Acórdão nº 17602/21.4T8LSB.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 26-01-2023

Data de Julgamento26 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão17602/21.4T8LSB.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, no Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
R…, solteiro, titular do passaporte nº …, emitido pela República Federativa do Brasil, contribuinte fiscal nº ….., residente na Rua ……….., veio propor ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “OCIDENTAL – Companhia Portuguesa de Seguros SA”, com sede na Av. Dr. Mário Soares, Edifício 10, Tagus Park, Porto Salvo, e M…, residente na Rua……., Lisboa, alegando, para tanto, em síntese, que é legitimo proprietário da fração autónoma nº D, sita na Rua ……, Lisboa, que explora como estabelecimento de alojamento local, tendo perdido uma receita de cerca de €18.000,00 em arrendamentos de curta duração, devido aos danos causados por responsabilidade da Ré; que em face dos prejuízos deverá ser indemnizado pelo menos em €7.503,01 a título de indemnização pelos danos emergentes dos lucros cessantes, para compensar os meses que esteve impossibilitado de arrendar o seu imóvel por culpa da Ré, que tinha os ralos entupidos da sua habitação, o que fez com que a água escoasse para dentro do seu móvel, causando-lhe estragos, que exigiram a intervenção de vários profissionais de construção e o pagamento dos custos de reparação que, globalmente, ascenderam a €16.496,98.
Acrescenta que a Ré seguradora alegou que a cobertura da apólice da co-Ré M…. não podia ser acionada dado que o sinistro foi provocado pela forte pluviosidade e não por culpa daquela; que por força dos danos sofridos está privado do uso e rentabilização do seu imóvel desde a data da ocorrência até à atualidade, pelo que deve ser indemnizado pelos danos emergentes dos lucros cessantes, em valor nunca inferior a €24.000,00.
Termina, pedindo seja a ação julgada procedente, por provada, e em consequência, sejam as Rés condenadas a pagarem-lhe os seguintes valores:
- a) a quantia de €16.496,99 a título de ressarcimento pelos danos causados na fração, acrescida de juros vincendos desde a presente data até integral pagamento.
b) a quantia de €7.503,01 a título de indemnização pelos danos emergentes dos lucros cessantes, acrescida de juros vincendos desde o dia da ocorrência até integral pagamento.
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As Rés foram devidamente citadas para contestar a ação.
Contestando, e a título de exceção, diz a seguradora, em síntese, que celebrou um contrato de seguro do Ramo Multirriscos Habitação com a co-Ré, mas que o sinistro participado não tem enquadramento nas coberturas contratadas; acresce que aquela providenciava pela limpeza da varanda da sua fração com periodicidade frequente, não havendo qualquer registo de anteriores situações de entupimento de ralo e, consequentemente, qualquer participação de sinistro por esse motivo, não tendo tido aquela qualquer culpa na produção do evento. No mais, impugna os factos articulados pelo Autor, e termina, pedindo: a) seja a exceção deduzida julgada procedente, por provada, sendo a aqui Ré, consequentemente, absolvida da instância; ou, caso assim não se entenda, seja a ação julgada improcedente por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.
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A co-Ré M…. também apresentou contestação, nos seguintes termos: é parte ilegítima na ação, por ter transmitido para a sua seguradora a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo imóvel da sua propriedade; no mais, impugna os factos alegados pelo Autor, contrapondo tratar-se de uma pessoa cuidadosa e diligente, que sempre cuidou da conservação, manutenção e limpeza do imóvel de que é proprietária, estando a varanda em causa sempre limpa a cuidada, e desobstruída de quaisquer objetos ou com vestígios de folhas ou sujidade.
Termina, pedindo:
a) Seja declarada parte ilegítima e, consequentemente, absolvida da instância;
Para o caso de assim não se atender:
b) Seja a ação julgada improcedente por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.
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O autor foi notificado para se pronunciar, querendo, sobre as exceções invocadas, tendo o mesmo, em resposta, pugnado pelo indeferimento da que foi suscitada pela seguradora, e não se prenunciou, em concreto, sobre a exceção de ilegitimidade suscitada pela 2ª Ré.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia.
Saneado o processo, foi julgada improcedente por não provada a exceção de ilegitimidade passiva da co-Ré M…..
Consignou-se inexistirem outras exceções a conhecer.
Foi fixado o seguinte objeto do processo: “Importa saber se devem as rés ser condenadas a pagar à autora as quantias de €16.496,99 e de €7.503,01, a título de indemnização pelos danos causados na sua fração e pelos lucros cessantes, acrescidas de juros vincendos, a primeira desde a entrada da ação e a segunda desde o dia da ocorrência, até efetivo e integral pagamento.”
