Acórdão nº 170/21.4YHLSB.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 24-02-2022

Data de Julgamento24 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão170/21.4YHLSB.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO:
1. Beiersdorf AG, intentou ao abrigo do disposto nos artigos 38.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, recurso do despacho do Diretor de Marcas do INPI que concedeu o registo da marca nacional n.º 647609 a C..., pedindo que fosse revogado o despacho recorrido, com consequente recusa do registo para assinalar os produtos e serviços descritos nas classes 3, 5, 8, 18, 21 e 35.
Alegou em síntese que, impunha-se a recusa de registo da marca registanda, por constituir uma imitação das suas marcas prioritárias, e por ser plausível que possam ocorrer situações de concorrência desleal, porque embora os sinais em confronto não sejam idênticos, apresentam semelhanças muito elevadas, o que aliado à identidade de produtos e serviços potenciam o erro ou risco de confusão do consumidor ou a associação da marca registanda à mesma proveniência das marcas prioritárias.
Alegou, ainda, o uso intensivo das marcas prioritárias, o seu carácter distintivo e a reputação e prestígio por estas granjeado ao longo dos anos, a nível mundial, no sector dos produtos de higiene e cosméticos, sendo frequentemente referidas em estudos e rankings internacionais sobre as marcas mais conhecidas, e notícia frequente em imprensa diversa, concluindo que, pela notoriedade e prestígio das suas marcas, na União Europeia e em Portugal, a Recorrida retirará vantagem desleal do carácter distintivo e da reputação das marcas da Recorrente e nessa medida existirá uma diluição intolerável da reputação e carácter distintivo daquelas.
2. A Recorrida apresentou resposta ao recurso, pugnando pela manutenção da concessão do registo.
3. Foi proferida sentença final pela qual se decretou o seguinte:
“Pelo exposto, julgo improcedente o recurso interposto por Beiersdorf AG, mantendo-se a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
Custas pela recorrente - (artigo 527º do Código de Processo Civil).
Valor da causa: 30.000,01 euros.
Registe, notifique e, após trânsito, comunique ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial.”
4. Inconformada, a Recorrente interpôs recurso de apelação da sentença final, em que, nas conclusões:
i) impugna a matéria de facto, pugnando pela ampliação dos factos provados;
ii) impugna a decisão de direito, com fundamento em errada interpretação dos artigos 232º nº 1 al. b) e h) e 238º nº 1 todos do NCPI.
Conclui, pedindo que seja o presente recurso de apelação julgado totalmente procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituída por outra que recuse parcialmente a marca registanda para assinalar os produtos e serviços que foram objecto do recurso.
5. A Recorrida não ofereceu contra-alegações.
6. Foram observados os vistos legais.
7. No presente recurso de apelação, a Apelante formulou as seguintes
CONCLUSÕES
a. O recurso é interposto da sentença do Tribunal a quo, pois, salvo o devido respeito, que é muito, a Apelante entende que aquele Tribunal decidiu incorrectamente, interpretando e aplicando mal as normas em causa, designadamente, os artigos 232º, nº 1, alínea b), 2ª parte e alínea h) e 238.º n.º 1 todos do CPI, tendo ainda decidido erradamente (por omissão de pronúncia) sobre concretos pontos de facto relevantes para a decisão da causa que deveriam ter sido dado como provados.
b. Com efeito, e antes de mais, a sentença não se pronunciou sobre a notoriedade, reputação e carácter distintivo adquirido das marcas da Apelante e da respetiva prova documental junta aos autos pela Apelante que, a título demonstrativo, confirmam essa mesma notoriedade, reputação e carácter distintivo adquirido.
c. Distintividade essa que, conforme entendimento doutrinal e jurisprudencial sedimentado, constitui um dos fatores relevantes a ter em conta na comparação de marcas e na avaliação do risco de confusão, na senda aliás de decisões bem conhecidas do Tribunal de Justiça da EU de que de resto a Apelante deu conta.
d. Assim, atenta a prova documental (por amostragem) junta aos autos pela Apelante– documentos nºs 11 a 19, inclusive – deveria a sentença recorrida ter dado como provados os fatos vertidos nesses documentos, designadamente:
e. - Que as marcas da Apelante são frequentemente referidas em estudos e rankings internacionais sobre as marcas mais conhecidas nomeadamente entre os anos 2008 a 2021;
f.- Que as marcas da Apelante foram eleitas marca de confiança há 20 anos consecutivos.
g. - Que em 2020 a marca NIVEA (a mais escolhida na Europa) teve uma penetração no mercado de mais 50%, só equivalente a uma outra marca, a Coca-cola.
h. Factos que se requer sejam aditados aos fatos dados como provados.
