Acórdão nº 178/22.2 BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão178/22.2 BCLSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O A., Centro Recreativo e Cultural de Távora veio interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral de Desporto (TAD), em 04.10.2022, que, no âmbito do processo n.º 53/2020, absolveu da instância a R., Associação de Futebol de Viana do Castelo (AFVC), dando por verificada a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, na ação que o A., ora Recorrente, intentou junto daquele tribunal arbitral e na qual havia peticionado a título principal, a declaração de nulidade do acórdão do Conselho Jurisdicional da R., que, tendo revogado o acórdão do seu Conselho de Disciplina, aplicou ao ali arguido N… Futebol Clube, a sanção de derrota por 3-0, no jogo n.° 204.0.158.0 que este clube disputou em 17.03.2013 contra o Grupo Desportivo de B…. Nos autos, indicou como contrainteressados o Grupo Desportivo de B… e o Sport Clube V….


Em sede de alegações de recurso, concluiu como se segue – cfr. fls. 44 e ss., do SITAF:

«(…)

A) O presente recurso tem por objeto o Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto proferido em 04 de Outubro de 2022, que julgou improcedente a ação por verificação da existência de uma exceção dilatória insuprível (ilegitimidade ativa), e absolveu a Demandada da instância.

B) O Tribunal a quo concluiu que “Para efeitos disciplinares, não integra o conceito de contrainteressado todo aquele que não é sujeito da relação material controvertida em apreciação, excluindo-se, assim, da mesma todos aqueles que, em abstrato, de forma indireta, reflexa ou mediata, possam vir a alegar um prejuízo”, sendo que, por via disso, “Não comete qualquer nulidade, por preterição de citação, o órgão jurisdicional que promove, em sede de recurso, a citação exclusivamente dos intervenientes na relação material controvertida, objeto do processo disciplinar que deu origem à interposição do dito recurso administrativo ou gracioso”.

C) Com o devido respeito, o Recorrente não pode, de todo, aceitar estes argumentos baseados em correntes doutrinais e de opinião atualmente minoritárias, pelo que considera-se que o Acórdão proferido pelo Colégio de Árbitros do TAD incorre em manifesto erro de julgamento, coartando ilegalmente os mecanismos de defesa do Recorrente, violando o princípio do contraditório e violando inclusivamente princípios constitucionais, impondo-se, por isso, a sua. anulação.

D) Dispõe o artigo 57° do CPTA que, nos processos de impugnação de atos administrativos, “Para além da entidade autora do ato impugnado, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”, Em termos idênticos, a figura é referida em sede dos processos de condenação à prática de atos administrativos, no artigo 68° n.° 2 do CPTA.

E) A figura dos contrainteressados tem sido ao longo dos anos uma questão controversa no Direito Processual Administrativo e na Arbitragem, admitindo-se que, em geral, a delimitação dos contrainteressados é efetuada de acordo com o conceito utilizado pelo artigo 10°, n.° 1, do CPTA, no âmbito da legitimidade processual, correspondendo a quem tenha “interesses contrapostos ao autor” ou a existência de legítimo interesse “na manutenção do ato impugnado” (artigos 57,° do CPTA) ou a possibilidade de prejudicar diretamente a prática de um ato administrativo (68.°, n.° 2, do CPTA).

F) Atualmente, é corrente dominante que os contrainteressados são efetivamente partes processuais, defendendo que os contrainteressados são verdadeiros sujeitos processuais que carecem de tutela, devendo ser protegidos pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva (art. 20° e 268°/4 da CRP) e pelo princípio do contraditório, que impõe obrigatoriamente a intervenção destes no processo (art. 2o e 95° CPTA e 3.° CPC).

G) Assim, cabe desde logo ao autor, quando propõe a ação, indicar, na sua petição inicial, quem serão os eventuais contrainteressados para que estes tomem conhecimento de que são parte num processo (art. 78°/2/b) e 78°-A CPTA), sendo que somente com a possibilidade de todos intervirem na ação é que a decisão pode vincular eficazmente todos os que por ela possam ser afetados

H) O contrainteressado tem de ser titular de uma posição substantiva, de um direito ou interesse legalmente protegido, tomando como referência a concreta relação material controvertida trazida a juízo (art. 268° CRP), havendo que aferir caso a caso qual o prejuízo que resulta da procedência da ação para o contrainteressado e que leva à eliminação de uma vantagem que lhe foi concedida.