Foram indicados os temas da prova.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
Nesta conformidade e por todo o exposto, julgo parcialmente procedente, por provada, a presente ação e, em consequência:
1. Condeno as Rés OCIDENTAL – Companhia Portuguesa de Seguros SA e M…. a pagarem ao Autor R….., a quantia de €2.918,79 (dois mil, novecentos e dezoito euros e setenta e nove cêntimos), a título de indemnização pelos danos verificados no interior da fração do Autor.
2. Condeno as Rés OCIDENTAL – Companhia Portuguesa de Seguros SA e M…. a pagarem ao Autor R….. a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença relativamente aos lucros cessantes decorrentes da impossibilidade de exploração da fração como estabelecimento de alojamento local.
3. Absolvo as Rés do demais peticionado contra si.
Condeno o Autor e Rés, no pagamento das custas judiciais, na proporção dos respetivos decaimentos que se fixam em 85% para o Autor e 15% para as Rés – artigo 527.º do CPC.
Registe e notifique.”
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A Ré, Companhia de Seguros, recorreu da decisão e formulou as seguintes conclusões:
1.º
O presente recurso vem interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo a fls. __, no âmbito do processo supra identificado, o qual julgou a ação proposta por R…. parcialmente procedente e, em consequência, condenou as Rés Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A. e M….. no pagamento ao Autor da quantia de €2.918,79, a título de danos verificados no interior da fração do Autor; e no pagamento ao Autor da quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença relativamente aos lucros cessantes decorrentes da impossibilidade de exploração da fração como estabelecimento de alojamento local.
2.º
Contudo, não pode a ora Recorrente concordar com a apreciação da prova carreada para os presentes autos realizada pelo douto Tribunal a quo, nem tão pouco com a interpretação dada ao contrato de seguro celebrado entre as partes pelo douto Tribunal. Motivo pelo qual, as presentes alegações de recurso terão por objeto quer a alteração da matéria de facto, por via dos elementos constantes nos autos, quer a alteração da matéria de direito.
3.º
A ora Recorrente entende, salvo o devido respeito, que a matéria de facto constante do Facto Provado n.º 15 e do Facto Não Provado n.º 6 foi incorretamente apreciada, tendo conduzido a uma decisão injusta e incoerente com toda a factualidade discutida e apurada nos autos.
4.º
As provas que impõem decisão diversa sobre esses factos e que devem ser reapreciadas, além do relatório de averiguação junto aos autos com a Contestação da ora Recorrente sob documento n.º 4, são os seguintes depoimentos:
- PF, cujo depoimento ficou gravado em ficheiro de áudio com referência 20220210101029_20229394_2871109;
- CH, cujo ficou gravado em ficheiro de áudio com referência 20220210101029_20229394_2871109;
- RZ, cujo ficou gravado em ficheiro de áudio com referência 20220324095857_20229394_2871109.
5.º
A testemunha PF foi perentória em afirmar que a razão do entupimento foi o volume anormal de água, devido à ocorrência da tempestade, e a ineficiência do ralo de escoamento que, devido ao calibre da própria tubagem, não fez o escoamento necessário da água, provocando a inundação em causa nos autos. Desde logo porque, a varanda da fração da 2.ª Ré está sujeita às águas da chuva que sobre si caem diretamente e também às águas que caem no telhado, na medida em que o telhado (em forma de esconso) projeta, também ele, água para a varanda em caso de chuva.
6.º
A testemunha referiu ainda que, anteriormente ao dia do evento em causa nos autos, nunca se verificou situação semelhante e, portanto, a varanda da fração da 2.ª Ré nunca entupiu em momento anterior.
7.º
Também a testemunha CH, responsável de limpeza da fração da 2.ª Ré, confirmou que a inundação em causa teve como origem a ocorrência da tempestade Elsa e da depressão Fabien, uma vez que, devido à intensidade da chuva, o ralo de escoamento da varanda não conseguiu debitar a água necessária.
8.º
Acresce que, a testemunha referiu expressamente que não verificou qualquer obstrução do ralo pela presença de terra e seixos. De facto, a testemunha referiu que o ralo não estava obstruído e que, aquando da sua presença no local no dia do sinistro, verificou que o nível de água diminuiu assim que parou de chover.
9.º
A testemunha CH confirmou a existência de vasos com terra e seixos decorativos na varanda, contudo, esclareceu que, no dia do sinistro, nem a terra, nem os referidos seixos, tinham saído do canteiro onde se encontravam.
10.º
Isto dito, facilmente se constata que, os elementos de prova supra referidos não corroboram as conclusões a que chegou o douto Tribunal a quo no que concerne à causa da acumulação de água na varanda da aqui 2.ª Ré.
11.º
No entendimento da ora Recorrente, da prova produzida resultou claramente que a acumulação de água na varanda teve origem na intensidade da precipitação, decorrente da passagem da tempestade Elsa e depressão Fabien pelo território português e não na presença de terra e seixos no ralo de escoamento da referida varanda.
12.º
Face ao exposto, e não tendo sido
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