Acórdão nº 177/18.9T8MMV-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-05-16

Ano2023
Número Acordão177/18.9T8MMV-A.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MONTEMOR-O-VELHO)

Apelações em processo comum e especial (2013)

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Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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1 - RELATÓRIO

AA, acompanhante de BB, veio requerer autorização judicial para proceder à venda do prédio do beneficiário descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o n.º ...98, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...73 da mesma freguesia, pelo valor de € 63 000.

Fundamentalmente, alegou que o beneficiário é proprietário daquele imóvel e que, devido ao seu estado de saúde, não lhe é possível fazer viagens de lazer, por exemplo para usufruir daquele imóvel que se situa nos .... Mais alegou que, atenta a necessidade de despesas de reparação e limpeza daquele imóvel, e bem assim à impossibilidade de a acompanhante se deslocar para acompanhar as eventuais obras, é do interesse do beneficiário a venda do imóvel.

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Foram citados o MINISTÉRIO PÚBLICO e CC (doravante CC), esta na qualidade de parente sucessível mais próxima do acompanhado.

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O Ministério Público contestou e, em síntese, impugnou os factos, afirmando que deles não tinha conhecimento.

Rematou pedindo que a ação fosse julgada conforme for de direito.

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CC contestou a presente acção e, essencialmente, afirmou que o rendimento do beneficiário é suficiente para fazer frente às despesas de manutenção e limpeza da casa, bem como às despesas extraordinárias de reparação. Além disso, negou que o imóvel esteja no estado descrito pela requerente e referiu que está disponível para auxiliar no que for necessário para manter o património do pai, já que este tem um valor sentimental.

Concluiu pedindo o indeferimento do pedido de autorização judicial da venda.

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Notificada da contestação do Ministério Público, espontaneamente, a requerente identificou a pessoa interessada da aquisição do imóvel.

No mesmo articulado, a requerente tomou posição quanto aos rendimentos que CC alegou que o beneficiário tinha e juntou 20 documentos, para concluir que o imóvel em causa constitui um encargo dificilmente suportável pelo beneficiário.

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Após a realização de diversas diligências probatórias, a requerente, o Ministério Público e CC retiraram, por escrito, conclusões de facto e de direito quanto à presente ação.

Em síntese:

- a Requerente renovou o pedido de autorização da venda;

- CC pugnou pelo indeferimento da autorização, por considerar que o beneficiário não retirará qualquer o proveito ou benefício desse negócio, além de se desconhecer o destino do produto da venda;

- o Ministério Público pronunciou-se no sentido de a ação ser improcedente, por entender que a venda não é do interesse do beneficiário, já que o valor conseguido pela mesma não é necessário para suportar as despesas deste ou garantir as suas necessidades.

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Na sequência, a Exma. Juíza de 1ª instância entendeu que a prova já carreada para os autos era suficiente para se conhecer do mérito da causa [assim dispensando a produção de prova testemunhal], pelo que, decidiu prosseguir com a prolação da sentença, de harmonia com o disposto no artigo 1014º, nº 3, do n.C.P.Civil.

Nesta, a Exma. Juíza de 1ª instância considerou que «perante a sua localização espacial e a situação do beneficiário, a casa dos ... não tem utilidade para aquele, representando uma fonte contínua de despesas, sendo que o pagamento com as despesas com as obras de que aquela casa carece se mostra difícil para o rendimento e contas de que o beneficiário é titular, razões pelas quais se mostra vantajosa a venda daquele prédio», acrescendo que «a venda por € 63 000 se afigura como vantajosa também pelo valor conseguido como preço do bem a vender», termos em que concluiu com o seguinte concreto “dispositivo”:

«Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente e, em consequência, autoriza-se a requerente AA a, na qualidade de acompanhante de BB, no prazo de 90 (noventa) dias, vender o prédio urbano, sito no Caminho ..., ..., na freguesia ..., ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o n.º ...98, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...73 da mesma freguesia, pelo valor de € 63 000 (sessenta e três mil euros), comprovando nos autos o depósito desta quantia em conta bancária titulada pelo acompanhado, no prazo de 30 (trinta) dias, após a venda do bem.

Custas pela requerente.»

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Inconformada com essa sentença, dela interpôs recurso a dita parente sucessível mais próxima, CC, a qual finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:

«1. Não se conforma a ora Recorrente com a douta sentença recorrida, porquanto a mesma não corresponde, de facto e de direito, à solução mais conveniente e oportuna para o beneficiário/Acompanhado, de acordo com a matéria de facto provada, incorrendo em erro na apreciação da causa e nos pressupostos de facto e de direito, sendo certo que a decisão recorrida viola, entre outros, o disposto nos artigos 145.º, n.º 1, 3 e 5 e 1889.º, n.º 1, al. a) do Código Civil e artigos 607.º, 986.º n.º 2, 987.º e 1014.º do CPC.

