Acórdão nº 1779/21.1T8AMT-G.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-09-26

Ano2023
Número Acordão1779/21.1T8AMT-G.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 1779/21.1T8AMT-G.P1- APELAÇÃO
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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:
1. AA e BB intentaram Acção de Impugnação da Declaração de Resolução de Negócio Jurídico, contra a Massa Insolvente de CC, formulando os seguintes pedidos:
a) ser declarada a nulidade da declaração de resolução, por falta de fundamento e, consequentemente a nulidade da resolução, mantendo-se por válido o contrato de compra e venda objeto de resolução;
b) caso assim se não entenda, o que não se concede,
c) ser anulada/revogada a declaração de resolução de pagamento, mantendo-se por válido o contrato de compra e venda objeto de resolução.
Como fundamento da referida pretensão, alegaram em síntese que, por carta registada de 12.09.2022 o Administrador da Insolvência procedeu à resolução, em beneficio da massa insolvente, do contrato de compra e venda, realizado no dia 14.04.2020, do prédio urbano identificado nos autos, no qual os Autores foram compradores e um dos vendedores CC (entretanto declarado insolvente), sustentando que a resolução efectuada e sob impugnação é destituída de fundamento de facto e de direito, não tendo sido alegados na carta de resolução quaisquer factos concretos subsumíveis ao conceito de prejudicialidade e má-fé, apenas uma remissão para os arts. 120º nº1, 2, 4 e 5 e 49º do CIRE, quando da carta resolutiva deve constar a indicação de todos os factos que a justificam, factos concretos essenciais que revelem as razões invocadas para a destruição do negócio e permitam aos destinatários da declaração a sua posterior impugnação, o que não ocorreu no caso sub judice, concluindo que a carta resolutiva está ferida do vício da nulidade por falta de fundamentação o que acarreta a nulidade da própria resolução.
Sem prejuízo, invocaram ainda que CC era apenas comproprietário do imóvel vendido, dono de apenas ½, tendo sido vendida a outra parte pela comproprietária DD no contrato de compra e venda que foi objecto de resolução, não sendo esta insolvente nos presentes autos, nem tendo qualquer intervenção no processo de insolvência, o que era do conhecimento do AI, tendo a resolução atingido indevidamente a totalidade do imóvel e do contrato de compra e venda, o que ofende o direito de propriedade dos impugnantes validamente constituído, consubstanciando um locupletamento injusto e indevido da massa insolvente à custa dos impugnantes e da contraente vendedora DD, impondo-se a nulidade/anulação/revogação da resolução operada nos autos.

2. A Ré Massa Insolvente deduziu contestação, impugnando os factos alegados na petição inicial e, concluindo pela sua improcedência, sustentando que a mera alienação de um bem imóvel é objectivamente um acto que prejudica a massa, tal como o AI explicitou na carta de resolução e que a má-fé dos impugnantes presume-se nos termos do art. 124º nº 4 do CIRE, sendo que todas as pessoas da freguesia ..., nelas incluídas os impugnantes e o pai do impugnante, sabiam há muito tempo, mesmo aquando do negócio resolvido, do estado de total e absoluta debilidade económica e financeira do insolvente, sendo factos que constam abundantemente do processo, do conhecimento oficioso, não sendo preciso alegá-los, verificando-se, à saciedade, pelo menos a alínea b) do art. 120º nº 5 do CIRE, sendo suficiente que o AI tenha remetido para as várias alíneas do art. 120º nº 5 do CIRE.

3. Realizada audiência prévia, na qual as partes alegaram sobre a questão jurídica em discussão, veio a ser proferido despacho Saneador/Sentença, nos seguintes termos:
“Em face do exposto, o Tribunal decide julgar procedente acção e, em consequência:
a) revogar o acto de resolução efectuado pelo Sr. Administrador de Insolvência e neste processo impugnado, mais concretamente o negócio de compra e venda, contrato de compra e venda, realizada no dia 14.04. 2020, referente ao Prédio Urbano composto de Parcela de Terreno para Construção, sito na Travessa ..., freguesia ..., concelho de Paredes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo .......
b) Custas pela Massa Insolvente.
Registe e notifique.”

