Acórdão nº 1784/21.8T8LOU-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-05-19

Ano2022
Número Acordão1784/21.8T8LOU-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 1784/21.8T8LOU-A.P1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – RESENHA HISTÓRICA DO PROCESSO
1. AA instaurou execução contra BB, I..., SA e contra C..., Unipessoal, Lda [1], constituindo título executivo uma sentença (não transitada em julgado), que declarou a ineficácia do ato de alienação pelo Réu BB, mediante entrada em espécie no capital social da Ré I..., S.A., de:
a) metade indivisa de um prédio urbano, parcela de terreno destinada a construção, sito no Lugar ..., ..., freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, descrito na CRP Paços de Ferreira sob o n.º ..., inscrito na respetiva matriz sob o n.º ..., e
b) metade indivisa de um prédio urbano, parcela de terreno destinada a construção, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, descrito na CRP Paços de Ferreira sob o n.º ..., na qual, pela AP. ... de 2018/06/14, inscrito na respetiva matriz sob o n.º ..., autorizando-se a execução respetiva na medida em que tal execução se mostre necessária para assegurar ao Autor o pagamento de 100.000 EUR.
A Executada X..., L.da deduziu embargos de executado em que, para além de impugnar parcialmente a factualidade alegada, suscitou a sua ilegitimidade, a impropriedade do meio processual de execução e o abuso de direito.
Em contestação, a Exequente respondeu às exceções suscitadas e sustentou a improcedência dos embargos.
Em saneador-sentença, o M.mº Juiz considerou a Embargante parte ilegítima para a execução, pelo que a absolveu da instância executiva.

2. Inconformado com tal decisão, dela apelou o Exequente, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«1. Vem o presente recurso interposto do saneador sentença do Juízo de Execução de Lousada (Juiz 1), de fls..., proferido nos autos de embargos do executado em referência e que julgou absolver da instância executiva a embargante X..., L.da, com a inerente extinção da execução contra a mesma e levantamento da penhora de bens de sua propriedade, incluindo sobre os imóveis referidos nos factos provados.
2. De acordo com o essencial da fundamentação do saneador sentença de que ora se recorre, a embargante não figura como devedora/condenada na sentença exequenda, de tal forma que, pela regra geral, não lhe assiste legitimidade passiva para a execução, a que acresce o facto de as alusões do exequente aos artigos 54º/1 do NCPC e 613º, 616º e 617º/2 do CC serem despropositadas, e, a única hipótese, vislumbrada pelo Tribunal, de salvaguardar a posição do exequente/credor (autor na ação de impugnação pauliana) seria apenas concebível na hipótese de aquele ter registado a ação de impugnação pauliana antes do registo da transmissão posterior, o que, manifestamente, não ocorreu, pois a ação nem sequer foi registada, razão pela qual a sentença recorrida conclui lhe imputando toda a responsabilidade pelas eventuais dificuldades que encontre em assegurar o seu direito no caso de sucessivas transmissões dos bens.
3. Salvo o devido respeito, a sentença recorrida viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos do credor ao interpretar, restritivamente, a letra da lei, mais ignorando inúmera jurisprudência reputada e consolidada sobre a temática da ação pauliana mas, sobretudo, ignorando a globalidade dos factos trazidos para o processo, não os considerando nem interpretando como um todo, recorrendo, inclusive, a presunções judiciais as quais seriam sempre admissíveis.
4. Na verdade, é jurisprudência maioritária que o registo da ação de impugnação pauliana não é obrigatório e não define, por si só, a possibilidade ou impossibilidade de o credor fazer valer o seu direito de crédito, no caso de s sucessivas transmissões dos bens cuja ineficácia foi declarada na dita ação.
5. O registo tem apenas por finalidade e/ou utilidade dar publicidade à existência do litígio e facilita o ónus da prova da má-fé, a que se refere o art. 612º C.C., no caso de o credor querer “perseguir” o bem, instaurando novas ações de impugnação pauliana, dispensando-o, nesse caso, daquela prova.
6. Da falta de registo da ação de impugnação pauliana não resulta, contudo, a boa fé do terceiro adquirente do bem, nem sequer, a intangibilidade dos bens transmitidos a esse terceiro, o qual, de má fé, será sempre responsável pelo valor dos bens que lhe foram transmitidos ou, se de boa fé, pela medida do seu enriquecimento (vide art. 616º C.C.).
