).
S. A Jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo tomou partido nesta querela doutrinal, existindo acórdãos a favor da inconstitucionalidade e acórdãos a favor da compatibilidade do DL nº 48.051, de 21-11-67, com o texto constitucional, em concreto com os artigos 22º e 271º da CRP.
T. Não existindo, ainda, um acórdão uniformizador de Jurisprudência, sobre esta questão, sendo legítimo, invocar, os argumentos defendidos, quer pela corrente minoritária, quer pela corrente maioritária.
U. De notar ainda que, o artigo 2º do DL nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967, consagra a responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas públicas fundada na existência de uma culpa funcional, ou seja, a prática de “actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções por causa desse exercício”.
V. Consagra, assim, este preceito legal (cfr. artigo 2º do DL nº 48.051), a responsabilidade por factos ilícitos decorrente do exercício do cargo.
W. Quando o facto ilícito é praticado pelo órgão ou agente administrativo fora do exercício de funções, aplica-se o regime consagrado no artigo 3º do DL nº 48.051, de 21-11-67.
X. Nos termos do nº 1 do artigo 2º do DL nº 48.051, de 21-11-67, se a culpa do funcionário ou agente administrativo for leve, responde apenas civilmente a Administração Pública, devendo a acção prosseguir apenas contra esta.
Y. Mas se a culpa do funcionário ou agente administrativo for grave, por ter procedido com diligência e zelo manifestamente inferiores aos que dele se esperava em razão do cargo ocupado então a sua responsabilidade é solidária com a da Administração Publica – nº 2 do artigo 2º do DL nº 48.051, de 21-11-67.
Z. Sendo uma responsabilidade solidária (artigo 497º do Cód. Civil) ao autor assiste o direito de optar entre demandar apenas o Estado e demais entes públicos (e uma vez condenada a Administração esta tem direito de regresso sobre o agente administrativo culpado) ou de demandar...

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