Acórdão nº 16802/21.8T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 11-10-2022

Data de Julgamento11 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão16802/21.8T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 16802/21.1T8PRT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
AA e BB, residentes na Rua ..., ... Porto, intentaram a presente acção declarativa comum contra CC e DD, residentes na Rua ..., ... Porto.
Alegaram, em síntese, os seguintes factos: os autores são possuidores e proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...; os réus são possuidores e proprietários do prédio urbano descrito na mesma Conservatória do Registo Predial sob o artigo ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...; os referidos prédios são contíguos e ambos provêm de desanexações do prédio descrito na referida Conservatória sob n.º ... (anterior o n.º ...); antes destas desanexações, foram construídas no prédio mãe 4 casas, com 4 dependências e 4 garagens, após o que a Câmara Municipal ... lhes atribuiu os números de polícia ..., ..., ... e ...; as Finanças atribuíram a cada uma das casas, dependências e garagens os artigos matriciais ..., ..., ... (actual ..., propriedade dos réus) e ... (actual ..., propriedade dos autores); em 1966 foi efectuado o respectivo averbamento junto da Conservatória do Registo Predial; os prédios que actualmente são propriedade dos autores e dos réus passaram a estar descritos nos termos expostos, fazendo parte de cada um deles uma casa de 2 pavimentos, 1 dependência e 1 garagem; a partir de 10.01.2008, os referidos prédios, com a descrição comum n.º ..., passaram a estar registados a favor de EE e FF, em comum e sem determinação de parte; a partir de 20.03.2009, os referidos prédios passaram a estar registados apenas a favor de EE; em 15.04.2009 foram comprados por G... Lda., que desde então passou a constar do registo como sua proprietária; em 15.07.2009, a referida G..., Lda. desanexou do referido prédio mãe, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...; em 23 de Julho de 2009, a referida G..., Lda. procedeu a nova desanexação do mesmo prédio mãe, originando o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...; no referido 15.07.2009 foi efetuado um registo provisório de aquisição a favor de GG, HH e II, do referido prédio n.º ..., convertido em definitivo em 04.08.2009, data em que a “G...” vendeu o referido prédio às pessoas antes nomeadas; em 16.07.2010, estes venderam o referido prédio descrito sob o n.º ... aos aqui réus; o prédio descrito sob o nº ... foi vendido pela sociedade “G...”, em 10.11.2011 à sociedade J..., Lda. que, por sua vez, o vendeu em 15.09.2014 a JJ; em 28.10.2016, esta última permutou o referido prédio com os autores; na escritura de compra e venda do prédio descrito sob o n.º ..., que outorgou em 04.08.2009, a “G...” constituiu a favor deste prédio uma servidão de passagem a pé e de carro por um corredor com a área de 100,60 m2 sobre o prédio vizinho, designadamente o descrito sob o nº ..., destinada a assegurar uma passagem de acesso a uma garagem edificada dentro deste prédio confinante; na verdade, a garagem descrita como sendo parte integrante do prédio dos réus situava-se e situa-se dentro dos limites do prédio dos autores, não tendo qualquer ligação física com o prédio dos réus, encontrando-se estes dois prédios divididos por um muro construído há mais de 40 anos; por ignorância, os autores nunca puseram em causa a licitude e validade da referida servidão e, por isso, sempre consentiram que os réus acedessem à garagem que consta no registo como parte integrante do seu prédio ..., tendo para o efeito facultado aos réus uma cópia do comando de alarme instalado, bem como uma cópia das chaves do portão do prédio, o que sucedeu de forma pacífica até meados de 2020.
Mais alegaram que a garagem em causa lhes pertence, tendo em conta o princípio superficies solo cedit consagrado no artigo 1344.º, n.º 1, do CC, e o princípio da tipicidade dos direitos reais consagrado no artigo 1306.º, n.º 1, do mesmo código, visto que a mesma não integrou a desanexação do prédio actualmente descrito sob o n.º ..., por não estar implantada neste, tendo permanecido no prédio mãe até 23.07.2009, data em que foi abrangida pela desanexação do prédio actualmente descrito sob o n.º ..., razão pela qual a servidão de passagem constituída sobre este prédio dos autores em benefício do prédios dos réus é nula, nos termos do artigo 294.º do CC, por não gerar qualquer utilidade ou proveito para o prédio dominante, conforme pressupõe o artigo 1453.º do CC.
Concluíram pedindo:
a) Se declare a propriedade dos autores sobre a garagem que se encontra dentro do seu prédio;
b) Se condenam os réus a restituir a garagem aos autores;
c) Se declare a nulidade do negócio tendente à constituição da “servidão” e a, consequente, inexistência da servidão registada sobre o prédio dos autores.
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Os réus apresentaram contestação, alegando que são proprietários do prédio onde se encontra construída a mencionada garagem, a favor do qual foi regularmente constituída contratualmente a servidão de passagem referida pelos autores.