7. A embargante confessou na petição de embargos (cfr. art. 24º a 36º) ser conhecedora da existência e dos termos da ação de impugnação pauliana movida contra BB, I..., S.A., CC e DD, cuja sentença se deu como título bastante à execução de que estes embargos são apensos, mais confessando que todos os ali demandados se limitaram (posteriormente, no decurso da ação, ao constituir sucessivas sociedades das quais eram sócios e/ou acionistas e que vieram a adquirir, sucessivamente, os bens) a exercer “o direito e o dever de lutar pela vida, direito que o exequente tem procurado e continua a procurar impedir de ser exercido” (cfr. petição embargos).
8. Ou seja, a interpretação acolhida pela sentença recorrida faz tábua rasa da má fé da aqui embargante (ou conhecimento assumido por ela própria de que os bens que estava a adquirir respondiam pela dívida do credor exequente e a anterior transmissão já havia sido declarada ineficaz em ação na qual os seus sócios CC e DD haviam sido, inclusive, demandados individualmente),
9. Permitindo que a embargante, em manifesto abuso de direito (cfr. art. 334º C.C.), não responda, perante o credor/embargado, pelo valor dos bens que recebeu (não obstante conhecedora da declaração anterior da ineficácia da transmissão), com o intuito de, em conluio com os demais, os libertar ou não os fazer responder pela dívida originária de BB (sócio gerente da embargante e pai dos restantes sócios CC e DD), numa manobra de claro prejuízo para o credor/embargado.
10. Existirá abuso de direito quando a embargante, detentora embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito do embargado a ser pago dos 100 mil euros, criando-se uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito por parte da embargada (sociedade criada ficticiamente para “pôr a descoberto” os bens objeto da ação pauliana) e as consequências a suportar pelo embargado AA contra o qual é invocado.
11. Ou seja, tendo a transmissão da propriedade dos bens ora penhorados para os subadquirentes ocorrido na pendência da ação impugnação pauliana que não foi, nem tinha que ser objeto de registo, e não depois de transitada em julgado e registada a sentença proferida nesta ação, sempre se aplicaria, a contrario, à situação sub iudice o art. 263º/3 do CPCP que dispõe que “a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, exceto no caso de a ação estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo (o que não é, como vimos, o caso, isto é, a ação não está sujeita a registo!).
12. Nesse pressuposto, o credor, aqui embargado/recorrente optou por exercer as faculdades previstas no art. 616º/2 e 3 C.C., responsabilizando os adquirentes de má fé pelo valor dos bens em crise nos autos, sem ter que discutir (desnecessariamente) os pressupostos de que depende a ação de impugnação pauliana.
13. Porquanto, como é evidenciado por Cura Mariano (ob. Cit.), já está definida a má-fé desde a primeira alienação e a “responsabilidade deriva, a partir da má fé e da segunda alienação, como simples decorrência legal”.
14. Ora, se é o valor dos bens sobre os quais foi deferida a impugnação pauliana que pode ser perseguido pelo credor, basta a simples indicação pelo exequente do valor dos mesmos e do valor da responsabilidade do adquirente.
15. Conforme se alegou e resultou confessado (nos art. 24º a 35º da petição de embargos), a embargante encontra-se de má-fé porquanto os seus sócios foram demandados individualmente na ação pauliana e, sendo titulares da vontade conformadora da sociedade (não existindo outros sócios para além deles, a saber, BB, CC e DD), pode-se afirmar que a X..., Lda., também desse facto detinha direto conhecimento.
16. No que toca a atos de alienação de bens a terceiros, a procedência da ação de impugnação pauliana concede ao credor a possibilidade de os executar ou executar providências conservatórias dos mesmos, no património de terceiro, e, como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela “não é necessária a entrada dos bens no património do alienante para aí serem executados. Pode mover-se logo a execução contra o adquirente dos mesmos bens”.
17. A este respeito Amâncio Ferreira acrescenta que a impugnação pauliana “... se encontra(r) equiparada à prevista naquele preceito legal no art. 818º CC sob a epígrafe execução de bens de terceiro, onde se possibilita uma execução sobre estes bens por estes se encontrarem ou vinculados à garantia do crédito ou onerados com a obrigação de restituição, e não, em nenhum dos casos, por os terceiros figurarem no título como devedores. Como defende Amâncio Ferreira a legitimidade passiva do adquirente, em caso de impugnação pauliana procedente não se funda no art. 55º CPC.”.
18. Um dos casos em que a sentença pode produzir efeitos em relação a terceiros, ainda que este não intervenha no processo, é aquele em que a transmissão da coisa ou direito litigioso se processa para o adquirente na pendência da ação declarativa de impugnação pauliana e a sentença seja proferida contra o transmitente, (vide acórdão Relação Porto de 04/02/2014 cit.).
19. O exequente/embargado/recorrente dispõe, assim, de título executivo bastante para promover a execução contra a
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