Acórdão nº 17/21.1JAFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23-01-2024

Data de Julgamento23 Janeiro 2024
Número Acordão17/21.1JAFAR.E1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I - Relatório.

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo que correm termos no Juízo Central Criminal de … - Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 17/21.1JAFAR, foram os arguidos AA, filho de BB e de CC, natural de … (Eritreia), nacionalidade holandesa, nascido a …/…/1969, delegado comercial, titular do Passaporte holandês n.º …, residente em …, …,…, Holanda, em prisão preventiva à ordem dos presentes autos desde 7/5/2021, atualmente no EP de …, DD, filho de EE e de FF, natural de …, …, nascido a /…/…/1981, segurança, titular do CC nº …, que indicou residência na Rua …, nº …, …, em prisão preventiva à ordem dos presentes autos, desde 21/4/2021, atualmente no EP de … e GG, filho de HH e de II, natural de …, nascido a …/…/1982, empresário, titular do Cartão de Residência nº …, residente na Av. …, Lt…., …, em prisão preventiva à ordem dos presentes autos, desde 21/4/2021, atualmente no EP de …, condenados da seguinte forma:

- O arguido AA foi condenado pela prática, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº1 do DL 15/93 de 22/01, por referência à tabela I-B a ele anexa, na pena de 9 (nove) anos de prisão, tendo sido absolvido da prática dos demais crimes pelos quais se encontrava acusado, concretamente, o crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º n.º 1 do DL 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela 1-B anexa ao mesmo diploma na forma agravada prevista no artigo 24º, alíneas c), f) e j), do mesmo diploma e o crime de associações criminosas, p. e p. pelo artigo 28º nº 2 do DL 15/93 de 22 de Janeiro;

- O arguido DD foi condenado pela prática, como coautor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº1 do DL 15/93 de 22/01, por referência à tabela I-B a ele anexa, na pena de 7 (sete) anos de prisão;

- O arguido GG foi condenado pela prática, como coautor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº1 do DL 15/93 de 22/01, por referência à tabela I-B a ele anexa, na pena de 7 (sete) anos de prisão.

***

Inconformados com tal decisão, vieram o Ministério Público e os arguidos interpor recursos da mesma, tendo apresentado, após as motivaçãões, as conclusões que de seguida transcrevemos.

- Conclusões apresentadas no recurso interposto pelo Ministério Público:

“1. Por Douto Acordão proferido nos autos, o arguido AA foi absolvido da prática do crime de Tráfico de Estupefacientes Agravado, p. e p. pelos arts. 21.º e 24 º alíneas c ) e j), do D.L. n.º 15/93, de 22.01 e condenado na pena de 9 anos de prisão, pela prática de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º do citado D.L..

2. O Ministério Público não se conforma com a dita absolvição, por entender que as circunstâncias agravantes previstas nas als. c) e j) do art. 24 º se mostram preenchidas e resultam da matéria de facto dada como provada.

3. De igual modo não se conforma com a medida concreta da pena a que o arguido foi condenado, por um lado tendo em conta a pena abstracta prevista para o crime agravado e, por outro, por não ter levado em linha de conta as elevadas exigências de prevenção especial, ilicitude e culpa do arguido, mesmo que se entenda não estarem preenchidas tais circunstâncias agravantes.

4. No que concerne à circunstância agravante imputada ao arguido -» a obtenção, ou intenção de obtenção de avultada compensação económica -» está demonstrada, atento o facto de ter sido dado como provado que o arguido AA:

a) se deslocou a Portugal, de forma livre, voluntária e consciente, para execução do transporte de 144 Kgs de cocaína; b) seguindo plano traçado pela organização de JJ e KK; c) que havia sido transportada da Colômbia para Portugal e ia ser disseminada e consumida por milhares de pessoas; d) com o valor de mercado superior a 5 milhões de euros.

5. O bem jurídico protegido pelo crime de tráfico de estupefacientes é a saúde pública e, na vertente económica a protecção das economias dos Estados, razão pela qual a agravante reside na particular censura do espírito global de lucro ou ganho avultado.

6. Mais, como bem decidiu o STJ nos Ds. Acs. de 9-11-2016 e de 17.09.2019 a avultada compensação remuneratória que se procura obter pode não resultar da prova do efectivo do lucro de cada agente, análise contabilística irrealizável pelas características clandestinas da actividade, mas dos factos provados na sua globalidade (quantidade de estupefaciente envolvida e as quantias monetárias susceptíveis de ser geradas), reveladores de uma actividade em que a ilicitude assume uma dimensão invulgar, superior à subjacente ao tipo base, assim justificando a agravação da pena abstracta em um quarto, nos seus limites máximo e mínimo.

