Acórdão nº 173/19.9IDPRT-AI.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 02-03-2022

Data de Julgamento02 Março 2022
Ano2022
Número Acordão173/19.9IDPRT-AI.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 173/19.9IDPRT-AI.P1

Relator Paulo Costa
Adjunto Nuno Pires Salpico
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Instrução Criminal ... – Juiz ...
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
No âmbito do Inquérito n.º 173/19...., a correr termos na ... Secção do DIAP ..., foi apreendido o veículo automóvel de matrícula ..-TG-.., marca ..., modelo ..., registado em nome de R..., ldª., e que se encontrava na posse desta.
Por requerimento entrado em juízo a 29-06-2021, veio AA invocar na qualidade de gerente da referida sociedade que a viatura é propriedade da R..., juntando cinco documentos respeitantes a registo e transações do veículo em causa.
Pede, ao abrigo do disposto no art. 186.º, n.º1, do CPPenal, a restituição do veículo, por ser a sociedade a legítima dona e proprietária, apelando ainda à circunstância de se tratar de bem impedido de ser comercializado no exercício da sua atividade, sendo a apreensão excessiva, desproporcional e desadequada.
Foi criado o apenso a que se refere o art. 178.º, n.º 1, do CPPenal, tendo o Ministério Público tomado posição no sentido do indeferimento do requerido.
Em diligência presidida por Juiz de Instrução Criminal, procedeu-se à audição do requerente, em cumprimento do disposto no art. 178.º, n.º 9, do CPPenal.
Por despacho de 04.03.2021, a Senhora Juiz de Instrução do Juízo de Instrução Criminal, decidiu manter a apreensão do veículo, o que fez nos seguintes termos (transcrição):
«Vem o arguido AA requerer a restituição do automóvel de matricula .. TG-.. por ter sido adquirido por A... e não ter origem criminosa. Refere o MºPº que, "ainda que o automóvel, como refere o requerente, não tenha sido adquirido através da prática de crime, ele constitui uma vantagem relacionada com a prática de crime para efeitos do disposto no art.°.178° nº1 C.P.P. pois que, atento o valor da vantagem ilícita obtida pelo arguido AA ainda indiciariamente calculada e em patamares inferiores é de pelo menos 228.444,222€ relativamente a "A..., S.A. e de 66.230,64€ relativamente a R..., Lda. (cfr. fls. 1212) ". Em concordância, considerando o disposto nos artigos 178°, n°1 C.P.P. e 110° do C.P. devem manter-se apreendidos todos os bens encontrados na posse do arguido AA e das suas empresas por serem suscetíveis de virem a ser declarados perdidos a favor do Estado.

Assim, indefiro a restituição requerida.

DN.»

Proferido a decisão em 04.03.21 e devidamente notificada não foi a mesma alvo de impugnação, tendo sido ordenado o arquivamento em 20.05.21.

Em 28.07.21, AA apresenta novo requerimento dado conta que o veículo não pertence à A..., S.A., mas sim à R..., ldª comprado a BB, embora não tenha sido registado em seu nome.
Insiste pela restituição da viatura. Junta 2 documentos.

O M.P. em despacho datado de 01.09.21 promove:
«FLS 21/requerimento entrado em 28/07/2021:

O facto de o automóvel em causa ter sido formalmente adquirido pela sociedade R... e não por A... em nada altera os fundamentos do douto despacho de fls. 13 dos autos, constituindo vantagem ilícita da prática de crime.

Pelo exposto, promovo que se indefira o requerido.

Conclua os autos no M° JIC.»

A Srª juiz de instrução em 13.09.21, proferiu o seguinte despacho:

« Fls. 21/requerimento entrado em 28/07/2021: Mantém-se, nos seus precisos termos, o despacho que antecede que indeferiu a restituição. Com efeito, como refere o MP, titular do inquérito, o facto de o automóvel em causa ter sido formalmente adquirido pela sociedade R... e não por A... em nada altera os fundamentos que presidiram ao indeferimento.
Assim, indefiro ao requerido.

DN.»
*
Inconformado com o assim decidido, veio o requerente AA interpor recurso desta decisão e requerer a final a revogação da decisão recorrida, substituindo-se por outra que determine lhe seja restituída a viatura apreendida, apresentando em abono da sua posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«CONCLUSÕES:

A. O Despacho proferido em 13/09/2021, com a ref. ..., que indeferiu a restituição do veículo automóvel da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-TG-.., não satisfaz as exigências mínimas de fundamentação, não se enunciando quaisquer factos aptos a sustentar a relação de causalidade entre tal veículo e a atividade criminosa em investigação.

B. É certo que se conhece porque resulta do Despacho proferido em 04/03/2021, com a ref. ...- o valor da vantagem ilícita que se diz ter sido obtida pelo arguido relativamente à "R..., Lda.", mas não se logra compreender a base factual para considerar que esta concreta viatura constitui vantagem relacionada com a prática de crime.

C. Tal falta de fundamentação, nos termos do artigo 97.°, n.º 5, do CPP e do artigo 205.0, n.º 1, da CRP, tem como consequência a irregularidade prevista no artigo 123.º do CPP, determinando a sua invalidade por afetar o valor daquele ato decisório.

D. Invalidade que expressamente se invoca para todos os efeitos.

E. A referida ausência de fundamentação da decisão recorrida nos termos expostos é, por conseguinte, sintomática da total falta de fundamento da apreensão ordenada, por não estarem preenchidos os pressupostos legais previstos no artigo 178.º do CPP.

F. Repare-se desde logo que, no âmbito da diligência de busca e apreensão, que teve lugar no dia 13/01/2021, no denominado "Estabelecimento Comercial ...", foram apreendidas, no total, 8 (oito) viaturas, sem que do respetivo auto conste qualquer explicação, motivo ou indício de que o veículo automóvel da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-TG-.., esteja relacionado com a prática de crimes (cf. fls. 1630).

G. Acresce que, analisado o conteúdo de fls. 1212 dos autos (que é justamente a que vem citada no Despacho proferido em 04/03/2021, com a ref ...], constata-se que o identificado veículo não está incluído no elenco das viaturas que permitiram alcançar o valor global de 66.230,64 € de vantagem patrimonial ilegítima a imputar à "R..., Lda.", nem foi adquirido no período temporal em que supostamente foi praticado o crime de fraude fiscal imputado a esta sociedade.

H. O que significa que de modo algum se pode afirmar que a apreensão levada a cabo visa dar cumprimento ao escopo do
...

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