Acórdão nº 1754/18.3T8CSC.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 26-01-2023

Data de Julgamento26 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão1754/18.3T8CSC.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
1. AMP, identificada nos autos, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra PL, VB e SOLUÇÕES D’OBRA – CONSULTADORIA E MEDIAÇÃO DE OBRAS, LDA., também identificados nos autos, peticionando a condenação solidária destes a:
“a) – reconhecer o direito que assiste à Autora de ver cumprido, na sua totalidade, o Contrato de Empreitada de Obra Particular livremente celebrado entre as partes;
b) – devolver à Autora o montante de 21.931 euros (vinte e um mil novecentos e trinta e um euros), correspondente à verba paga a mais relativamente ao trabalho efectivamente executado;
c) – pagar à Autora os juros legais vencidos, à taxa legal, incidentes sobre a quantia de 21.931 euros, a partir de 30.04.2012, e os vincendos até efectivo pagamento;
d) – pagar à Autora a quantia de 604,80 euros, relativa a electicidade que teve de pagar na sua casa em remodelação (Vide Art. 35º. desta PI);
e) – pagar à Autora os juros legais vencidos, à taxa legal, incidentes sobre a quantia de 604,80 euros, a partir de 30.04.2012, e os vincendos até efectivo pagamento;
f) – pagar à Autora a quantia de 946,80 euros, relativa a água que teve de pagar na sua casa em remodelação;
g) – pagar à Autora os juros legais vencidos, à taxa legal, incidentes sobre a quantia de 946,80 euros, a partir de 30.04.2012, e os vincendos até efectivo pagamento;
h) – pagar à Autora a quantia de 9.000 euros, relativa a despesas de transporte adicionais por ter ido viver para Belas devido ao facto de não poder utilizar a sua casa em remodelação;
i) – pagar à Autora os juros legais vencidos, à taxa legal, incidentes sobre a quantia de 9.000 euros, a partir de 30.04.2012, e os vincendos até efectivo pagamento;
j) – pagar à Autora a quantia de 27.360 euros, relativa a despesas de rendas devido ao facto de não poder utilizar a sua casa em remodelação (Vide Art. 35º. desta PI);
k) – pagar à Autora os juros legais vencidos, à taxa legal, incidentes sobre a quantia de 27.360 euros, a partir de 30.04.2012, e os vincendos até efectivo pagamento;
l) – pagar à Autora a quantia de 45.000 euros, a título de ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos e que são imputáveis à actuação dolosa dos Réus.”.
Alegou, em síntese, o seguinte:
- No dia 25-07-2011, na qualidade de dona de obra, celebrou com os 3 Réus, um Contrato de Empreitada de Obra Particular, pelo qual lhes adjudicou trabalhos de remodelação do edifício do nº. … da Rua …, 1495-126 Algés, que teriam de observar a regulamentação técnica em vigor e as regras de arte, definidas em documento anexo;
- O Réu PL, é o responsável técnico pela execução da obra junto da Câmara Municipal de Oeiras, que a licenciou.
- O preço total é de 68.000 euros, ao qual acrescerá o IVA à taxa legal em vigor, sendo com a adjudicação da obra - 20 mil euros + IVA; com a estrutura concluída - 20 mil euros + IVA; com os revestimentos colocados - 20 mil euros + IVA; com a conclusão da obra - 8 mil euros + IVA;
- Todos os pagamentos relativos aos trabalhos do contrato de empreitada deveriam ser efectuados ao Réu Soluções d’Obra – Consultadoria e Mediação de Obras Limitada, que ficaria encarregue da gestão dos pagamentos a efectuar pela Autora ao Réu PL, e da mediação da obra e dos serviços de consultadoria inerentes à mesma.
- O Réu VB, assumiu-se como empreiteiro da obra.
