Acórdão nº 1707/20.1T8CTB.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-02-07

Ano2023
Número Acordão1707/20.1T8CTB.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO)

Proc. nº1707/20.1T8CTB.C1[1]

Apelações em processo comum e especial (2013)

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Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[2]

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1 – RELATÓRIO

BB, residente no Beco ..., Quinta ..., instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC e DD, ambos residentes na Rua ..., ..., ..., EE, FF e GG, os três residentes na Rua ..., ..., pedindo que se reconheça a celebração de um negócio fiduciário e, em consequência, que se ordene o registo da compropriedade de 19/50 sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...80, da Freguesia ..., a favor da herança aberta por óbito de HH.

A título subsidiário, solicita o Autor que a herança aberta por óbito de AA, representada pelos Réus EE, FF e GG, seja condenada a indemnizar a herança aberta por óbito de HH, representada pelo Autor, «a título de enriquecimento sem causa, no valor de 24.000,00 €, acrescido dos juros legalmente aplicáveis desde a citação».

Para além disso, solicita ainda o Autor que «seja constituída servidão de utilização da água por destinação do pai de família do furo existente no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...80, da Freguesia ..., a favor do prédio omisso na Conservatória com os artigos matriciais ...15..., ...16... e ...69º da União das Freguesias ..., ... e ..., mais sendo os RR. condenados a repor a infraestrutura de passagem da água, ou a pagar os respetivos custos caso o trabalho seja executado a pedido do A., acrescido de juros legalmente aplicáveis».

Para tanto, alega, em síntese, o Autor que o prédio rústico situado em ..., com a área de 20.556 m2 e que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...80 pertenceu aos seus pais HH e II, ambos já falecidos.

Para além do Autor, HH e II tiveram uma outra filha, AA, já falecida, a qual deixou como herdeiros o seu marido, o Réu EE, e os dois filhos, os Réus FF e GG.

Sucede que, no ano de 2007, quando foram realizadas partilhas por óbito de II, o Autor, o seu pai e a sua irmã acordaram que uma parcela do prédio rústico atrás identificado seria adjudicada a AA, a título de dação em pagamento de uma dívida que o Autor tinha contraído perante a mesma, enquanto a segunda parcela do referido prédio seria adjudicada ao pai do Autor, HH.

Contudo, não tendo sido possível efetuar o destaque da parcela em causa, na data agendada para a outorga da partilha o Autor, o seu pai e a sua irmã acordaram que esta «ficaria titular do prédio todo até ao falecimento de HH, altura em que a titularidade da parcela B (…) deveria ser restituída à sua herança para efeitos de partilha”, sem prejuízo de tal parcela ser transmitida “para o nome de HH ainda em vida deste», caso fosse possível regularizar a documentação necessária.

Apesar disso, os herdeiros de AA não aceitam integrar a referida parcela na relação de bens apresentada para efeito de realização da partilha da herança aberta por óbito de HH, tendo, inclusivamente, vendido a totalidade do terreno aos Réus CC e DD pelo preço de € 63.000,00.

Acresce ainda que «desde há cerca de 40 anos que o terreno vizinho, denominado C..., se serve da água proveniente do furo existente no prédio objeto destes autos», sendo certo que também o prédio denominado C... integra a herança aberta por óbito do pai do Autor.

Efetivamente, «HH e JJ compraram o prédio denominado C... pouco depois de 1975” e, depois de adquirirem o prédio rústico atrás identificado, “fizeram ali um furo, colocando um motor para extrair a água e levá-la por tubos de água que colocaram até ao prédio denominado C..., passando por baixo da estrada».

Acontece que, depois de terem comprado o prédio rústico atrás identificado, o que sucedeu no mês de junho de 2020, os Réus CC e DD cortaram os referidos tubos de água, «deixando o prédio denominado C... de ter acesso à água do furo», o que o Autor, na qualidade de cabeça-de-casal da herança da qual faz parte o prédio denominado C..., não aceita.

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Devidamente citados para os termos da presente ação declarativa, os Réus vieram aos autos apresentar contestação.

Com efeito, os Réus EE, FF e GG alegam que a partilha outorgada no dia 10 de janeiro de 2007 espelha o que as partes dela quiseram fazer constar, não padecendo de qualquer vício que possa fundamentar a respetiva nulidade.

Assim, não tendo sido aposta na referida escritura pública qualquer cláusula fiduciária ou qualquer condição de validade, concluem os Réus que os pedidos formulados pelo Autor deverão ser julgados improcedentes.

De qualquer forma, por mera cautela, acrescentam os Réus que, «havendo título de aquisição (escritura de partilha), sempre a posse do terreno durante 10 anos daria lugar à usucapião (artigo 1294º do Código Civil)».

