Acórdão nº 169/22.3PFLRS.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 25-01-2024

Data de Julgamento25 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão169/22.3PFLRS.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 9 ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. Findo o inquérito foi deduzida acusação contra AA, natural de Lisboa, filho de BB e CC, nascido em ... de ... de 1977, divorciado, titular do CC n.º … , residente na ..., imputando-se-lhe a prática de:
- um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152º, nº 1, als. b) e c) e n.ºs 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal (na pessoa da vítima DD);
- um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152º, nº 1, al. d) e n.º 2, al. a) do Código Penal (na pessoa da vítima EE).
2. Efectuado o julgamento, veio a decidir-se julgar-se a acusação parcialmente procedente e o pedido de arbitramento de indemnização improcedente e o arguido condenado, por sentença datada de ...-...-2023, que
- absolveu o arguido da prática dos dois crimes de violência doméstica, pelo qual vinha acusado;
- condenou o arguido como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no artigo 143, n.º 1 do Código Penal na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de € 6 (seis euros), o que perfaz a multa global de € 360 (trezentos e sessenta euros).
3. Inconformado com tal decisão recorreu o arguido, pugnando pela revogação da decisão e respectiva absolvição, alegando a violação e errada interpretação, pelo tribunal a quo, do disposto nos artigos 32.º, n.º 2 e 5 da CRP, 14.º, n.º 1 e 143.º, n.º1, ambos do CP, 143.º, n.º 1, do CP e 127.º, do CPP.
Rematou o corpo das motivações com as conclusões que se passam a transcrever:
“a) O arguido foi condenado pela prática como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no artigo 143, n.º 1 do Código Penal na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de € 6 (seis euros), o que perfaz a multa global de € 360 (trezentos e sessenta euros).
b) Com relevância para o presente recurso são os seguintes os factos dados como provados que pretende o recorrente ver agora novamente analisados à luz do direito:
5. Em data não apurada, compreendida no decurso do ano de ..., arguido, vítima e o menor EE encontravam-se no domicílio comum.
6. Então, no contexto de discussão, na presença do menor EE, o arguido desferiu um empurrão na vítima, fazendo-a cair sobre uma cama, assim lhe causando dores.
12. Ao agir da forma descrita, actuou o arguido com o propósito alcançado de ofender o corpo de DD, o que fez no domicílio comum e na presença do menor EE, filho da vítima, apesar de saber que devia particular respeito e consideração à ofendida enquanto sua companheira e mãe de seu filho FF.
13. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.
c) E, sendo estes os factos apurados e dados como provados não pode o recorrente concordar com a conclusão a que chegou o tribunal a quo quando afirma na sua motivação que:
Resultou provado que o arguido desferiu um empurrão na ofendida e que a quis agredir, tendo agido com dolo directo - artigo 14 n.º 1 do Código Penal.
É quanto basta para que se julgue que o arguido praticou o crime de ofensa à integridade física simples, pois encontram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime em apreço, inexistindo causas de exclusão da ilicitude e da culpa.
d) Pois os factos dados como provados não são os bastantes para que se julgue que o arguido praticou o crime de ofensa à integridade física simples sendo insuficiente para a decisão a matéria de facto provada.
e) Na perspectiva do recorrente existe clara violação do art.º 32.º, n.º 2 e 5 da CRP, 14.º, n.º 1 e 143.º, n.º1, do CP e 127.º, do CPP.
f) E não interpretou o tribunal a quo correctamente o tipo de ilícito.
Senão veja-se:
g) O princípio do contraditório (cfr. art.º 32.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa) determina que: nenhuma decisão deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar”.
h) E, o balizamento temporal das condutas do arguido não se mostra feito com o mínimo de concretização exigido pelo efectivo exercício do direito de defesa.
i) Dizer-se que: em data não apurada, compreendida no decurso do ano de ..., o arguido desferiu um empurrão na vítima, fazendo-a cair sobre uma cama, assim lhe causando dores; não integra uma certeza que se quer objectiva sobre os factos imputados.
j) E manifesta a ligeireza com que os factos vêm descritos, não se fazendo qualquer menção, por exemplo, à altura do ano, parte do dia, local da casa, etc… (Terá sido no primeiro, segundo, terceiro trimestre do ano de ...? Era dia, tarde, noite? Em que cama? De que cómodo da casa?).
k) Outrossim, ainda que se entenda que não há qualquer violação do princípio do contraditório e bem assim, que os factos apurados não são insuficientes para a decisão; é também entendimento do recorrente que os factos em apreço não constituem a prática do crime que lhe é imputado.
