Acórdão nº 1734/15.0BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-11-02

Ano2023
Número Acordão1734/15.0BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção do Contencioso Tributário Comum do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por S… e L… , contra os atos de liquidação de IMT e liquidações adicionais de IS, do ano de 2010, no montante total de €53.907,00, respeitantes à aquisição onerosa de fração autónoma, dela interpôs recurso formulando para o efeito as seguintes conclusões:

«I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a impugnação deduzida por S… e L…, contra as liquidações de Imposto Municipal sobre as Transações Onerosas de Imóveis (IMT) e liquidações adicionais de Imposto do Selo (IS), referentes a 2010, no montante total de € 53 907,00.

II. Por sentença datada de 29-11-2022, ora recorrida, veio a Mm. ª Juiz do Tribunal a quo, estribando-se na factualidade dada como assente em III, conceder provimento à Impugnação apresentada e, em consequência, determinar a anulação da liquidação porque verificada a caducidade do direito à liquidação. III. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do artigo 31.º e 35.º CIMT.

IV. Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto a que chegou a douta sentença recorrida, relativamente ao modo como logrou concluir pela caducidade do direito de liquidação aos sujeitos passivos, o qual com o respeito, deriva não só da incorreta perceção e valoração da prova, mas também da desacertada interpretação jurídica que fez das disposições legais supra citadas.

V. Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vetores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis.

VI. No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra atualmente consagração genérica no artigo 45.º da LGT. Sob a epígrafe caducidade do direito à liquidação preceitua aquele normativo que direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

VII. Isto posto, há que considerar as exceções legais, como prevê o art. 35.º do CIMT, sob a epígrafe “Caducidade do direito à liquidação”: “Só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto no número seguinte e, quanto ao restante, nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária”.

VIII. Resulta do probatório que, “(…) em face das declarações Modelo 1, de IMT apresentadas pelos Impugnantes, em 29-09-2010, a Administração Fiscal emitiu os documentos de cobrança de IMT n.ºs 160810027228203 e 160310027224003, no valor de € 0,00…”. E nessa conformidade, decidiu o Douto tribunal que “(…) o facto da primeira liquidação de IMT, ter sido no valor de € 0,00, não deixa de ser uma liquidação, na qual foi considerada uma isenção de IMT. Criou a expectativa aos Impugnantes de que beneficiavam da isenção de IMT, na aquisição da fração destinada à instalação de empreendimento turístico. Ao rever este entendimento, a Administração Fiscal procedeu a uma liquidação adicional de IMT, pois teve em conta a anterior, que havia apurado o valor de € 0,00.”IX. Ora, salvo melhor opinião, não concordamos com o entendimento, assim, plasmado na sentença ora recorrida porquanto, como bem fundamentado no acórdão do STA de 13.09.2017, proferido no processo n.º 1126/17 a análise desta questão impõe que, previamente, se aprecie se a isenção de IMT a que se refere o art.º 20º do DL nº 423/83, de 5 de dezembro, configura um benefício fiscal de natureza automática ou, antes, um benefício dependente de reconhecimento.

X. Trata-se, aliás, de posição pacífica e reiterada, há muito consolidada na jurisprudência dos Tribunais Centrais Administrativos e do Supremo Tribunal Administrativo que o aludido benefício não opera a pedido do interessado, isto é, através de requerimento autónomo dirigido especificamente à sua obtenção e com a inevitável instauração e decisão de procedimento próprio para o efeito (como acontece com os benefícios dependentes de reconhecimento – cfr. art.º 5º, nº 3, do EBF), inexistindo, por conseguinte, ato administrativo de reconhecimento em procedimento tributário próprio e autónomo.