2. Entende a ora Recorrente que a ação devia ter sido julgada improcedente, não só porque as despesas com a manutenção da casa dos ... não acarretam despesas que o beneficiário não possa suportar, mas, principalmente, porque o valor da venda não é necessário para suportar quaisquer despesas do beneficiário ou para garantir as suas necessidades, não decorrendo de uma necessidade urgente do Acompanhado, não sendo do interesse do beneficiário a sua venda, nem da venda do imóvel decorre para si um proveito evidente.

3. Pelo contrário, a venda do imóvel compromete a integridade, a consolidação e a preservação do património do beneficiário.

4. Entende a Recorrente que a matéria de facto constante do PONTO 15 foi incorretamente julgada, na medida em que não se fez prova do valor do orçamento necessários à reparação das obras de manutenção do imóvel, tanto mais que a Recorrente, por requerimento de 16-09-2021 (ref. Citius 39857522) impugnou o orçamento junto, alegando que o mesmo, em face da descrição dos trabalhos alegadamente necessários para a realização das obras de que o prédio eventualmente necessitará, é elevado e desajustado e incompatível com as obras de arranjo e pintura das paredes interiores e exteriores e madeiras.

5. As alegadas despesas com vista à reparação do imóvel não estão confirmadas com perícia para o efeito ou determinado o valor das obras a realizar no prédio com vista à sua manutenção (sendo certo que não consta da matéria de facto provada o alegado perigo de derrocada, nem se provou a necessidade de reparação do telhado, nem as fotografias juntas revelam que a casa necessite de obras profundas, mas apenas de pinturas interiores e exteriores).

6. E, em qualquer caso, provou-se que o rendimento do beneficiário é suficiente e suporta, sem esforço, atendendo ao seu rendimento mensal disponível, a realização de tais obras.

7. Assim, não podia o Tribunal dar como provado tal facto (15.), designadamente o valor do orçamento, porquanto não foi confirmado por qualquer prova, para além do documento junto, que foi impugnado, devendo o mesmo ser eliminado da matéria de facto dada por provada.

8. Da restante matéria de facto dada por provada e tal como, aliás, concluiu o Tribunal “a quo”, as despesas com a manutenção da casa dos ... não acarretam despesas que o Beneficiário não possa acarretar, sendo certo que não se provou que o imóvel necessite de obras de reparação ou manutenção no valor de 6.987,00€.

9. Acresce ainda que não consta da matéria de facto dada por provada qual o valor de mercado do imóvel objeto da pretendida venda, assim como não juntou a Recorrida o contrato de mediação imobiliária celebrado com a A... (obrigatoriamente celebrado por escrito), no qual constará o valor da avaliação do imóvel atribuída pela imobiliária e qual o valor da comissão de venda aplicada, que interferirá obviamente no valor a obter pela venda.

10. Para além do mais, salienta-se que não se provou, antes pelo contrário, que a venda da casa é necessária, urgente e imprescindível para assegurar o bem-estar e garantir uma vida condigna e as necessidades do Acompanhado.

11. Não se justifica a venda do imóvel do Acompanhado por o mesmo, alegadamente, não poder usufruir da casa, sob pena de tal justificação servir para qualquer pedido de autorização para venda do património de maiores acompanhados que, por exemplo, estejam internados e/ou tenham dificuldades de locomoção, que não estejam em condições de poder usufruir dos imóveis de que sejam proprietários e que não possam, por causa disso, deslocar-se, aproveitar e usufruir do seu património.

12. Sem prescindir do alegado, a verdade é que, contrariamente ao decidido, pode ser retirado do imóvel rendimento, designadamente através de arrendamento a terceiros, mediante o pagamento de rendas de que o Acompanhado poderá beneficiar se for necessário para suprir as suas necessidades, o que não foi ponderado pelo Tribunal, constituindo uma das obrigações da Acompanhante administrar os bens do Acompanhado, onde se insere a possibilidade de arrendar os seus bens.

13. Acresce que, como é facto público e notório, a manutenção e consolidação do património é um investimento robusto e sólido, que acompanha e suplanta as taxas de inflação. E se o imóvel for colocado no mercado de arrendamento, esse retorno de investimento ainda é mais claro e evidente, pelo que incumbia à Recorrida socorrer-se, por exemplo, da empresa de medição imobiliária para colocar o imóvel no mercado de arrendamento e não para promover a sua venda.

14. A venda do imóvel destina-se apenas e só a realizar dinheiro – de que o beneficiário não necessita e do qual não retirará qualquer proveito evidente – que, se investido no Banco, em aplicação sem risco, tem uma taxa de retorno insignificante ou inexistente, abaixo da taxa da inflação, o que significa que, em

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