7. No caso dos autos, há que ponderar que resultou provado: que o arguido aceitou vir a Portugal para aqui receber 144 pacotes de cocaína, equivalentes a cerca de 144 kgs. de cocaína e transportá-la numa viatura automóvel para outros países da Europa; na execução dessa decisão o arguido veio ao nosso país entre os dias 21 e 23 ele Abril de 2021, ficando hospedado no hotel …, em …, encontrou-se com o agente “LL” em …, para receber a cocaína, que já se encontrava na posse da PJ mas esta não lhe foi entregue porque não tinha conseguido alugar uma viatura para fazer o transporte; Voltou a Portugal e ao hotel referido em 3 de Maio de 2021, tendo em vista a recepção e transporte da cocaína; Alugou 2 veículos ligeiros, em …; Deslocou-se a …, no dia 5 de Maio, onde recebeu valor não inferior a 40 mil euros, para entregar em troca da cocaína; Esse valor correspondia a parte do pagamento ao agente “LL” pelo transporte da droga; No dia da detenção o arguido havia entregue, no interior do … um envelope que continha €39.500,00 ao agente “LL”; A cocaína que se encontrava na posse do arguido AA tinha o peso total de 144.215,501gramas e um valor de mercado superior a 5 000 000,00€ (cinco milhões de euros);

O arguido AA tinha ainda na sua posse 2.670,00€ ( dois mil seiscentos e setenta Euros) em numerário, 4 telemóveis; O arguido AA conhecia a natureza e características estupefacientes do produto que detinha e atentas as elevadas quantidades envolvidas que se destinava a ser disseminado e consumido por milhares de pessoas; Actuou com vista a retirar beneficios económicos não concretamente apurados; e Com a venda da cocaína que foi apreendida os elementos da organização, angariariam proventos monetários muito elevados.

8. Face aos factos referidos não substituem dúvidas de que o arguido se deslocou por via aérea, propositadamente, da Holanda para território nacional, para efectuar o transporte de 144 pacotes de cocaína, sabendo que ia ser distribuída pela Europa.

9. Mais, a forma como a cocaína ia ser entregue e transportava foi directamente determinada pelo arguido e foi ele que recebeu, por mão própria, pelo menos 40 mil euros para pagar a quem lhe entregou a cocaína.

10. Tais factos, combinados com as regras da experiência comum, são de molde a concluir que ao arguido AA foi atribuído um grau elevadíssimo de confiança pela organização internacional liderada por JJ e KK.

11. Essa confiança permite afirmar que esse arguido assumiu na rede clandestina um papel central a que certamente correspondia uma “compensação” compatível com esse grau de inserção.

12. A relevantíssima quantidade de cocaína apreendida ao arguido é de um tal volume que revela incontestavelmente um tráfico de dimensão enorme e excepcional que garantiria um lucro avultado que não deixava de fora, um dos ou o principal responsável pelo sucesso desse “negócio”.

13. A intensidade (mais que a duração) da actividade, conjugada com a quantidade de produto e montantes envolvidos no "negócio" apontam para uma operação de internacional e grande tráfico, longe das configurações da escala de base típicas e próprias do «dealer de rua» urbano ou do médio tráfico de distribuição intermédia.

14. Estes factores, de natureza objectiva conduzem, necessariamente, à conclusão de que o arguido procurava uma compensação remuneratória muito avultada que, pelo menos, fizesse jus à sua participação na operação criminosa.

15. Consideramos que se encontra preenchida a agravante prevista na al. c), do art. 24.º, do D.L. 15/93.

16. No que tange à agravante prevista na al. j) dessa norma -» actuação como membro de bando (…).

17. O conceito de “bando” tem sido densificado como figura intermédia entre a simples comparticipação e a associação criminosa, ou seja, constitui um plus diferenciador relativamente à comparticipação, mas não atinge o nível da associação criminosa.

18. “O que conta, o que releva é ser membro de bando”, havendo, “portanto, não só que determinar a existência de um bando como há, outrossim, que estabelecer um nexo de imputação objetiva que demonstre que o agente pertence a um bando” e “que o facto tenha sido levado a cabo com a colaboração de pelo menos outro membro do bando”. E tal colaboração deve traduzir-se em “qualquer tipo de ajuda que se sobreponha à própria cumplicidade, indo ao ponto de admitir também casos de coautoria” (Professor José de Faria Costa” in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pag. 85).

19. No caso dos autos, da conjugação dos factos dados como provados e especialmente atenta a constatação de que o Tribunal a quo deu como provado que:

-» A organização criminosa transnacional de distribuição de Cocaína – liderada por JJ, de nacionalidade …, e KK, de nacionalidade …, tinha planeado a entrega em Portugal daquele produto estupefaciente, em quantidade que era inicialmente de 500kg, e seria depois quase todo transportado para outros países da Europa (facto 1.1);

-» Para a comercialização da cocaína e definição dos procedimentos a isso destinados, designadamente a sua passagem por...

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