l) Pois que, o crime de ofensa à integridade física supõe a produção de um resultado que é a ofensa do corpo ou da saúde de outra pessoa e que tem de ser imputado à conduta ou à omissão do agente, de acordo com as regras gerais de apuramento da causalidade.
m) Conforme entendimento da doutrina e da jurisprudência das Relações, as lesões insignificantes estarão excluídas do referido tipo legal, tendo em conta que os tipos penais não são neutros mas antes, exprimem já, e de uma forma global, um sentido social de desvalor.
n) Se alguém empurra outrem:
- sem sequer se mencionar onde colocou as mãos (i.e., se foi até com as mãos, pois pode até se colocar a questão de ter sido um mero encontrão com um ombro ou corpo por exemplo, cfr. aliás descrito pelo arguido);
- sem mencionar onde foram sentidas as dores (não é mencionada qualquer zona de impacto);
e essa pessoa cai ou desequilibra-se para cima de uma cama (que, como é do conhecimento geral terá uma superfície amortecida por um colchão), a conclusão não poderá ser outra, que não, a que tal empurrão é insignificante do ponto de vista da afetação da integridade física, enquanto bem jurídico aqui tutelado.
o) Mais, em momento algum – quer na acusação quer na sentença – é mencionado o sítio onde a suposta ofendida terá sentido dores.
p) Sendo previsível e consentâneo com as regras da experiência comum, que os factos dados como provados não provocaram qualquer dor e também não são atentatórios do bem-estar físico da assistente.
q) Mais, quisesse o arguido infligir qualquer dor ou mau estar físico na assistente – agora referindo-nos à imputação da conduta a título de dolo – decerto que não empurrava ou dava um encontrão nesta com vista à mesma vir a embater numa superfície mole, um colchão!
Nestes termos e face ao supra exposto, entende o recorrente que deve a sentença ora recorrida ser substituída por uma sentença absolutória.”
4. Da mesma forma, não concordando com o teor da referida sentença, a assistente DD dela também recorreu, pretendendo que a mesma seja
a) revogada e substituída por outra que condene o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, p.e.p. pelo artigo 152º nº1 al. d) e nº 2 al. a) do CP, praticado contra pessoa da assistente/recorrente;
b) Para eficaz tutela das exigências de prevenção especial que se fizeram sentir no caso em concreto, sugeriu ainda a sua condenação nas penas acessórias de
(1) obrigação proibição de contactos com a assistente/recorrente DD, a graduar entre seis meses e cinco anos, com efetivo afastamento da sua atual residência/local de trabalho, a ser fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância;
(2) obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica;
c) E, em consonância com o defendido, ser condenado no PIC formulado pela assistente, num valor de 3.000,00€ (três mil euros);
d) Caso assim não se considere, subsidiariamente, deve ser o arguido condenado pela prática de um crime de ofensas à integridade física qualificada, p.e.p. no artigo 145º, nº1 al. a), nº2 e 132º, nº2 al. b) do CP.
5. Devidamente admitidos os recursos, o Ministério Público respondeu ao interposto pelo arguido defendendo a manutenção da decisão recorrida e formulando as seguintes conclusões que se passam a transcrever:
“1. Por sentença datada de ... de ... de 2023, o tribunal a quo decidiu absolver o arguido AA da prática de dois crimes de violência doméstica –
pelos quais se encontrava acusado - e condena-lo pela prática, como autor material, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz a multa global de €360,00 (trezentos e sessenta euros).
2. Não foi violado o princípio da livre apreciação da prova.
3. O principio do contraditório foi respeitado.
4. Da prova produzida em audiência de julgamento resultaram provados os factos dados como tal.
5. Foi apreciada toda a factualidade relevante em ordem à sentença a proferir.
6. Inexiste erro notório na apreciação da prova.
7. Inexiste, igualmente, uma contradição irremediável ou uma incompatibilidade entre dois ou mais factos contidos no texto da decisão recorrida e dados como provados.
8. A sentença objeto do presente recurso encontra-se devidamente fundamentada, nela constando os motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão.
9. A decisão recorrida não merece reparo.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, como é de
JUSTIÇA”
6. Da mesma forma, respondeu o MP ao recurso interposto pela assistente junto do Tribunal a quo, defendendo a manutenção da decisão recorrida, concluindo como se transcreve a seguir:
“1. Por sentença datada de ... de ... de 2023, o tribunal a quo decidiu absolver o arguido AA da prática de dois crimes de violência doméstica –
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT