Acórdão nº 17082/21.4T8LSB.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-06-23

Ano2022
Número Acordão17082/21.4T8LSB.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I-RELATÓRIO
J… intentou ação declarativa de condenação, sob forma de processo comum, contra:
Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, E.P.E., peticionando o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os certificados de aforro correspondentes a 915 unidades da série A e a 1000 unidades da série B, por óbito de seu pai, M…, bem como o pagamento do correspondente valor global, de €15.939,52, acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Alega, para tanto, em suma, que apenas tomou conhecimento da existência dos referidos certificados de aforro em data posterior ao falecimento do seu pai e que, ao tentar obter o seu pagamento junto da ré, lhe foi indicado que os valores em causa se encontravam prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública por não terem sido reclamados pelos herdeiros dentro do prazo legalmente estipulado para o efeito.
Regularmente citada, a Ré apresentou contestação na qual se defendeu por exceção alegando a prescrição do direito invocado com fundamento na não reclamação dos valores ora peticionados dentro do prazo de 10 anos após o falecimento do aforrista, bem como alega que, a ser reconhecido o direito do autor, o valor a restituir será apenas de €11.203,73, por ser esse o seu valor, à data do óbito. Apresentou, ainda, defesa por impugnação.
Notificado para o efeito, o Autor respondeu às exceções deduzidas, pugnando pela sua improcedência.
Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o julgamento e seguidamente proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente, por provada e, em consequência, condenou a ré Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, E.P.E. no pagamento ao autor J… do montante global de €15.939,52, acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde 15/07/2021 até efetivo e integral pagamento.
Inconformada com a sentença proferida, a Ré interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1.O presente recurso é interposto da sentença proferida em 21.12.2021 (ref.ª 410677013), nos termos da qual se julgou a presente “ação totalmente procedente, por provada” e, em consequência, condenou a Ré “no pagamento ao autor ….do montante global de €15.939,52 (quinze mil, novecentos e trinta e nove euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde 15/07/2021 até efetivo e integral pagamento” (a “Sentença Recorrida”).
2. De modo sumário, na Sentença Recorrida considerou-se “a data do conhecimento da qualidade de aforrista como relevante para o início da contagem do prazo de prescrição”, sendo que, “no caso dos autos, o mesmo ocorreu apenas em dezembro de 2018”, razão pela qual “não se considera prescrito o direito do autor de requerer o seu reembolso por parte da réu”.
3.Sucede, porém, que a Recorrente não se pode conformar com tal decisão porquanto não concorda com a interpretação jurídica e solução de direito adotadas pelo Tribunal a quo, impondo-se, conforme se verá infra, a revogação total da Sentença Recorrida e a sua substituição por outra nos termos da qual se absolva a Recorrente do pedido contra si formulado.
4. Com efeito, é entendimento da ora Recorrente que a Sentença Recorrida incorreu numa errada interpretação e aplicação do regime jurídico da prescrição especialmente previsto para os certificados de aforro in casu [nomeadamente, do artigo 7.º do do Regime dos Certificados de Aforro Série B, dos artigos 18.º e 19.º do Regime dos Certificados de Aforro Série A e dos artigos 9.º e 306.º, n.º 1 do CC, regras jurídicas estas que se mostram violadas].
5. Outrossim, os referidos preceitos, devidamente interpretados e aplicados, implicariam a procedência da exceção perentória de prescrição do direito do Autor, ora Recorrido, importando, por conseguinte, a absolvição total da Ré, ora Recorrente, do pedido por aquele formulado.
6. A interpretação adotada pelo Tribunal a quo – além de não encontrar o mínimo de correspondência na letra da lei – carece de fundamentação que a suporte, não se compaginando com a ratio legis subjacente ao instituto da prescrição objetiva, em geral, muito menos com a subjacente a estes preceitos legais, em especial. Não pode, por isso, a Recorrente conformar-se com tal entendimento.
7. É que a legislação aplicável neste âmbito é clara no sentido de estabelecer que a contagem do aludido prazo de prescrição se inicia a partir da data do óbito do titular dos certificados de aforro, conforme veremos em detalhe infra, tendo este prazo de prescrição um carácter eminentemente objetivo cuja contagem é espoletada por um evento objetivo (neste caso, o óbito do aforrista), não estando dependente de qualquer estado de subjetividade (como o conhecimento do herdeiro da existência de certificados).
8. Assim, tendo em conta que o óbito do aforrista ocorreu em 01.01.2007, o referido prazo de 10 anos contado da data de tal facto, há muito que decorreu, não tendo o Autor, ora Recorrido, requerido a transmissão dos certificados de aforro titulados pelos seu pai para o seu nome de forma tempestiva, pois que só o fez em dezembro de 2018 (cfr. artigo 29.º da Contestação), ou seja, já depois de decorrido tal prazo de prescrição.
