Acórdão nº 1701/22.8T8CSC.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-01-10

Ano2024
Número Acordão1701/22.8T8CSC.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

AA, Autor, notificado da sentença que antecede, não se conformando com tal decisão e porque tem legitimidade e está em tempo, vem dela recorrer.
Pede que se altere a matéria de facto assente e em consequência se profira um acórdão anulatório da sentença na parte de que se recorre sendo esta substituída por outra que decida pela procedência da ação e conclua pela condenação da Recorrida a pagar ao Recorrente o trabalho suplementar realizado.
Funda-se nas seguintes conclusões:
1. Pretende o Recorrente com o presente recurso impugnar essencialmente a decisão proferida sobre a matéria de facto por considerar que ocorreu um erro na apreciação da prova e consequentemente as conclusões de direito que sobre ela foram retiradas.
2. Na sentença de que ora se recorre a Meritíssima Juiz a quo, não se pronunciou sobre grande parte dos factos alegados pelo Recorrente na sua petição inicial, nomeadamente no que respeita aos factos alegados nos art.ºs 16º a 116º, que constituem factos essenciais da causa de pedir, já que se reportam à alegação dos dias, horários e horas suplementares que considera ter realizado no período compreendido entre Novembro de 2017 e Novembro de 2021.
3. Ora, sem se saber, se tais factos foram ou não considerados como provados, de forma individualizada na sentença de que se recorre, torna-se ininteligível a decisão de direito proferida.
4. Pelo que a concluir-se pela insuficiência da matéria de facto constante da decisão de que agora se recorre, deve o processo baixar à 1ª instância, para que possa a mesma ser corrigida, se se entender que os elementos constantes dos autos são suficientes para a prolação de nova decisão ou então que seja determinada a repetição do julgamento para nova produção de prova.
5. Considera também o Recorrente que deveria ter sido dado como provado com fundamento na prova produzida que o horário de trabalho afixado no local de trabalho (tendo presente o facto dado como provado no nº 12), comportava a realização de um horário de trabalho semanal de 41horas e 15 minutos e consequentemente a realização de 1 hora e 15 minutos de trabalho suplementar por semana.
6. Isto porque, de acordo com o horário de trabalho afixado, o Recorrente praticava um horário de 7 horas e 30 minutos à segunda, quinta, sexta, sábado e Domingo e de 3 horas e 15 minutos às terças-feiras.
7. Ora, da soma destes tempos de trabalho resulta um horário trabalho semanal de 41h15m, pelo que tal facto deve ser dado como provado.
8. O Recorrente discorda da ponderação que foi feita dos depoimentos das testemunhas pela Meritíssima Juiz a Quo, pelo que pretende a sua reapreciação a fim de obter pronúncia sobre os seguintes factos:
a) o Autor praticou um horário de trabalho com entrada às 10h30m (horário de almoço decorria entre as 11h00 e as 11h30) – saída (quando já não houvesse clientes para servir) – entrada 18h00 (horário de jantar decorria entre as 18h00 e as 18h30) – saída (quando já não houvesse clientes para servir)
b) As horas de trabalho praticadas pelo Autor entre as 10h e 11h45m, entre as 15h30m e as 19h45m e a partir das 23h são consideradas trabalho suplementar.
9. É que resulta dos depoimentos das testemunhas, claramente, que o horário de saída do Recorrente e dos restantes trabalhadores não correspondia ao horário em que deixavam de poder entrar novos clientes (vulgo «horário de encerramento ao público»), mas seria sempre após a saída do último cliente e da limpeza da sala.
10. Sobre esta matéria veja-se o depoimento da testemunha CC:
• Ao 00h:05m:54s do seu depoimento - O horário de trabalho? Tínhamos hora de entrada, de saída não tínhamos. Fechava dez horas, dez e qualquer coisa e muitas das vezes saímos às quatro, quatro e tal, chegávamos às seis horas e depois não havia hora de saída também no final do dia. Outras vezes nem saiamos, quando era fins-de-semana, quando havia que fazer, a gente entrava, se houvesse que fazer tínhamos dias que fazíamos direto desde as dez ou dez e pouco até à meia-noite ou uma da manhã, aquilo que fosse.”
(sublinhados nossos)
• ao 00h:11m:40s do seu depoimento Exatamente.”
• ao 00h:11m:52s do seu depoimento – Enquanto houvesse clientes tínhamos que os servir, não é? Se a gente viesse embora…”
• ao 00h:15m:07s do seu depoimento - Nunca. Ele cumpria o horário que eu cumpria e os outros todos. Era sempre… praticamente entrávamos quase todos ao mesmo tempo e saímos quase todos ao mesmo tempo.”
