Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2023 (caso Acórdão nº 17851/20.2T8LSB.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-11-28)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2023
Acordam os juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa



IRelatório


H, SRL, sociedade comercial de direito italiano com sede em Itália, instaurou a presente ação declarativa comum contra Gi (1º R.), Pl (2º R.), ambos residentes em Cabo Verde, e SI, SGPS, Ldª (3º R.), com os seguintes pedidos:
A. se reconheça à Autora o direito de preferência com eficácia real sobre as quotas melhor identificadas nos presentes autos, com aquisição registada a favor da 2ª Ré pela apresentação por depósito n.º 2044/2020-03-03, 2045/2020-03-03 e 2046/2020- 03-03, substituindo-se a segunda Ré pela Autora na escritura de doação;
B. sejam os réus condenados a entregarem as referidas quotas à Autora, livres e desoneradas;
C. seja a SI condenada a reconhecer a titularidade pela Autora das identificadas quotas;
D. seja o preço a pagar pela Autora ao Réu fixado no valor de € 490.000,00 (tal como declarado na escritura pública de doação);
E.– seja o preço a pagar pela Autora referido na alínea d) reduzido no valor de € 210.125,72, a título de compensação, acrescido dos juros de mora vincendos desde o dia 2.09.2020;
F.– seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que a 2ª Ré, adquirente, haja feito a seu favor em consequência da doação das supra identificadas quotas, designadamente o constante da Apresentação por depósito n.º 2044/2020-03-03, 2045/2020-03-03 e 2046/2020-03-03, e outras que esta venha a fazer, e
G.– seja ordenado o registo a favor da Autora da titularidade das supra identificadas quotas, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem.
Em fundamento dos pedidos alegou, em síntese, que é sócia fundadora da 3ªR. e titular de duas quotas sociais representativas de 43% do respetivo capital social, e o 1ºR. é titular de três quotas sociais representativas do restante capital social; que o contrato de sociedade prevê direito de preferência dos sócios na transmissão a qualquer título de quotas do capital social da 3ªR. “com o objetivo de manter o intuitu personae da sociedade evitando a entrada de terceiros não desejados no capital social da sociedade e controlando as alterações na estrutura societária.”, prevendo para o efeito o procedimento devido adotar pelo sócio e pela sociedade; que o contrato de sociedade encontra-se registado no registo comercial; que por escritura de 02.03.2020, depositada no registo em 03.03.2020, o 1ºR. dividiu a sua quota no valor nominal de €61.000,00 em duas novas quotas, reservou para si a nova quota no valor nominal de €7.000,00, e doou à 2ª R., sua filha, todas as demais de que era titular na 3ªR.; os 1º e 2ª RR. conhecem os estatutos da 3ºR. e não informaram a autora da intenção de alienação das quotas do 2ºR., nem da sua concretização; que o 1ºR. atribuiu às quotas objeto de cessão o valor total de €490.000,00; que a autora é titular de crédito sobre o 1ºR. que adquiriu em 27.04.2020 a sociedade de seguros italiana, correspondente a crédito de capital de €130.090,15 acrescido de juros calculados desde 01.02.2013 às taxas legais em vigor na Itália que, em 01.09.2020, ascendiam ao montante de €80.035,57; que o 1ºR. doou as quotas para evitar a penhora do único património que lhe é conhecido para satisfação daquele crédito; que aquele crédito deve ser deduzido ao preço a pagar ao 1ºR. pelo direito de preferência exercido nesta ação; que estão preenchidos todos os pressupostos do direito real de preferência da autora e os requisitos para o seu exercício judicial, e que vai proceder ao depósito de €490.000,00, sem prejuízo da dedução do valor do crédito alegado por compensação.
Juntou documento, arrolou uma testemunha e, depois de expedidas as citações dos réus, juntou DUC descritivo de depósito autónomo do montante de €490.000,00 e ordem de transferência do mesmo datada de 15.09.2020, nos termos e para os efeitos do art. 1410º do Código Civil e do ofício circular nº 1 do IGFEJ/DGAJ de 2018.01.03.

2.– Os réus apresentaram contestação conjunta. Por exceção, invocando a caducidade da ação com fundamento no alegado conhecimento da doação pela autora desde a data do respetivo registo comercial, 03.03.2020. Por impugnação, alegando, em síntese, que por carta com aviso de receção de 30.10.2018 que a autora recebeu, o 1ºR. informou-a da intenção de proceder à doação de quotas à sua filha; que esta não pode ser considerada terceira estranha à sociedade nos termos e para os efeitos da cláusula de preferência invocada pela autora porque a mesma foi gerente da 3ªR. e é filha do 1ºR., sócio fundador, nem aquela cláusula pode afastar o disposto no art. 228º, nº 1 do CSC; que a doação em questão não é passível do exercício do direito de preferência por parte de outro sócio porque foi feita por conta da quota disponível exclusivamente por a donatária ser sua filha e herdeira, o que não é possível replicar com qualquer outro adquirente, pelo que na remota hipótese da invalidade da doação por preterição de qualquer formalidade só poderia gerar nulidade da mesma, com consequente regresso das quotas à esfera do doador; que o crédito da autora sobre o 1ºR. era de €137.646,27 e não vencia juros, pelo que o depósito do valor com a dedução feita pela autora sempre teria de considerar-se insuficiente, mais alegando que em 03.09.2021 aquele pagou à autora a sobredita dívida; que o valor das quotas nunca seria o indicado na escritura de doação, que o foi por defeito por tratar-se de doação de pai para filha por conta da quota disponível. Concluíram pela improcedência da ação.
Arrolaram testemunhas e requereram depoimento de parte da autora na pessoa do seu legal representante.

