Acórdão nº 1741/22.7T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20-04-2023
Data de Julgamento | 20 Abril 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 1741/22.7T8BRG.G1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
1 – RELATÓRIO
O A. AA, residente na Praça ... (... Andar), em ..., intentou a presente acção declarativa com processo comum[1] contra o R. Estado Português,pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 72.844,10.
Para tanto, o A. alegou que no âmbito do Processo Comum Singular nº1405/19.... do Juízo Local Criminal ... (Juiz ...) esteve em prisão preventiva desde o dia .../.../2019 até ao dia 23 de Novembro de 2020. A decisão que aplicou a medida de coacção de prisão preventiva assentou numa inadequada valoração dos factos. Acresce que, no referido processo foi deduzida acusação imputando-lhe a prática de um crime de violência doméstica e um crime de detenção de arma proibida, previstos no art. 152º do Código Penal e no art. 86º da Lei nº5/2006 de 23 de Fevereiro. Após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que o absolveu pela prática de crime de violência doméstica e determinou a sua colocação em liberdade. O Ministério Público interpôs recurso desta sentença, mas o recurso foi rejeitado por ser manifestamente improcedente. O período em que esteve em prisão preventiva causou-lhe danos patrimoniais e não patrimoniais pelos quais pretende ser indemnizado.
*
O R. contestou, alegando que o despacho que aplicou ao A. a medida de coacção de prisão preventiva valorou correctamente os factos. O A. interpôs recurso deste despacho, mas o recurso foi julgado improcedente, tendo sido mantida a decisão do senhor juiz de instrução. A absolvição não é condição suficiente para a indemnização por prisão preventiva, exigindo-se que seja comprovado que o arguido não foi o agente do crime ou actuou justificadamente. O A. foi absolvido pela prática do crime de violência doméstica com fundamento no princípio in dubio pro reo o que não confere o direito a ser indemnizado.
*
Findos os articulados, tendo sido dispensada a realização da audiência prévia, seguiu-se a prolação do despacho saneador, que fixou o valor da acção, o objecto do litígio e os temas da prova, tendo sido admitidos os róis de testemunhas e designada data para a audiência de julgamento.
*
Audiência de julgamento que se prolongou por duas sessões, com observância do legal formalismo, como consta das respectivas actas.
*
No final, foi proferida sentença, que decidiu ... seguintes termos:
Pelo exposto, decido julgar a presente acção integralmente improcedente e, em consequência, absolvo o réu do pedido contra si formulado.
*
Custas a cargo do autor, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.*
Registe e notifique.*
Inconformado com essa sentença, apresentou o A. AA recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou, com a apresentação das seguintes conclusões:
1. O recorrente não se conforma com a sentença do Tribunal a quo, nomeadamente quanto à improcedência da ação e ao dar como justificada a decisão de aplicação da medida de coação ao, então, arguido.
2. O arguido foi submetido a prisão preventiva de 29/11/2019 a 23/11/2020, por indícios do crime de violência doméstica contra a sua ex-mulher.
3. A sentença no âmbito desse processo decretou a absolvição do ora recorrente.
4. Por causa da sua absolvição e porque a aplicação da prisão preventiva foi injustificada, o ora recorrente intentou uma ação contra o Estado a requerer uma indemnização ... termos do art.º 255.º do CPP.
5. Durante o período em que o arguido esteve privado da sua liberdade, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, fixando-se a quantia para o respetivo ressarcimento em € 72.844,10.
6. Não esteve bem o Tribunal a quo ao dar como justificada a aplicação da medida de coação, pois esta padece de erro grosseiro.
7. O Juiz de Instrução formula conclusões e tira ilações que em nada têm que ver com as provas existentes ... autos na data de aplicação da medida de coação.
8. O despacho de aplicação da prisão preventiva é injustificado e arbitrário.
9. Estão preenchidos os pressupostos de aplicação do disposto no art.º 255.º, n.º 1, al. c) do CPP.
Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, devendo o estado ser condenado no pagamento de uma indemnização ... termos do art.º 255.º do CPP.
Decidindo o Venerando Tribunal nestes termos estará a fazer a habitual JUSTIÇA!