I) Deve, pois, ser feito um juízo de prognose, de modo a determinar se o contrainteressado é efetivamente prejudicado pelo ato praticado e se sim, quais os danos que teria se não fosse chamado a juízo.

J) A doutrina dominante considera que os contrainteressados são intervenientes necessários no processo, sendo que, pelo facto de verem a sua situação jurídica definida pela prática de determinado ato administrativo, têm direito a intervir no processo, não podendo ser deixados à margem deste. Neste novo paradigma do Contencioso Administrativo, devem ser vistos como sujeitos principais dotados de legitimidade ativa e passiva, tanto que o CPTA distingue a participação dos contrainteressados como partes principais (art. 10°/1) da intervenção de terceiros (art. 10°/10)”. Deve ser adotado um conceito amplo de contrainteressado, sendo necessário fugir ao teor literal dos artigos 57° e 68° n.° 2 do CPTA.

K) O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/11/2015 determina que “Na categoria de contra interessado cabem, pois, duas espécies de pessoas; em primeiro lugar, aquelas que são diretamente prejudicados pela anulação ou declaração de nulidade do ato impugnado e, depois, aquelas cujo prejuízo não resulta diretamente dessa anulação ou declaração de nulidade mas que, ainda assim, têm interesse legítimo na manutenção do ato visto que, se assim não for, verão a sua esfera jurídica ser negativamente afetada

L) Paulo Otero explica que “a simples circunstância de o contrainteressado ser materialmente titular de interesses que justificam ser chamado ao processo permite encontrar o fundamento da sua intervenção processual no âmbito do direito fundamental de acesso à justiça que o artigo 20° da Constituição garantem todas as pessoas, desenvolvido e completado peio direito a uma tutela jurisdicional efetiva dos administrados em sede de contencioso administrativo” Logo, a tutela processual dos contrainteressados é um corolário do princípio da justiça administrativa, do princípio do contraditório, e, do princípio da igualdade das partes.

M) Os artigos 57° e 68° n.° 2 do CPTA dão concretização ao regime da legitimidade passiva constante no artigo 10° n.° 1, 2.a parte, do CPTA, que estipula a obrigatoriedade do chamamento ao processo dos contrainteressados. Portanto cabe ao autor, na petição inicial, indicar quem serão os eventuais contrainteressados. Se não o fizer dá azo à recusa da petição pela secretaria nos termos do artigo 80° n. °1 alíneas b) e c) do CPTA). Estamos perante o instituto do litisconsórcio necessário passivo.

N) Em suma, o fundamento da intervenção processual dos contrainteressados no processo assenta em valores de índole constitucional - o direito de acesso à justiça e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados conjugados com o princípio do contraditório e o princípio da igualdade das partes, pelo que a situação dos contrainteressados deve ser enquadrada no instituto do litisconsórcio necessário.

O) Transportando o exposto para os factos ocorridos e para os fundamentos da decisão recorrida, parece-nos clara e evidente a posição de contrainteressado do ora Recorrente no âmbito do recurso apresentado pelo GD B… perante o Conselho de Justiça da Demandada.

P) No momento em que o GD B… apresentou tal Recurso pedindo a condenação do N… FC em pena de derrota no encontro disputado entre ambos em 17/03/2013 e, consequentemente, a atribuição dos pontos de vitória a si próprio, tal facto podia acarretar a que o GD B… fosse beneficiado, na prática, com mais 2 pontos na tabela classificativa (pois pelo empate verificado nesse jogo já tinha conquistado um ponto).

Q) Este facto, desde logo, podia potenciar ao GD B… uma pontuação de 29 pontos em vez dos 27, o que desde logo lhe traria grande vantagem na luta pela manutenção (mesmo folgando na 30° e última jornada), pois ficava com 4 pontos a mais do que o antepenúltimo classificado (precisamente o ora Recorrente), condenando quase irremediavelmente este clube à descida.

R) Em face do descrito, era mais do que evidente que o CRC Távora, no momento da interposição desse recurso, era parte interessada no mesmo, nos termos do n.° 1 do artigo 37° e do n.° 2 do artigo 21° do Regimento do Conselho de Justiça da FPF, na medida em que a procedência desse recurso o podia diretamente prejudicar (como efetivamente veio a acontecer), pelo que deveria ter...

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