Quanto ao mais, os Réus alegam desconhecer a existência de qualquer servidão que onere o prédio por si vendido, sendo certo ainda que entre os dois prédios em causa existe uma estrada municipal, razão pela qual sempre seria necessária a obtenção de autorização administrativa para que os tubos indicados pelo Autor a pudessem atravessar, o que não foi pelo mesmo alegado.

De todo o modo, acrescentam ainda os Réus que o prédio dominante beneficia de um poço com água e eletrificado e tem acesso a água canalizada.

Por último, alegam os Réus que «o Autor litiga com manifesta má fé ao alegar factos que bem sabe não serem verdade e omitir outros com interesse para a boa decisão da causa, como é o facto de dever à sua irmã AA um valor de 50.000 €», motivo pelo qual solicitam que seja condenado, como litigante de má fé, no pagamento de multa e de indemnização no valor de € 10.000,00.

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Também os Réus CC e DD juntaram aos autos o seu articulado de contestação, nos termos do qual alegam que desconheciam a existência de «qualquer vício que pudesse perigar a sua aquisição» do prédio rústico a que se reportam os presentes autos, motivo pelo qual deverão ser considerados terceiros de boa fé.

De igual forma, os Réus desconheciam também «a existência de qualquer serventia de água proveniente de furo existente no prédio» que compraram aos restantes Réus, tendo a mesma chegado ao seu conhecimento apenas após a outorga do documento particular autenticado que formalizou o contrato de compra e venda.

Por outro lado, tendo verificado que, junto do furo, se encontrava uma derivação de torneiras e que estas estavam todas fechadas, os Réus supuseram que as mesmas «seriam para diversos pontos da propriedade que então tinham adquirido», sendo certo ainda que «as canalizações existentes aparentavam não ser usadas há largos anos».

De todo o modo, caso venha a ser reconhecida a existência de negócio fiduciário e ordenado o registo da compropriedade de 19/50 a favor da herança aberta por óbito de HH, os Réus não têm interesse em manter a propriedade de apenas uma parte do imóvel, já que o adquiriram com o propósito de nele construir a sua casa de habitação.

Assim, uma vez que, para além do preço de € 63.000,00, os Réus suportaram ainda o pagamento da quantia de € 30.000,00 com as obras de reconstrução da edificação existente no local, da quantia de € 2.500,00 com a realização de limpezas e melhoramentos, da quantia de € 4.200,00 com o pagamento de Imposto do Selo, IMT e despesas relacionadas com o registo da propriedade e com a formalização do contrato, bem como da quantia de € 1.600,00 a título de «despesas inerentes à sua defesa, por terem sido chamados à presente ação», solicitam os Réus, em sede reconvencional, que o Autor e os restantes Réus sejam condenados no pagamento da quantia global de € 101.300,00, acrescida de juros contados desde a data da respetiva notificação até integral pagamento.

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O Autor juntou aos autos o articulado de réplica a que corresponde a referência n.º 2564733, sustentando que, por não ter celebrado qualquer negócio com os Réus CC e DD, não é responsável pelo pagamento de “eventuais indemnizações que os Reconvintes possam vir a ter se o Tribunal reconhecer que parte da propriedade pertence à herança de HH”.

Assim, requer o Autor que o pedido reconvencional formulado pelos Réus seja julgado improcedente.

Para além disso, o Autor respondeu ao pedido de condenação como litigante de má fé, através da junção aos autos do requerimento a que corresponde a referência n.º 2575906, nos termos do qual alega que se limitou a apresentar a sua versão dos factos e que, caso a mesma venha a ser demonstrada, a sua pretensão é juridicamente defensável.

Deste modo, uma vez que não instaurou a presente ação «com o objetivo doloso de obter uma vantagem ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar o trânsito em julgado de uma decisão», requer o Autor que o pedido de condenação a título de litigância de má fé seja julgado improcedente.

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O pedido reconvencional formulado pelos Réus foi admitido, parcialmente, por despacho a que corresponde a referência n.º 33682865, tendo sido rejeitado na parte em que foi solicitado o pagamento da quantia de € 1.600,00.

Após o envio dos autos ao Juízo Central Cível ..., o Autor foi convidado, ao abrigo do disposto no artigo 590º, n.º 2, alínea b), n.º 3 e 4, do CPC, a suprir as insuficiências na exposição da matéria de facto apontadas no despacho a que corresponde a referência n.º 33936730, especificando os factos que fundamentam o pedido formulado a propósito da servidão de águas por si invocada.

Em consequência, o Autor juntou aos autos o articulado aperfeiçoado a que corresponde a referência n.º 2743241, tendo os Réus EE, FF e GG reformulado também a sua contestação, nos termos constantes do requerimento com a referência n.º 2749048.

A audiência prévia foi dispensada, tendo sido proferido despacho saneador, bem como despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova (cfr. referência n.º 34147646).

Nessa sede foi...

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