4. Inconformada, a Massa Insolvente interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
a) O início do presente processo de insolvência teve lugar a 19 de Novembro de 2021, quando o então Administrador Judicial Provisório, no âmbito do PEAP, considerou que o ora Recorrido CC se encontrava em situação de insolvência e comunicou tal situação ao Tribunal, mais requerendo que essa insolvência fosse decretada, o que veio a suceder por sentença proferida em 21 de Janeiro de 2022, transitada em julgado.
b) Ora, o negócio de alienação imobiliária que os autos noticiam foi celebrado em 14 de Abril de 2020, ou seja, entre a data de tal negócio e a data do início do processo de insolvência mediaram bem menos do que dois anos.
c) E o art. 120°.l do CIRE prevê a resolução em benefício da Massa Insolvente dos atos prejudiciais à Massa praticados dentro dos dois anos anteriores a data do início do processo de insolvência. Daí que o AI tenha declarado a resolução de tal negócio aleatório e tenha comunicado (por carta) aos interessados tal resolução.
d) Aderindo à posição manifestada pelos Recorridos, o Tribunal de 1.ª Instância entendeu que a carta de resolução não continha a fundamentação fáctica necessária para poder ser convenientemente impugnada.
e) Conclui a Mmª Juiz a quo que, na carta resolutiva, devem: a) constar as razões de facto e de direito que sustentem o pedido de resolução; b) a inexistência de contradição entre as causas de pedir; c) a ausência de contradição entre a causa de pedir e o pedido…, como se os AI´s fossem exímios juristas e processualistas para terem que perceber o significado destes conceitos.
f) Na sequência do seu raciocínio (não acertado, no entender da Recorrente), o Tribunal de 1ª Instância “teve” que concordar com os agora Recorridos quando estes referiram que a carta resolutiva não alegava os factos concrectos que preenchessem o conceito da prejudicialidade.
g) Singelamente, a Mmª Juiz a quo decidiu que a carta resolutiva consubstanciava um juízo meramente conclusivo, nela não se articulando factos de onde pudesse aferir-se essa prejudicialidade.
h) Ora, o que sucede é que os AI’s não têm que perceber os conceitos de causas de pedir, de pedidos, de contradições entre umas e outras, e outros conceitos do género, nem têm que saber fazer articulados (como se Advogados fossem).
i) A carta que foi enviada é mais do que suficiente para que os destinatários bem percebessem o prejuízo causado à Massa Insolvente decorrente da venda efectuada.
j) Em tese, a alienação de um bem imóvel, seja em que momento for, é, óbvia e objectivamente, um acto que prejudica a massa, pois que esta vê-se, assim, despojada de um prédio (e do valor que ele representa, muito ou pouco) e isto e um facto notório e evidente.
k) Ainda assim, o AI esteve muito bem na declaração resolutiva, explicando "que a venda do imóvel consiste numa alienação de património na titularidade do insolvente, património esse que, de outro modo, estaria destinado à liquidação para satisfação dos créditos da insolvência, verificando-se, assim, o requisito da prejudicialidade".
l) O AI não poderia ter sido mais claro: -a alienação do imóvel consistiu na retirada do património de um prédio da futura MI e que se tal alienação não tivesse ocorrido, tal imóvel “permaneceria” na MI para ser liquidado, com o propósito de, assim, se satisfazerem (melhor) os créditos da insolvência.
m) No contexto deste processo de insolvência, esta MI ficou prejudicada com este ato de alienação e, por isso, muito bem este este AI ao resolver tal negócio, resolução essa que foi devidamente explicada aos adquirentes e que estes bem perceberam. BASTA LER A PETIÇÃO INICIAL.
n) São múltiplos os Acórdãos (vertidos na Fundamentação desta peça) que defendem que as cartas resolutivas devem ser sintéticas e não abundantes, sendo desnecessárias exaustivas indicações de todos os factos que as justificam.
o) Lendo a carta resolutiva, qualquer português de mediana sabedoria percebe o conteúdo daquela: -resolve-se um negócio de alienação celebrado em determinada data porque o mesmo foi prejudicial para a MI, na medida em que, se ele (negócio) não tivesse ocorrido, o imóvel seria liquidado (em sede judicial) e o valor da venda reverteria para os credores da Insolvência.
p) Portanto, e em síntese, quanto a este ponto da prejudicialidade, nada há a censurar a atuação resolutiva do AI.
q) Quanto à questão da má-fé dos Recorridos, sabe-se que a resolução não incondicional pressupõe essa má-fé dos terceiros adquirentes (cfr. o art. 124°.4, ab initio do CIRE).
r) Igualmente, o Tribunal de 1.ª Instância entendeu que o AI, qual “processualista experimentado”, haveria de ter “articulado” (…insistindo no sentido de que os AI´s têm que apresentar “articulados”, em vez de simples cartas resolutivas) factos concrectos que sustentassem a má-fé dos adquirentes.
s) O que sucede é que, no caso concrecto, a má-fé presume-se, nos termos do proémio do art. 120º.4 do CIRE, atenta a data da celebração do acto alienatório.
t) Por outro lado, o art. 120°.5 do CIRE define a má-fé: -é o conhecimento, por parte do terceiro, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias: 1. de que o devedor se encontrava em situação de
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