Mais defenderam que os autores não alegaram matéria factual apta a fundar o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a mencionada parcela onde se encontra erigida a garagem, antes confessando expressamente que não a adquiriram, nem originária, nem derivadamente.
Concluíram pugnando pela improcedência dos pedidos formulados pelos autores.
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Depois de realizada audiência prévia, foi proferido saneador-sentença, no qual se julgou a acção totalmente improcedente e se absolveram os réus dos pedidos.
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Inconformados, os autores apelaram da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«1.ª Se o Tribunal “a quo” entendia, como entendeu, que os Recorrentes não alegaram quaisquer factos integradores da sua causa de pedir, então alternativa não lhe restaria que não fosse a de declarar a ineptidão da petição inicial, com a consequente absolvição dos Recorridos da instância.
2.ª Ao ter decidido pela absolvição do pedido, o Tribunal “a quo” violou o disposto dos artigos 186.º, n.º 1, al. a), 187.º, 576.º, n.º 2, e 577.º, al. b), todos do CPC.
3.ª Caso assim não se entenda, e sem prescindir, entendendo o Tribunal recorrido que a petição inicial não dispunha da alegação dos factos necessários ou bastantes para preencher a causa de pedir da acção de reivindicação de propriedade, designadamente quanto à alegadamente necessária invocação e demonstração da aquisição originária da garagem objecto da presente acção, impunha-se então ao Tribunal recorrido o dever de, no mínimo, convidar os Recorrentes a suprir essa alegada insuficiência de factos articulados, nos termos do disposto pelo artigo 590.º, n.º 2, al. b), e n.º 4, do CPC.
4.ª Assim, ao decidir sem a observância prévia da formalidade do convite ao aperfeiçoamento do articulado inicial apresentado pelos Recorrentes, enferma a sentença recorrida de nulidade, nos termos do n.º 1 e 2, do artigo 195.º do CPC, por violação do artigo 590.º, n.º 2, al. b), e n.º 4, do CPC, o que desde já se invoca para todos os devidos efeitos, com todas as demais e legais consequências.
5.ª Da análise da documentação junta aos autos, entendem os Recorrentes que deveriam ter sido dados como provados outros factos além dos considerados assentes, que se revelam, igualmente, pertinentes para a boa decisão da causa.
6.ª Com efeito, resulta do alvará de licença n.º ... de 1964, junto com a P.I, sob o doc. n.º 8, bem como das plantas juntas aos autos pelos Recorridos (documentos não impugnados), sob docs. n.ºs 1 e 2 do seu articulado de contestação, que no prédio “mãe”, o qual em 1964 era propriedade de KK, foi aprovada a construção de duas garagens no logradouro do prédio da extrema poente do prédio “mãe” e outras duas garagens no logradouro do prédio da extrema nascente do prédio “mãe”.
7.ª Por outro lado, dos documentos juntos à P.I. sob os documentos n.ºs 10, 13 a 19, cujo teor não foi impugnado, logo aceite, pelos Recorridos, resulta que as referidas garagens vieram a ser edificadas nos precisos termos e locais constantes do alvará acima referido.
8.ª Assim, deverá ser acrescentado um facto à matéria dada como provada com o seguinte teor:
“Foram construídas duas garagens no logradouro do prédio mãe, sendo duas na extrema poente do referido prédio e as outras duas garagens na extrema nascente do mesmo prédio.”
9.ª Decorre, também, do alvará de licença n.º ... de 1964, bem como das plantas acima referidas juntas aos autos pelos Recorridos que essa garagem, que faz parte do artigo matricial urbano n.º ... (actual ...) foi construída em local afastado ou não adjacente da respectiva casa e dependência, no alinhamento, respectivamente, da casa a que respeita o artigo matricial urbano n.º ... (actual ...).
10.ª Assim, e para melhor compreensão dos limites físicos da garagem em causa nos autos, bem como da concreta localização da garagem em causa, deverá ser acrescentado ao rol dos factos dados como provados o seguinte facto:
“A garagem em causa nos autos foi construída em local afastado e não adjacente da casa e dependência edificadas no prédio dos Réus, designadamente no logradouro alinhado com a casa edificada no prédio dos Autores a que respeita o artigo matricial urbano n.º ... (actual ...)”.
11.ª Decorre, também, dos documentos juntos à P.I. sob os documentos n.ºs 10, 13 a 19, cujo teor não foi impugnado, logo aceite, os limites de implantação da garagem em causa, estando, até, dado como provado (sob n.º 27) que a garagem não tem ligação física com o prédio dos Recorridos.
12.ª Pelo que deverá ser acrescentado ao rol dos factos dados como provados o seguinte facto:
“Em virtude da desanexação, os limites materiais da propriedade imobiliária do prédio agora propriedade dos Réus passaram apenas a abranger os elementos imobilizados que se encontravam dentro dos seus limites
...

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