Acórdão nº 1718/21.0T8PVZ-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 14-12-2022
Data de Julgamento | 14 Dezembro 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 1718/21.0T8PVZ-A.P1 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Apelação nº 1718/21.0T8PVZ-A.P1
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I – Resenha histórica do processo
1. Foi instaurado processo de inventário [1], por óbito de AA, falecido em .../.../2008, e sua mulher BB, falecida em .../.../2014, os quais foram casados em únicas núpcias de ambos e sob o regime de comunhão geral de bens.
São herdeiros os oito filhos do casal, tendo sido nomeada cabeça de casal a filha CC.
Apresentada a relação de bens, foi ela objeto de duas reclamações: (i) uma suscitada pelo interessado DD; (ii) outra pelos interessados EE, FF, GG, HH, II e JJ.
A cabeça de casal respondeu às reclamações e, de entre outros meios de prova, pediu o depoimento de parte de todos os outros co-interessados, designadamente o de DD.
Posteriormente, os interessados EE, FF, GG, HH, II e JJ revogaram a procuração que haviam outorgado a advogado; notificados nos termos e para os efeitos do art.º 41º do Código de Processo Civil (CPC), não o fizeram.
Em conformidade, a M.mª Juíza decidiu: «Pelo exposto, nos termos do artigo 41º do C.P.C., aplicável por interpretação extensiva, e 1090º, al. a), do C.P.C absolvo a cabeça-de-casal da instância incidental referente à reclamação daqueles.»
Em 14/07/2022, apreciando os meios de prova oferecidos quanto à reclamação de DD, a M.mª Juíza decidiu:
«Na sua resposta à reclamação, apresentada em 10-09-2019, de fls. 162 a 167, a cabeça-de-casal requereu a prestação de depoimento de parte do interessado reclamante DD e dos interessados FF, EE, HH, GG, II e JJ.
“Nos termos do artigo 353º nº2 do CC, havendo litisconsórcio necessário, a confissão do litisconsorte é ineficaz, do que se conclui que, nesse caso, não é admissível o depoimento de parte de um litisconsorte, se não for requerido também o depoimento de parte do outro ou outros litisconsortes, pois o depoimento visa a obtenção da confissão e, se o litisconsorte vier a confessar, a confissão é ineficaz.” – Ac. RL de 04-10-2012, p. 4867/08.6TBOER-I.L1-6, acessível em www.dgsi.pt.
No caso concreto, encontramo-nos no âmbito de uma acção especial de inventario, pelo que existe litisconsórcio necessário entre os interessados directos na partilha.
Conforme resulta da conjugação dos artigos 554º, nº1 do C.P.C. e 352º e 356º, nº2, do C. Civil, o depoimento de parte só pode ter por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento e que são desfavoráveis ao depoente e favorecem a parte contrária.
No caso concreto, encontramo-nos no âmbito de uma acção especial de inventario, pelo que existe litisconsórcio necessário entre os interessados directos na partilha.
Por conseguinte, só depoimento de parte de todos os demais interessados seria eficaz para obtenção de confissão.
Porém, os interessados não têm uma posição contrária à da cabeça-de-casal nos autos, já que a instância da reclamação por eles apresentada foi julgada extinta.
Pelo exposto, indefere-se o requerido depoimento de parte do reclamante DD e dos interessados FF, EE, HH, GG, II e JJ.»
2. Inconformado com este despacho, dele apelou a cabeça de casal, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«1ª. Em 12/06/2019 o interessado DD apresentou reclamação contra a relação de bens, que foi objecto de resposta/oposição por parte da cabeça-de-casal, aqui apelante, apresentada nos autos em 10/09/2019, tendo ambas as partes indicado os seus meios de prova nos respectivos articulados.
2ª. O fundamento invocado no douto despacho recorrido para a não admissão do depoimento de parte do reclamante, requerido pela apelante na sua resposta, não pode ser havido como válido para o indeferimento do depoimento de parte a prestar pelo reclamante, uma vez que o incidente de reclamação contra a relação de bens pressupõe a existência de um dissenso entre reclamante e reclamada a respeito de determinados bens, que impõe que seja produzida e apreciada a prova indicada e proferida decisão sobre se eles deverão ou não integrar o acervo hereditário.
3ª. O incidente de reclamação contra a relação de bens tem uma tramitação de natureza declarativa, no qual se discute qual o concreto acervo hereditário que deve integrar os bens da herança a partilhar, com a alegação de factos e apresentação das provas, cuja tramitação está prevista nos art.º 1104º e 1105º do CPC, com prolação da decisão de mérito após audiência de produção da prova.
4ª. Conforme prevê o art.º 1091º nº 1 do CPC, aos incidentes do processo de inventário aplica-se, salvo indicação em contrário, o disposto nos artigos 292.º a 295.º do mesmo diploma, pelo que decorre do art.º 292º do CPC que a admissibilidade das provas em quaisquer incidentes inseridos na tramitação de uma causa apenas conhece os limites expressamente estabelecidos no art.º 294º do mesmo diploma.
5ª. Na expressão “requerer os outros meios de prova” usada pelo legislador na parte final do nº 1 do art.º 293º, pelo carácter genérico dos seus termos, cabem todos os meios de prova legalmente admissíveis pelo que, ressalvado o devido respeito, se não vê justificação alguma para desse incidente se...