XI. O que, no caso, se verificou foi que os sujeitos passivos, ao darem cumprimento ao dever declarativo imposto pelo art.º 19º do CIMT, fizeram operar, de forma direta e automática, a isenção de tributação ao declararem que a aquisição das frações se destinava à instalação de empreendimento turístico nos termos previstos no nº 1 do art.º 20 do DL 423/83, isto é, ao declararem a existência de uma realidade que faz automaticamente espoletar a isenção. O que levou o serviço de finanças a emitir documento único de cobrança (DUC) com o valor de 0,00 euros, atenta a inexistência de obrigação de imposto perante o teor dessa declaração e a necessidade de emissão de DUC para sua apresentação junto do notário, em conformidade com o disposto no art.º 49º do CIMT.

XII. Não obstante, o facto de os impugnantes, ora recorridos, terem requerido a emissão das notas de cobrança de IMT relativas aos atos de transmissão da propriedade mencionados nas als. A) a I) do probatório ao abrigo do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro (assim beneficiando da isenção de imposto) e o facto de as mesmas terem sido emitidas em conformidade com o declarado pelos mesmos, não impede que a Administração Tributária, no exercício das suas funções, detete irregularidades, designadamente pelo facto de a verdade material não coincidir com os factos e elementos declarados, e proceda às correções devidas, quer ao nível do enquadramento quer do acerto que se impuser em termos de liquidação do imposto em falta.

XIII. Ou seja, apesar de ter sido requerida a emissão da nota de cobrança como estando em causa a aquisição de frações com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, nos termos previstos no n.º 1 do art.º 20 do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, considerou a AT, que não se verificavam, in casu, os pressupostos legais de que dependia a isenção do imposto de que beneficiaram, procedendo às respetivas correções de enquadramento, o que conduziu à liquidação do imposto considerado devido em cada caso. Aquando da escritura de compra e venda, não houve lugar a liquidação de IMT, por haver um reconhecimento automático de isenção daquele imposto nos termos do artigo 20.º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5 de dezembro.

XIV. De onde se conclui que as liquidações impugnadas não são liquidações adicionais, mas sim uma primeira liquidação e como tal o prazo de caducidade aplicável era o prazo especial de oito anos previsto no n.º 1 do artigo 35.º do Código do IMT, e não, como decidido pela sentença ora recorrida, o prazo de 4 anos previsto no n.º 3 do artigo 31.º do mesmo Código.

XV. In casu, constatando-se que não ocorriam os pressupostos para a isenção de que os impugnantes haviam beneficiado de forma automática, mas indevida, a AT tinha o poder/dever de proceder, como procedeu, à liquidação do tributo devido, por não ter caducado o direito a essa liquidação à luz da norma que estabelece o prazo para o efeito (“oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito” – cfr. art.º 35º do CIMT).

XVI. Não é legítimo – porque destituído de fundamento legal - ficcionar a existência de uma prévia liquidação à taxa zero ocorrida no momento da escritura para efeitos de aplicação do prazo de caducidade previsto no n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT quando nenhuma prévia liquidação existiu, sendo as impugnadas as primeiras e únicas.XVII. Nesta linha de entendimento, merece censura a sentença ora recorrida, ao decidir verificada a caducidade do direito à liquidação, uma vez que conforme resulta do probatório supra, a transmissão aconteceu em 29.10.2010, e a liquidação data de 18.02.2015, pelo que aconteceu dentro dos oito anos de que a Administração Tributária dispunha para liquidar.

XVIII. Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por outra que julgue improcedente a impugnação judicial.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»


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Notificados da admissão do recurso jurisdicional, os recorridos S… e L… apresentaram contra-alegações rematando-as as com as seguintes conclusões:« I. Resulta da lei que a operação de liquidação ocorre desde o momento em que o sujeito passivo alega um determinado acto susceptível de tributação até à decisão sobre se há imposto a pagar ou não, qual o imposto e qual o seu valor, sendo, portanto, de considerar que a operação realizada pelo Serviço de Finanças de reconhecimento da isenção de pagamento de IMT se enquadra neste procedimento de liquidação e que a liquidação do imposto foi efectuada em 2010.II. Por conseguinte, existindo uma liquidação, não se deverá considerar o prazo de oito anos estipulado no n.º 1 do Artigo 35.º do CIMT, invocado pela Recorrente.

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