9. De igual modo, o direito ao reembolso do respetivo valor de que o Recorrido se arroga titular nesta ação encontrava-se à data da sua instauração (em 12.07.2021) há muito prescrito, prescrição que devia ter sido declarada pelo Tribunal a quo em sede de sentença, algo que não logrou fazer, em virtude da errada interpretação e valoração jurídica do prazo de prescrição (e do momento inicial da sua contagem) em causa nos presentes autos em que caiu.
10. A errada interpretação e aplicação do regime jurídico da prescrição especialmente previsto para os certificados de aforro está patente em diversos segmentos da Sentença Recorrida, oferecendo o Tribunal a quo uma solução jurídica que se mostra absolutamente incorreta, existindo, por isso, várias razões que impõem a revogação da mesma e a sua substituição por outra que considere a ação totalmente improcedente, absolvendo a Recorrente do pedido contra si formulado.
II. DO MÉRITO DO RECURSO: DA ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO REGIME ESPECIAL DA PRESCRIÇÃO APLICÁVEL AOS CERTIFICADOS DE AFORRO
11. O pedido formulado pelo Autor, ora Recorrido, alicerça-se numa interpretação errada (idêntica à que vem sufragada na Sentença Recorrida) do regime da prescrição previsto especialmente para os certificados de aforro, em concreto, no que toca ao termo inicial do prazo de prescrição consagrado nos artigos 7.º e 18.º do Regime dos Certificados de Aforro Série B e do Regime dos Certificados de Aforro Série A, respetivamente, segundo a qual tal prazo se inicia com o conhecimento pelo herdeiro (neste caso, pelo Recorrido) da existência de certificados de aforro titulados pelo de cujus.
12. É entendimento da Recorrente, porém, que o alegado direito ao reembolso do valor dos certificados de aforro, outrora titulados pelo pai do Recorrido, se encontrava já prescrito à data em que este requereu a transmissão dos referidos certificados de aforro para o seu nome (em dezembro de 2018),
13. E, bem assim, por maioria de razão, à data da propositura da presente ação judicial e, por conseguinte, à data da citação da Recorrente, pelo decurso do prazo de prescrição de 10 anos previsto naqueles regimes especiais, porquanto o óbito do aforrista ocorreu em 01.01.2007, sendo certo que o referido prazo de prescrição é desencadeado por tal facto, contando-se da data em que o mesmo se verifica.
14. Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, o prazo de prescrição de 10 anos previsto naqueles regimes especiais inicia-se a partir da data do óbito do titular dos certificados de aforro, conforme veremos em detalhe infra, e não do conhecimento da existência desses certificados, tendo este prazo de prescrição um carácter eminentemente objetivo cuja contagem é espoletada por um evento objetivo (neste caso, o óbito do aforrista), não estando dependente de qualquer estado de subjetividade (como o conhecimento do herdeiro da existência de certificados).
15. De facto, a prescrição aplicável in casu é uma prescrição objetiva, impondo-se por razões de segurança jurídica, com o objetivo de evitar que a contraparte fique indefinidamente refém da proactividade do titular dodireito(nestecaso,dos herdeiros), o qual pode nunca vir a ser exercido.
16. Com efeito, além dos demais objetivos já descritos, este instituto procura também evitar que situações de indefinição que se prolonguem no tempo, criando fundadas e legítimas expectativas, sejam atacadas por quem não agiu no devido tempo.
17. Por outras palavras, a referida prescrição objetiva pretende proteger asituaçãojurídica em que se encontram os certificados de aforro decorrido que esteja o período de 10 anos após o óbito do aforrista. Encontrando-se prescritos, os valores de reembolso de tais certificados reverterão para o Fundo de Regularização de Dívida Publica, conforme previsto no n.º 2 do artigo 7.º do Regime dos Certificados de Aforro Série B e no artigo 19.º do Regime dos Certificados de Aforro Série A - uma situação que se cristalizou no tempo e que não pode ser posta em causa por herdeiros que não agiram atempadamente, que não lograram evitar que tal prescrição operasse, e que agora tentam atacar uma situação já consolidada no passado (in casu, em 01.01.2017, quando operou a prescrição).
18. Acresce que o prazo de 10 anos é um prazo perfeitamente razoável e suficientemente longo para que os herdeiros de titulares de certificados de aforro, como o Recorrido, possam tomar conhecimento de todos os bens que integram a herança e, assim, exercer o direito
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