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I – Resenha histórica do processo
1. Foi instaurado processo de inventário [1], por óbito de AA, falecido em .../.../2008, e sua mulher BB, falecida em .../.../2014, os quais foram casados em únicas núpcias de ambos e sob o regime de comunhão geral de bens.
São herdeiros os oito filhos do casal, tendo sido nomeada cabeça de casal a filha CC.
Apresentada a relação de bens, foi ela objeto de duas reclamações: (i) uma suscitada pelo interessado DD; (ii) outra pelos interessados EE, FF, GG, HH, II e JJ.
A cabeça de casal respondeu às reclamações e, de entre outros meios de prova, pediu o depoimento de parte de todos os outros co-interessados, designadamente o de DD.
Posteriormente, os interessados EE, FF, GG, HH, II e JJ revogaram a procuração que haviam outorgado a advogado; notificados nos termos e para os efeitos do art.º 41º do Código de Processo Civil (CPC), não o fizeram.
Em conformidade, a M.mª Juíza decidiu: «Pelo exposto, nos termos do artigo 41º do C.P.C., aplicável por interpretação extensiva, e 1090º, al. a), do C.P.C absolvo a cabeça-de-casal da instância incidental referente à reclamação daqueles.»
Em 14/07/2022, apreciando os meios de prova oferecidos quanto à reclamação de DD, a M.mª Juíza decidiu:
«Na sua resposta à reclamação, apresentada em 10-09-2019, de fls. 162 a 167, a cabeça-de-casal requereu a prestação de depoimento de parte do interessado reclamante DD e dos interessados FF, EE, HH, GG, II e JJ.
“Nos termos do artigo 353º nº2 do CC, havendo litisconsórcio necessário, a confissão do litisconsorte é ineficaz, do que se conclui que, nesse caso, não é admissível o depoimento de parte de um litisconsorte, se não for requerido também o depoimento de parte do outro ou outros litisconsortes, pois o depoimento visa a obtenção da confissão e, se o litisconsorte vier a confessar, a confissão é ineficaz.” – Ac. RL de 04-10-2012, p. 4867/08.6TBOER-I.L1-6, acessível em www.dgsi.pt.
No caso concreto, encontramo-nos no âmbito de uma acção especial de inventario, pelo que existe litisconsórcio necessário entre os interessados directos na partilha.
Conforme resulta da conjugação dos artigos 554º, nº1 do C.P.C. e 352º e 356º, nº2, do C. Civil, o depoimento de parte só pode ter por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento e que são desfavoráveis ao depoente e favorecem a parte contrária.
No caso concreto, encontramo-nos no âmbito de uma acção especial de inventario, pelo que existe litisconsórcio necessário entre os interessados directos na partilha.
Por conseguinte, só depoimento de parte de todos os demais interessados seria eficaz para obtenção de confissão.
Porém, os interessados não têm uma posição contrária à da cabeça-de-casal nos autos, já que a instância da reclamação por eles apresentada foi julgada extinta.
Pelo exposto, indefere-se o requerido depoimento de parte do reclamante DD e dos interessados FF, EE, HH, GG, II e JJ.»
2. Inconformado com este despacho, dele apelou a cabeça de casal, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«1ª. Em 12/06/2019 o interessado DD apresentou reclamação contra a relação de bens, que foi objecto de resposta/oposição por parte da cabeça-de-casal, aqui apelante, apresentada nos autos em 10/09/2019, tendo ambas as partes indicado os seus meios de prova nos respectivos articulados.
2ª. O fundamento invocado no douto despacho recorrido para a não admissão do depoimento de parte do reclamante, requerido pela apelante na sua resposta, não pode ser havido como válido para o indeferimento do depoimento de parte a prestar pelo reclamante, uma vez que o incidente de reclamação contra a relação de bens pressupõe a existência de um dissenso entre reclamante e reclamada a respeito de determinados bens, que impõe que seja produzida e apreciada a prova indicada e proferida decisão sobre se eles deverão ou não integrar o acervo hereditário.
3ª. O incidente de reclamação contra a relação de bens tem uma tramitação de natureza declarativa, no qual se discute qual o concreto acervo hereditário que deve integrar os bens da herança a partilhar, com a alegação de factos e apresentação das provas, cuja tramitação está prevista nos art.º 1104º e 1105º do CPC, com prolação da decisão de mérito após audiência de produção da prova.
4ª. Conforme prevê o art.º 1091º nº 1 do CPC, aos incidentes do processo de inventário aplica-se, salvo indicação em contrário, o disposto nos artigos 292.º a 295.º do mesmo diploma, pelo que decorre do art.º 292º do CPC que a admissibilidade das provas em quaisquer incidentes inseridos na tramitação de uma causa apenas conhece os limites expressamente estabelecidos no art.º 294º do mesmo diploma.
5ª. Na expressão “requerer os outros meios de prova” usada pelo legislador na parte final do nº 1 do art.º 293º, pelo carácter genérico dos seus termos, cabem todos os meios de prova legalmente admissíveis pelo que, ressalvado o devido respeito, se não vê justificação alguma para desse incidente se...
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