3.–Em resposta a autora: requereu prazo para responder à exceção arguida; requereu a admissão da arguição da falsidade de documento junto com a contestação nos termos e para os efeitos do art. 446º do CPC - correspondente à comunicação datada de 30.10.2018 que alega não ter recebido, correspondendo o aviso de receção junto com a contestação à única comunicação que recebeu do 1ºR. no início de novembro de 2018 – e da prova testemunhal e documental para o efeito requerida; confirmou que o crédito da autora sobre o 1ºR. invocado na petição inicial já foi integralmente liquidado, que para efeitos do exercício do direito de preferência depositou o montante integral de € 490.000,00 correspondente à quantia expressa na escritura pública de doação junta, e requereu que o pedido formulado na alínea e) do petitório – de que o preço a pagar pela Autora de € 490.000,00 seja reduzido no valor de € 210.125,72, a título de compensação, acrescido os respetivos juros de mora vincendos desde o dia 02.09.2020 – seja julgado supervenientemente inútil, com repartição das eventuais custas em partes iguais nos termos do art. 536º, nº1 do CPC; mais requereu o indeferimento do requerido depoimento de parte da autora através do respetivo representante legal.

4.– Por despacho de 25.01.2023 o tribunal recorrido consignou não se mostrar necessária a realização de audiência prévia para discussão das questões debatidas nos articulados e dispor dos elementos necessários para, por referência à posição sobre a questão da eficácia real do direito de preferência convencional fundamento da presente ação, apreciar do mérito da causa, e mais ordenou a notificação das partes para a respeito se pronunciarem.

5.– A autora pronunciou-se reiterando que o artigo 15º dos Estatutos da 3ªR constitui uma cláusula estatutária de preferência com eficácia real, manifestou oposição à apreciação de mérito em sede de saneador-sentença por haver matéria controvertida carecida de produção de prova, atinente com o valor de mercado das quotas em causa nos autos, e requereu a realização da audiência prévia.

6.– O tribunal declarou a extinção da instância relativa ao pedido de compensação deduzido pela autora, consignou que a lei não confere à parte o direito de se opor a que a causa seja decidida de mérito no saneador, reiterou que o processo reúne desde já os elementos necessários com vista à sua decisão, considerou que a autora exerceu plenamente o contraditório quanto à questão suscitada e que a marcação de audiência prévia para efeitos do disposto no art. 591.º, n.º 1, al. b), do C.P.C. consubstanciaria um ato inútil, e conheceu de mérito nos termos do art. 595.º, n.º 1, al. b) do CPC.

7.– Em sede de saneador sentença foram julgadas improcedentes as exceções da caducidade da ação e da falta de depósito do preço arguidas pelos réus e, concluindo pela ausência de eficácia real da cláusula estatutária invocada pela autora em fundamento do exercício judicial do direito de preferência, foi proferida a seguinte decisão:
Nestes termos, o Tribunal julga a ação, totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, decide:
- absolver os réus dos pedidos contra si deduzido pela autora H SRL;
- condenar a autora nas custas do processo.
Valor da ação: € 490.000,00 – art. 301.º e 306.º do C.P.C..

8.– Inconformada a autora recorreu da sentença requerendo a sua revogação e substituição por outra que declare integralmente procedente a ação e o que nela vem peticionado. Apresentou alegações que sintetizou nas seguintes conclusões:
1.- Vem interposto o presente recurso de apelação da douta sentença recorrida que julgou integralmente improcedente a ação de preferência instaurada pela Autora com base no argumento segundo o qual a cláusula estatutária de preferência prevista nos Estatutos (devidamente registados) da SI (3.ª Ré) não teria eficácia real;
2.- Todavia, e salvo melhor opinião, a douta sentença em crise não tem qualquer fundamento de facto e de Direito, contrariando, inclusivamente, o facto de que os Réus – ora Recorridos – não colocaram em causa, em sede de contestação, a eficácia real da cláusula estatutária de preferência prevista nos Estatutos (devidamente registados) da SI (3.ª Ré);
3.- Antes de mais, REQUER-SE a
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