Acórdão nº 1758/20.6JAPRT-C.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-02-16

Ano2022
Número Acordão1758/20.6JAPRT-C.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 1758/20.6JAPRT-C.P1
Relatora: Amélia Catarino

Acordam, em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
No processo comum singular nº 1758/20.6JAPRT, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira, juiz 2, foi proferido despacho a indeferir o requerimento do arguido no qual foi arguida a nulidade parcial do julgamento desde a data de 13.10.2021 às 14h00, e todos os actos subsequentes.

Inconformado o arguido veio interpor recurso, pugnando pelo seu provimento com os fundamentos que constam da motivação e formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1. É parcialmente nulo o julgamento por compressão insuportável das garantias da defesa. Nomeadamente o direito à escolha de advogado da sua confiança dentro dos prazos legais.
2. Conforme a sindicância atempadamente suscitada e não respondida em despacho judicial, até ao último dia do prazo de recurso do acórdão final.
3. Proferindo muito mais tarde o despacho que ora a defesa sindica em recurso interlocutório autónomo.
4. Na verdade, do texto deste despacho sobressai à evidência que o tribunal atuou contra legem ao impor ao arguido uma advogada nomeada no ato, a qual, perante a sua recusa repetida, nunca com o arguido falou, nem o visitou no EP.... Nem estudou o processo.
5. Aceitando para mais, antes da audiência para a leitura do acórdão, sem poderes próprios e especiais para o poder fazer, a comunicação de alteração dos factos, para mais na ausência do arguido.
6. E aceitando anteriormente proferir alegações que, se cingiram a escassos segundos, sabendo da recusa reiterada do arguido.
7. Errou ainda o tribunal ao proceder à leitura do acórdão perante a recusa do arguido em aceitar esta situação descrita de compressão das suas garantias de defesa e na sua ausência.
8. Sem sequer ordenar que a essa leitura pudesse assistir pelo sistema de vídeo a partir do EP....
9. Feriu assim o despacho os arts. 64º nº 1, al. c); 67º nº 1 a contrário sensu; 119º, al. c), 120º nº 1, al. d) 123º; 332º nº 1; 333º nº 1 a contrário sensu; 358º nº 1 a contrário sensu do CPP; 20º nºs 4 in fine e 5; 32º nº 3; 204º e 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa; art. 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Devendo o julgamento ser parcialmente anulado ou o acórdão revogado e declarado nulo pelos motivos de facto e de direito expostos e os autos reenviados para efeitos de reformulação.”

Admitido o recurso, o Ministério Público veio responder pugnando pelo seu não provimento.
Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto apôs o visto no processo.
Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II. FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.

In casu, o recurso, delimitado pelas conclusões da respetiva motivação, tem por objecto:
a) Apreciar da nulidade parcial do julgamento desde a sessão de 13.10.2021, e dos actos subsequentes, por terem sido violadas as garantias de defesa do arguido, por ter sido impedido de escolher e nomear um advogado que o pudesse defender em face da renuncia do anterior mandatário e da sua recusa em aceitar a defensora que lhe foi nomeada pelo tribunal, tendo sido violados os artigos 20º, n.ºs 4, in fine, e 5, 32º, n.º 3, 204º e 205º da Constituição da República Portuguesa (CRP), 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e 64º, n.º 1, al. c), 67º, nºs 1 e 3, 119º, al. c), 120º, n.º 2, al. d), e 123º, 332º, n.º 1, 333º, n.º 1, a contrario, e 358º do CPP.