i. Por outro lado, a sentença recorrida interpretou e aplicou em sentido errado as normas que constituem fundamento jurídico da decisão previstas nos arts.º 232 nº 1, alíneas b) e h) e 238.º n.º 1, e ainda no artigo 11º do Regulamento 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho
j. Efectivamente, a sentença recorrida desde logo entendeu que quer o INPI quer a Apelante “em concordância” consideravam estarem verificados os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 238º do CPI pelo que não tinha que os apreciar, subsumindo-se a questão jurídica a apreciar somente à análise do requisito plasmado na alínea c) do mesmo artigo, questão única sobre a qual se debruçou.
k. Sucede que, apesar de haver concordância entre a Apelante e o INPI quanto, apenas, à conclusão da verificação do requisito previsto na alínea b) do citado artigo, os fundamentos da Apelante e do INPI diferem, o que não é despiciendo pois faz toda a diferença na apreciação do risco de confusão entre os sinais.
l. Assim, ao invés de fazer uma análise global e interdependente do risco de confusão a sentença recorrida decidiu apenas e exclusivamente se debruçar sobre a análise isolada do requisito referido na alínea c) do artigo 238º do CPI, o que brevemente efetuou em 2 parágrafos, numa única página.
m. Na verdade, enquanto que o INPI genericamente entendeu que com relação a todos os produtos assinalados pela marca registanda nas classes 3, 5, 8 e 21, aos produtos “estojos de beleza” na classe 18 e aos serviços de “venda a retalho online relativos a cosméticos” e “serviços de venda a retalho online relacionados com produtos cosméticos e de beleza” na classe 35 existe identidade e afinidade, não obstante a citada conclusão, a Apelante entende que não existe apenas uma mera afinidade entre os produtos assinalados pelas marcas em confronto, mas sim uma verdadeira identidade e esta diferença poderá ter, e tem, impacto, na apreciação global dos sinais em confronto e na apreciação do risco de confusão, conforme adiante melhor se explanará.
n. Identidade porquanto os produtos e serviços evidenciados constituem sinónimos uns dos outros, logo são produtos e serviços idênticos e não meramente afins.
o. Por outro lado, ainda, as categorias onde se inserem os produtos e serviços assinalados pelas marcas prioritárias são as mais das vezes mais latas que os produtos e serviços mais restritos que a marca registanda visa assinalar. Logo, porque mais lato, o âmbito de protecção das marcas prioritárias abrange totalmente os produtos e serviços da marca registanda e, por conseguinte, também por este motivo estamos perante identidade entre uns e outros.
p. Nessa medida, encontra-se verificado o segundo requisito legal previsto na alínea b) do artigo 238º do CPI por existência de identidade entre os produtos e serviços supra assinalados.
q. Acresce que quanto à análise do requisito legal vertido na alínea c) do nº 1 do artigo 238º do CPI a sentença recorrida não decidiu bem. Esta deve ser uma análise que deve ser feita de forma global, efectuada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem o conteúdo de cada um, em manifesto detrimento das diferenças que poderiam oferecer os seus diversos pormenores quando isolados e separadamente considerados.
r. Desde logo temos que as marcas da Apelante de registo internacional nº936721 e de registo da UE nº000012609 e nº013142112 são marcas verbais constituídas exclusivamente pela expressão de fantasia NIVEA.
s. E mesmo no caso das marcas mistas nº240791 e nº 015034077, o elemento figurativo reduz-se à fonte de letra usado e nada mais, pelo que não constitui um elemento impressivo.
t. A marca registanda é constituída pela palavra NINAE, aposta sob um fundo retangular negro.
u. Assim, efectuando uma comparação global e sucessiva dos sinais em confronto, ressalta de imediato e à primeira vista, sem necessidade de qualquer dissecação dos mesmos (dissecação que de resto, como é entendimento pacífico, não deve ser feita neste tipo de comparações) resulta que: os sinais em confronto são todos compostos por um único elemento verbal central e dominante; o referido elemento verbal em todos os sinais é constituído por uma única palavra de fantasia; por sua vez essa palavra em todos os sinais em confronto é constituída por 5 letras. e a estrutura dos sinais apresenta o mesmo número de consoantes (2) e vogais (3);
v. De resto, os sinais em confronto diferem apenas na terceira letra – em que temos a consoante ‘N’ versus ‘V’ – e a quarta e quinta letras são constituídas pelas mesmas vogais ‘E’ e ‘A’ mas em ordem reversa;
w. Constata-se, portanto, existir semelhança, pelo menos média, entre os sinais. De resto, neste mesmo sentido e em caso muito semelhante, decidiu já esta Relação no acórdão proferido no processo número 328/19.6YHLSB.L1 e publicado no BPI 2021/04/19 disponível para consulta pública em https://inpi.justica.gov.pt/Boletim-da-propriedade-Industrial onde estavam em causa os sinais IKEA vs KITEA.
x. Ademais, de acordo com a jurisprudência firmada do Tribunal de Justiça, a existência ou não de risco de confusão depende de uma apreciação global
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