Acórdão nº 177/19.1TXEVR-O.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 13-09-2023

Data de Julgamento13 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão177/19.1TXEVR-O.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
Por despacho proferido em 28.4.2023 foi negada a liberdade condicional ao recluso JT .
Inconformado, interpôs recurso formulando as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal de Execução de Penas na qual foi o Arguido, aqui Recorrente, informado da recusa da concessão da liberdade condicional, em virtude de alegadamente não ter interiorizado a sua conduta criminal, não revelar juízo crítico quanto ao seu comportamento e por não reunir garantias suficientes que permitam concluir pela sua reinserção social.
B. O Arguido já antes havia recorrido para o Tribunal da Relação de Lisboa, em 14.02.2022, da decisão do Tribunal de Execução das Penas que recusou dar início ao legalmente obrigatório processo de liberdade condicional, apelando a uma ilegal fundamentação baseada na existência de “processos pendentes” contra o Arguido.
C. Pronunciando-se sobre o Recurso interposto pelo Arguido, o Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão proferido em 26.01.2023, considerando que o entendimento do Tribunal de Execução das Penas “prejudica o Arguido” e “não tem acolhimento legal”, veio ordenar a abertura do processo.
D. Obrigado a cumprir a Lei e a abrir o processo de apreciação da liberdade condicional, e conhecendo a improcedência do fundamento inicialmente invocado para negar a abertura do processo, veio agora o Tribunal a quo, sem ter novos elementos de facto ou de direito, invocar novos fundamentos, legalmente inadmissíveis, para continuar a recusar a libertação antecipada que é devida ao Arguido.
E. A contraditoriedade à Lei da decisão aqui recorrida decorre, por um lado, da circunstância de o Tribunal recorrido se ter afastado da análise dos pressupostos simplificados de que depende, nesta altura, verificado o cumprimento de 2/3 da pena, a liberdade condicional, e, por outro lado, do facto de mencionar expressamente um conjunto de fatores que, a terem sido devidamente ponderados, sempre deveriam ter determinado a concessão da liberdade condicional, porquanto são em si suficientes para o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 61.°, n.° 2, alínea a), do CP.
O arrependimento do Arguido e a sua exteriorização através de comportamentos que revelam uma conformidade normativa
F. Fundamentou o Tribunal de Execução das Penas a decisão de não concessão da liberdade condicional ao aqui Arguido, essencialmente na circunstância de este “[d]emonstra[r] muito pouca consciência crítica face aos factos por cuja prática foi condenado” e numa suposta “fragilidade ao nível da interiorização da conduta criminal, sendo fraco o seu juízo crítico e, consequentemente, a sua motivação para a mudança (...)”.
G. O Tribunal de Execução das Penas suportou, assim, a sua recusa em libertar condicionalmente o Arguido na suposta inexistência de arrependimento, valorando a alegada ausência de interiorização da conduta criminal em sentido desfavorável aos requisitos de prevenção especial que a lei impõe.
H. Este argumento invocado pela Decisão recorrida para recusar a concessão da liberdade condicional, baseado na não demonstração de uma “interiorização da conduta criminal”, vem substituir o fundamento utilizado previamente pelo Tribunal a quo para rejeitar o pedido de apreciação da liberdade condicional, com base na existência de outros processos pendentes contra o aqui Recorrente (substituição que surgiu, claro, após esse Venerando Tribunal, no anterior acórdão proferido neste processo, ter exprimido fundadas dúvidas sobre a legitimidade desse argumento).
I. Porém, a nova fundamentação é improcedente, desde logo, porque decorre abundantemente dos autos que o Arguido interiorizou a conduta e as suas consequências, revelando por comportamentos e declarações o seu arrependimento, bastando recordar, como se lê na Sentença recorrida e no Relatório da DGRSP, de 13.02.2023, que o Arguido “assume a prática dos crimes”.
J. Perante a incompreensível desconsideração destes factos pelo Tribunal, afirmar que não há arrependimento só pode significar que o Tribunal de Execução das Penas, por razões que não revela (porque a Lei certamente não acolheria), quer negar a liberdade do Arguido.
K. Além de contrariar o relatório da DGRSP, o Tribunal recorrido vem ainda afirmar a ausência de arrependimento do Arguido quando é inequívoco que este tem adotado uma conduta de conformidade normativa e fidelização do Direito.
L. O próprio Tribunal a quo reconhece que o Arguido investiu na formação e educação durante o período de execução da pena que lhe foi aplicada, não tendo registado infrações disciplinares, e que tem uma posição clara sobre as consequências negativas que a prática dos crimes (e a pena a que foi sujeito) gerou na sua esfera familiar.
M. Lê-se, inclusive, na Sentença a quo que o Condenado tenciona contactar a Autoridade Tributária para liquidar as dívidas, pagar eventuais multas ou indemnizações a que venha ser condenado.