II.1. A decisão recorrida
Importa apreciar tais questões tendo presente o teor da decisão recorrida e os factos que dela constam, e que se transcreve:
“Veio o arguido AA requerer que seja dado sem efeito todo o processado desde o dia 13.10.2021, às 14 horas.
Entende, em síntese, que em virtude do facto do seu mandatário ter renunciado à procuração e ter faltado à sessão do julgamento do dia 13.10, que este teria de ser interrompido de forma a que pudesse constituir mandatário no prazo de 20 dias, pois só assim a sua defesa seria assegurada de forma condigna, sendo por isso ilegal a nomeação de defensora à revelia da sua vontade.
E a tal não seria óbice – segundo sustenta - a aproximação do prazo máximo da prisão preventiva na medida em que o tribunal sempre poderia declarar a especial complexidade do processo, fazendo desse modo prorrogar o prazo máximo daquela medida de coação.
Entende ainda que a defensora nomeada não tinha poderes para receber a notificação do despacho que alterou a qualificação jurídica (que erradamente identifica como comunicação de alteração de factos) e que, também por isso, teria de ser o arguido a pessoalmente prescindir de prazo de defesa.
Notificados os demais coarguidos, nada vieram dizer.
O MP, por seu turno, pugnou pelo indeferimento do requerido.
Cumpre apreciar e decidir.
Desde logo, cabe referir que estes autos revestem natureza urgente em virtude de dois dos arguidos se encontrarem em prisão preventiva, sendo que um deles é o próprio requerente.
Depois, o prazo da prisão preventiva, no que ao requerente diz respeito, esgotava-se a 25.10.2021.
Tendo isto presente, o que se verifica é que o seu então mandatário, Dr. BB, por comunicação telefónica na data prevista para a conclusão do julgamento (cfr. ata de 15.09.2021), informou que estava com uma crise de otite e que tinha ido ao Serviço de Urgência do Hospital ....
Em face de tal, adiou-se a conclusão do julgamento (para alegações e declarações finais dos arguidos) para a data que o tribunal e os defensores tinham disponíveis, isto é, 13.10.2021, pelas 14 horas.
Não obstante o alegado pelo então mandatário do arguido AA, o certo é que não juntou aos autos documento comprovativo do justo impedimento alegado.
Eis senão quando, na véspera da data prevista para a conclusão do julgamento, por requerimento com a refª 12062165, vem o aludido causídico renunciar ao mandato.
Antevendo que o então mandatário do arguido iria faltar no dia seguinte (ao arrepio das suas obrigações contratuais e profissionais) e que o propósito dissimulado era o de que se esgotasse o prazo máximo de prisão preventiva, de modo a que o arguido AA fosse libertado (com evidente risco de fuga, tanto mais que ele pretende refazer a sua vida no estrangeiro, conforme consta do seu relatório social), desde logo, à cautela, diligenciou-se pela nomeação de defensora a tal arguido, justamente para evitar novo adiamento do julgamento, por força do disposto no artº 67º, nºs 2 e 3, do CPP, sendo certo que a prova já tinha sido toda produzida, destinando-se a audiência às alegações orais e a eventuais declarações finais do arguidos – veja-se que o julgamento esteve a aguardar a conclusão de prova pericial, mas que não contendia com a posição do ora arguido requerente -, pelo que a nomeação no dia anterior daria tempo suficiente à defensora para estudar o processo sem necessidade de novo adiamento.
Ora, na sessão do dia 13.10, o arguido AA recusou esta nomeação por motivos que bem se percebem, quando verificou que lhe “saiu o tiro pela culatra” – passe a expressão -, sendo certo que é descabido afirmar-se que o tribunal poderia declarar a especial complexidade do processo para dessa forma artificialmente dilatar o prazo máximo de prisão preventiva, pois os autos não revestem especial complexidade.
Note-se também que, após a expulsão de AA, ainda se procurou fazer retornar o dito arguido à sala de audiências na sessão do dia 13.10, a fim de poder ainda dizer alguma coisa em sua defesa para além do que já tinha dito, antes assim do encerramento da audiência de julgamento, algo que não foi possível ante a sua arreigada recusa em retornar à sala de audiências, pelo que, tudo ponderado, seria até contraproducente o uso da força pelos Srs guardas prisionais de modo a que o arguido pudesse ainda participar na audiência de julgamento (adotando com toda a probabilidade o mesmo comportamento que havia determinado a sua expulsão), o que impediu também – por facto que lhe é inteiramente imputável – a comunicação por súmula do que se tinha passado na sua ausência (alegações de alguns dos advogados e declarações finais dos coarguidos, que aliás nada de novo acrescentaram), conforme estipula o artº 332º, nº 7, do CPP (cfr. ainda o disposto no artº 325º, nº 4, do mesmo diploma legal).
Além disso, na sessão do julgamento em que se procedeu à leitura do acórdão (ocorrida no dia 20.10), a notificação da alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação que a antecedeu pode e deve ser feita na pessoa do defensor do arguido, ao contrário do sustentado no requerimento em apreço, considerando-se o mesmo notificado na pessoa do defensor (cfr. o artº 113º, nº 10, a contrario, do CPP), sendo certo que, em todo o caso, essa questão aqui não se coloca, pois o arguido estava presente na sala de audiências quando o despacho foi proferido e dele foi pessoalmente notificado, conforme emerge da respetiva ata, sendo que a sua defensora tinha naturalmente a faculdade de prescindir de prazo para preparar a defesa (cfr. os nºs 1 e 3, do artº 358º do CPP), tanto mais que a questão é linear e até era favorável aos arguidos (dado que a moldura penal abstrata é inferior em relação à imputação da acusação). Aliás, tendo sido, entretanto, o arguido mais uma vez expulso da sala de
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