*
Notificado das alegações de recurso apresentadas pelo A., o R. Estado Português apresentou as suas contra-alegações, que finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:
1º- Por sentença transitada em julgado proferida no processo comum singular nº 1405/19.... do Juízo Local Criminal ... (Juiz ...), o arguido aqui autor/apelante foi absolvido da prática de um crime de violência doméstica de que também vinha acusado, não porque tenha ficado demonstrado que não foi ele o autor dos factos que motivaram a sua detenção e pelos quais lhe foi imposta a prisão preventiva pelo juiz de instrução aquando do seu primeiro interrogatório judicial, nem que tenha atuado justificadamente, mas porque aos factos que lhe vinham imputados na acusação considerados provados foi atribuída relevância jurídica diversa.
2º- Não obstante, na mesma sentença, o arguido aqui autor/apelante foi condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida na pena de 200 dias de multa à taxa de 6,00€, por factos que se encontravam em estreita relação de conexão com o imputado crime de violência doméstica e que, só por si, representavam perigo para a vida da vitima.
3º- A decisão do Mº Juiz de Instrução que aplicou ao arguido aqui autor/apelante a medida de coação de prisão preventiva, aquando do seu primeiro interrogatório judicial como arguido detido, foi objeto de recurso, tendo o tribunal superior confirmado a mesma integralmente, designadamente, quando à existência de fortes indícios da prática pelo arguido de um crime de violência doméstica e à verificação dos perigos de continuação da sua atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, só possível acautelar com a imposição da referida medida de coação mais gravosa.
4º- A sentença que absolveu o arguido do crime de violência doméstica foi objeto de recurso interposto pelo Ministério Público relativamente à matéria de facto, sem que tenha cumprido o ónus da impugnação prescrito no artigo 412º, nº 3, 4 e 6 do CPP pelo que foi o recurso rejeitado por manifesta improcedência.
5º- Tal sentença não é, assim, pacífica quanto à absolvição do arguido – aqui autor/apelante – da prática do crime de violência doméstica e o tribunal superior apenas dela não conheceu por meras razões formais.
6º- No caso, o facto da sentença penal ter absolvido o arguido do crime de violência doméstica em nada inquina a decisão do Mº Juiz de Instrução que lhe aplicou a medida de coação de prisão preventiva aquando do seu primeiro interrogatório judicial, mas apenas traduz a realidade histórica e dinâmica do identificado processo penal.
7ª- A aferição a fazer relativamente à decisão do Mº Juiz de Instrução que aplicou ao arguido a medida de coação de prisão preventiva tem de ser apreciada de acordo com o concreto momento histórico indiciário ou probatório em que foi proferida (29-11-2019) e não como o que veio a ser apurado no futuro.
8º- Neste contexto, tendo a decisão do juiz de instrução que aplicou a prisão preventiva ao arguido (aqui autor/apelante) sido confirmada – como foi – pelo tribunal superior em sede de recurso, difícil se mostra (senão, quase impossível) afirmar a existência de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia.
9º- De todo o modo, o arguido aqui autor/apelante não alega nem demonstra e muito menos se concebe ter sido cometido no caso dos autos erro grosseiro na aplicação da sua prisão preventiva.
10º- Por outro lado, a absolvição do arguido – aqui autor/apelante – relativamente ao crime de violência doméstica também não resultou de ter ficado demonstrado que não foi ele o agente do crime ou atuou justificadamente. Ao invés, a materialidade dos factos que lhe vinham imputados na acusação resultou provada. O que se passou foi que na sentença se procedeu a uma diferente interpretação dos factos, considerando-se que não estavam preenchidos os elementos do tipo legal do crime de violência doméstica.
11º- A prisão preventiva do arguido aqui autor/apelante não é injustificada no caso dos autos.
12º- Não se verificam assim os pressupostos do direito à indemnização invocados do artigo 225º, nº1, al. b) e c) do CPP
13º- Bem andou, assim, a douta sentença recorrida em julgar a ação improcedente e, em consequência, ao absolver o Réu Estado Português do pedido.
14ª- Negando provimento ao recurso deverá a douta sentença recorrida ser confirmada.
Contudo, V.as Ex.as, Venerandos Desembargadores, farão, como sempre, a costumada JUSTIÇA
*
O Exmº Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida.
*
Foram facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos.
*
Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
*
2 – QUESTÕES A DECIDIR
Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este pretende que seja reapreciada a decisão de mérito da acção que absolveu o R. Estado da peticionada indemnização do A. pelo período em que esteve em prisão preventiva, ... termos do art. 255º do CPP.
*
3 – OS FACTOS
Factos provados:
Resultaram provados os seguintes factos:
1. O autor foi constituído arguido no âmbito do Processo Comum Singular nº 1405/19.... do Juízo Local Criminal ... (Juiz ...);
2. Neste processo era ofendida BB com a qual o...
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