N. Não há, por isso, suporte para afirmar que o Arguido não se arrependeu e que não quer mudar de vida, pelo contrário, existindo elementos (em abundância) que permitem visualizar arrependimento e proatividade na reformulação do projeto de vida, só se pode considerar que o juiz a quo proferiu uma decisão contrária aos factos que constam dos autos.
O arrependimento (que ocorreu in casu) não é requisito legal para a concessão da liberdade condicional
O. A utilização de expressões como “interiorização da conduta criminal”, “sendo fraco o seu juízo crítico”, evidenciam que a fundamentação do Tribunal recorrido para rejeitar a concessão da liberdade condicional reside na circunstância de o Arguido não ter alegadamente demonstrado arrependimento.
P. Sucede, porém, que o artigo 61.º, n.º 2, alínea a), do CP, não exige o arrependimento do Arguido como requisito da concessão da liberdade condicional, pelo que não basta para lhe negar a liberdade.
Q. Competia ao Tribunal de Execução das Penas tão só averiguar se a concessão da liberdade condicional é adequada à realização das necessidades de prevenção especial, nada mais.
R. Porém, ao focar-se em impressões sobre a vida interior e o arrependimento do Arguido, ainda para mais sem elementos de facto próximos da tomada de decisão que permitissem chegar a essa conclusão, acabou o Tribunal a quo por proferir uma decisão justificada à luz de razões que não têm relação com o critério imposto pela lei e pela jurisprudência dos Tribunais Superiores em matéria de liberdade condicional (uma vez atingido o marco temporal dos 2/3 da pena).
S. Nesse sentido, desde logo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20.02.2019, Proc. n.° 1407/11.3TXPRT-P.1, refere expressamente que “o arrependimento não é um requisito necessário para a concessão da liberdade condicional” (cf. no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10.12.2012, Proc. n.° 1796/10.7TXCBR-H.P1).
T. Assim, o juiz a quo, não só proferiu uma decisão contrária aos factos e às provas dos autos, mas também, em qualquer caso, uma decisão arrimada num fundamento contrário à Lei.
A verificação dos requisitos do artigo 61.°, n.° 2, alínea a), do CP, para decidir pela Liberdade Condicional
U. Cabia ao Tribunal a quo avaliar, nos termos do artigo 61.°, n.° 2, alínea a), como pressupostos materiais da concessão da liberdade condicional, (i) as circunstâncias do caso, (ii) os antecedentes do agente e (iii) e a evolução da sua personalidade.
V. São estes os vetores essenciais que têm de servir de base ao juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado em liberdade condicional, à luz de um exercício de aferição das razões de prevenção especial. O que não sucedeu, caso contrário, o Arguido estaria já em liberdade.
W. Pode ter tido influência na Sentença agora em crise a existência de pareceres desfavoráveis à concessão da liberdade condicional. No entanto, tais pareceres também não podem colher relevância, porque, por um lado, não analisam questões essenciais ao juízo de prevenção especial que se impõe, e, por outro lado, porque foram proferidos sem que previamente tenha sido ouvido o Arguido, num caso em que o objetivo principal é reunir informação referente à evolução daquele durante o período de reclusão.
X. Um parecer assim proferido incorre em invalidade, até porque a interpretação, isolada ou conjunta, dos artigos 174.º, 175.º, 176.º e 177.º do Código de Execução de Penas, no sentido de que não é necessária a audição do Arguido em momento prévio à emissão dos Pareceres que se pronunciam sobre o mérito da decisão que concede ou rejeita a liberdade condicional, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação, entre o mais, dos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 27.º e 30.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.
a) As circunstâncias do caso
Y. Versando a análise das circunstâncias do caso sobre a relação do recluso com o caso, verifica-se que são múltiplos os elementos que mostram que as exigências preventivas do caso estão já extintas, o que deflui da consciência crítica sobre os factos que o Arguido vem revelando. Em especial, no Relatório da DGRSP, de 13.02.2023, refere-se que (i) o Arguido “assume a prática do crime”, (ii) “não se revê nos anteriores comportamentos, demonstrando vergonha/arrependimento pelos ilícitos por si cometidos” e (iii) “reconhece as consequências dos seus atos”.
Z. Ademais, o facto de o Recluso “sobrevalorizar os efeitos nefastos da reclusão”, nas palavras daquele Relatório, deve ser valorado positivamente, porquanto uma sobrevalorização desses efeitos, ao contrário do que se lê na Sentença, constitui um incentivo forte a não reincidir.
AA. Por outro lado, deve também relevar, como decorre do texto da própria Sentença, a circunstância de o condenado referir que tenciona contactar a Autoridade Tributária
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