11. E da testemunha DD:
• ao 00h:03m:44s do seu depoimento – Portanto, o início da jornada de trabalho, pelo menos o meu, eu entrava às dez e meia da manhã e quando chegava lá já lá estava o pessoal todo, os funcionários relativamente à parte da sala. Já lá estavam. Eu era o último a chegar porque vinha de Lisboa e era o último a chegar. Entrava às dez e meia, portanto a partir das onze, onze e tal, íamos almoçar, o período de almoço nem chegava a meia hora, praticamente um quarto de hora, vinte minutos, iniciávamos o trabalho e acabava de sair às quatro e meia, cinco horas da tarde e voltava para a segunda parte da jornada de trabalho, ou seja, para os jantares às seis da tarde. Jantávamos novamente, o período de jantar nunca era a meia hora, e acabava por terminar a jornada de trabalho lá para a meia noite. Isto numa altura, e volto a frisar, do período de restrições de horários inerentes ao estado de emergência que, entretanto, foram decretados. Isso à meia noite de dias normais. Em vésperas de folga, como tínhamos que fazer a limpeza acabava por sair de lá à uma da manhã. Portanto, isto era o horário que eu fazia e que os meus colegas faziam. Portanto, aquilo eu estou-lhe a dizer corresponde à verdade, é uma verdade que não é condicionada, nem está sujeita a represálias, compreende a Senhora Doutora o que estou-lhe a dizer? O que eu estou-lhe a dizer é a verdade, corresponde ao horário, não vale a pena estarmos aqui a (impercetível) a realidade ou estar com (impercetível).”
• ao 00h:05m:24s do seu depoimento - “Exatamente. Senhora Doutora, fazia, exatamente. E como lhe acabei de dizer há bocado, eu quando chegava lá o Senhor AA já lá estava, inclusive os outros funcionários. Eu era o último a chegar, talvez porque viesse de Lisboa, entrava sempre àquela hora. Eram dez e meia.”
• ao 00h:05m:43s do seu depoimento - Sim, Senhora Doutora. Às vinte e três naquela altura os clientes tinham restrições de horários, (impercetível) mas como a senhora sabe, tem que arrumar tudo, é chamada a mise en place, em linguagem técnica da restauração. E depois tínhamos que pôr a sala novamente, arrumar uma esplanada que a firma tinha, o Senhor EE, que significa a firma. tínhamos que arrumar aquilo tudo. Pronto. Acabávamos por sair de lá à meia noite e nas vésperas da folga saímos de lá à uma da manhã.”
• ao 00h:09m:34s do seu depoimento - O que importa é o fecho… A cozinha até pode fechar às dez, os empregados de mesa estando lá clientes não podem ir embora. Têm que aguentar até os clientes irem embora.” (sublinhados nossos)
12. Ora, do depoimento conjugado destas duas testemunhas retira-se que não obstante o encerramento do restaurante ocorrer às 23 horas, o Recorrente e os seus colegas teriam sempre de se manter ao serviço até o último cliente abandonar a sala e todas as arrumações, inclusive a mise en place do dia seguinte estarem realizadas.
13. E o depoimento destas testemunhas tem de relevar nesta sede, o testemunho de CC, com uma antiguidade na recorrida de cerca de 25 anos não pode ser desvalorizado pelo facto de ter saído em litígio, quando para mais é o próprio que revela a sua existência e o assume – o que só pode ser interpretado como uma manifestação de boa-fé.
14. Sendo também de relevar o depoimento de DD, que, trabalhou como extra no estabelecimento da Recorrida por diversas vezes, não obstante apenas ter trabalhado em dias seguidos, apenas quinze, fez um depoimento que deve ser considerado confirmativo do anterior, uma vez que não estão em clara oposição, antes pelo contrário mostram sintonia.
15. Como não é suficiente para fundamentar que a existência de trabalho suplementar indicada pelo Recorrente seja duvidosa “(…) o que resulta dos registos do Autor que em todos os dias da semana (exceto à quarta-feira), em todos os meses do ano houvesse necessidade diária de prestação de trabalho suplementar, quando resulta da experiência comum que a atividade da restauração tem alguma sazonalidade e uma incidência particular nos fins-de-semana e dias que o precedem”.
16. Porque, o que resulta da experiência comum da atividade da restauração, é que este é um dos sectores com maior trabalho suplementar não declarado, precisamente pela necessidade de prolongar horários até à saída do último cliente, para apenas, após isso, proceder à limpeza completa do estabelecimento comercial, preparar a mise en place para o dia seguinte e em muitos casos proceder ao encerramento da caixa e contagem dos valores realizados.
17. Sendo certo, que na maioria dos casos os trabalhadores do sector da hotelaria não reclamam as horas realizadas a mais e quando o fazem, é já no final da relação laboral, pelo que o facto do Recorrente só vir a reclamar agora o trabalho suplementar prestado, não pode ser fundamento bastante como faz a Meritíssima Juiz a quo para que se torne duvidosa esta reclamação – até porque o próprio legislador concedeu ao trabalhador um ano após a cessação do vínculo contratual para reclamar os respetivos créditos.
18. E claudicam todas as referências ao período de pandemia para afastar a possibilidade de o Recorrente ter realizado trabalho suplementar, pois o seu pedido tem início em Maio de 2017, e o período de pandemia em causa corresponde apenas a cerca de pouco mais de um ano (Março de 2020 a Abril de 2021) do pedido e o Recorrente expurgou todo esse tempo do seu pedido, bem como o fez no que
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