- As obras iniciaram-se no mês de Outubro de 2011 e, por tal motivo, a Autora teve necessidade de arrendar uma casa pequena para viver, a partir de 21-10-2011 enquanto não fosse possível regressar à sua habitação;
- A Autora entregava pontualmente aos Réus todas as “tranches” de faseamento de obras, fiscalizadas pelo engenheiro do banco mutuante que aprovou o financiamento da remodelação da sua casa;
- A partir de Março de 2012, os Réus começaram a pressionar a Autora no sentido de exigir ao banco mais adiantamentos de dinheiro, invocando aqueles que tinham investido em materiais;
- Na realidade, os Réus já tinham em seu poder o montante de 21.931 euros a mais por obra ainda não executada;
- O projecto de remodelação do prédio em causa apenas foi executado em 55%;
-No dia 30 de Abril de 2012, os Réus abandonaram a obra, invocando que a Autora estava falida, apesar de bem saberem que tal atitude constituía um inequívoco incumprimento parcial do contrato de empreitada, livremente celebrado entre as partes e tendo plena consciência de que o estado de construção do edifício não permitia que o mesmo fosse reutilizado pela Autora por falta de condições mínimas de habitalidade;
- A Autora pagou aos Réus, através do banco, a quantia global de 54.000 euros, verba esta que cobriu todas as despesas de mão de obra e materiais aplicados no edifício, ficando os Réus com um saldo a seu favor de 21.931 euros correspondente à parte da obra ainda não executada;
- Com o abandono da obra, os Réus não executaram trabalhos;
- A Autora pagou a mais a quantia de 21.931 euros, correspondente a obra não executada, verba esta que está incluída nos 54 mil euros;
- A Autora continua a não poder regressar à sua casa, dado o estado em que se encontra, relevando-se o facto de a Autora já ter pago 80% do valor contratualizado das obras, isto é, 54.000 euros, de um total 68 mil euros;
- A partir de 30 de Abril de 2012, data em que os Réus abandonaram a obra, a Autora não pode ser responsabilizada por despesas adicionais que não lhe são imputáveis, com fornecimento de Água que teve de pagar na casa em remodelação até 31 de Maio de 2018, com fornecimento de electicidade que teve de pagar na casa em remodelação até 31 de Maio de 2018, com o “passe combinado” (camioneta/comboio/autocarro), no itinerário Belas/Lisboa e volta e com as rendas da casa de Belas;
- A Autora, ao verificar que tinha a sua casa totalmente inabitável a partir da 1ª intervenção do empreiteiro, já tinha pago 54 mil euros, e não tinha dinheiro para custear a finalização das obras, sendo obrigada a viver em 2 assoalhadas com 380 euros mensais de renda, entrou em depressão psico/psiquiátrica, cuja responsabilidade imputa à actuação dos Réus;
- Todos os Réus são solidariamente responsáveis pelo incumprimento parcial do contrato de empreitada de obra particular, em geral, e nas suas específicas vertentes de intervenção na obra, em particular.
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2. Os réus SOLUÇÕES D’OBRA – CONSULTADORIA E MEDIAÇÃO DE OBRAS, LDA. e VB foram citados pessoalmente e contestaram. A primeira impugnou o alegado pela autora, dizendo que no âmbito do contrato a sua tarefa estava restrita à mediação e ao recebimento das quantias, não tendo qualquer outra intervenção na empreitada. O segundo impugnou que tivesse celebrado o contrato invocado pela autora.
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3. O réu PL foi citado editalmente, não contestou e, nessa sequência, foi citado o MINISTÉRIO PÚBLICO.
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4. Realizou-se a audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
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5. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com produção probatória, após o que, em 16-08-2022 foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu os réus dos pedidos formulados pela autora.
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6. Não se conformando com a decisão proferida, dela apela a autora, pugnando pela pela condenação dos réus nos montantes peticionados, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I - Os 3 Réus, ora Recorridos, não cumpriram o ónus previsto no art.º 341º, n.º 2 do Código Civil, já que não fizeram prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela Autora, ou seja, o reembolso do montante de €68.000,00, acrescido de IVA, correspondente à realização de trabalhos de remodelação da casa, propriedade da Autora, e bem assim os danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente, a nível mental, e dados como provados na presente acção.
II - Não poderá colher o argumento, por si só, de que a não assinatura do Réu VB no contrato de empreitada de obra particular, celebrado em 25 de julho de 2011, o afasta de uma responsabilidade solidária, uma vez que este foi citado para duas acções e não esclareceu o motivo porque consta a sua identificação na primeira página do contrato em causa, lavrado em papel timbrado da firma da Ré Soluções d`Obra, Lda, já que ao ser chamado em tribunal como Réu parece ter-se conformado com essa situação e não apresentou denúncia criminal. Mais, declarou conhecer o Réu PL e ter tido com ele relacionamento no âmbito da construção civil.
III - Salvo o devido respeito, não se entende o motivo, porque é absolvida a Ré Soluções D`Obra, Lda, quando é certo que foi esta firma que elaborou, em seu papel timbrado, o contrato em causa, serviu de mediadora, recebeu a primeira transferência, controlou a execução dos trabalhos e os respectivos pagamentos, escolheu o executor das obras.
IV - Sendo certo que o Réu PL, pessoa que a Autora encontrou dentro da sua casa, em obras de remodelação, e sempre se intitulou como engenheiro responsável do empreiteiro VB, identificado na primeira parte do contrato, e de quem se dizia representante efectivo com plenos poderes.
Aliás, a Autora entregou ao Réu PL, em numerário, todas as tranches subsequentes à primeira tranferência a favor a da mediadora, o que fez, nas instalações do balcão de Carnaxide do Banco Popular.
V- Sem conceder, a Ré Soluções D`Obra, Lda e o Réu revel PL, não podem deixar de ser condenados pelos prejuízos patrimoniais causados à Autora, uma vez que tiveram parte activa e determinante no incumprimento do contrato de empreitada, consubstanciado no abandono da obra, no recebimento de montantes correspondentes a obras não efectuadas e atiraram para o Hospital Psiquiátrico a dona da obra, auxiliar de acção médica que vive apenas do seu salário”.
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7. O réu VB apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, com confirmação da sentença
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