Acórdão nº 168/23.8T8ALM.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 18-04-2024

Data de Julgamento18 Abril 2024
Número Acordão168/23.8T8ALM.L1-2
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os abaixo assinados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
«A» e «B», respetivamente, requerida (ou beneficiária) e enteada da requerida, na presente ação especial de acompanhamento de maior que à primeira é movida por «C», seu sobrinho, notificadas da sentença proferida em 12/12/2023, que, entre o mais, nomeou acompanhante da requerida o requerente, e com essa sentença não se conformando, interpuseram, separadamente, o presente recurso.
A ação foi intentada pelo sobrinho da requerida, alegando, em síntese, que esta está internada no Centro de Apoio Integrado a Idosos de …, desde …2022, sofrendo de Alzheimer, depressão, problemas graves da função mental, e Parkinson; não tem noção do espaço físico onde se encontra, não reconhecendo sequer quem a visita, nomeadamente o ora requerente; está totalmente dependente de terceiros para as atividades básicas de vida diária, nomeadamente para se alimentar, tratar da sua higiene e tomar a medicação; está totalmente incapaz para a toma de decisões em assuntos próprios, nomeadamente patrimoniais.
Pede que seja decretado o acompanhamento da requerida pelo requerente e definidas as seguintes medidas de acompanhamento:
a) Representação geral, nos termos do artigo 145.º n.º 2 b) e n.º 4 do Código Civil;
b) Administração total dos bens do requerido, moveis, imóveis e contas bancárias, nos termos do artigo 145.º n.º 2 c) e n.º 4 do Código Civil.
Requereu, ainda, que fosse suprida a autorização da requerida para se sujeitar ao acompanhamento, e que fosse dispensado o Conselho de Família, nos termos do artigo 145.º n.º 4 do Código Civil.
Nomeou como testemunhas «D», «E» e «F».
Houve contestação do Ministério Público.
Foi dispensada a autorização da requerida para a propositura da ação.
Por requerimento de 19/04/2023, a beneficiária constituiu mandatário por procuração datada de 12/04/2023.
Em 16/05/2023, a beneficiária veio aos autos requerer que seja autorizada a presença da enteada «B» na diligência de audição da beneficiária; seja pedido à médica assistente dos utentes do Centro de Apoio Integrado a Idosos de …, a Sr.ª Dr.ª «G», relatório sobre as condições de mobilidade e o estado de saúde da ora requerente; seja a ora requerente sujeita a exame pericial a efetuar pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses nos termos e para os efeitos com que idêntico requerimento foi feito pelo M. D. Procurador da República no processo n.º …/23.1T8ALM, cuja certidão consta nestes autos; sejam ouvidas as testemunhas arroladas naquele processo; e, seja autorizada a prestação de declarações por parte de «B» a par das declarações de parte requeridas por «C».
Efetivamente, «B» tinha, no decurso do ano 2022, diligenciado junto do Ministério Público para propositura de ação de acompanhamento de maior da ora requerida.
Tal ação veio a ser efetivamente intentada pelo Ministério Público e, 01/03/2023, deu origem ao processo …/23.1T8ALM, no qual, por despacho de 31/03/2023, a petição foi indeferida por verificada a litispendência reportada aos presentes autos que tinham dado entrada cerca de dois meses antes, em 09/01/2023.
As testemunhas arroladas naquele processo foram: «C» (que é o requerente nos presentes autos), «H» (subscritora de um atestado médico de 18/01/2022, junto como doc. 5 com a petição do mesmo processo, e de um relatório médico de 25/01/2023, junto como doc. 7 com a petição do mesmo processo) e «I».
Na sequência do requerimento de 16/05/2023, foi ordenada a realização e realizado exame pericial, pelo INML, cujo relatório foi juntos aos autos em 24/07/2023.
Ulteriormente, em 15/11/2023, foram ouvidos a requerida, o requerente e a enteada da requerida, «B».
Em 12/12/2023 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«a) Decretar o acompanhamento de maior de «A», viúva, portadora do Cartão de Cidadão nº …W5 emitido pela República Portuguesa e válido até …, NIF …12, internada no Centro de apoio Integrado a Idosos de …, sito na Rua …, Almada.
b) Aplicar em benefício da acompanhada a medida de acompanhamento de representação geral e administração total de bens, com inibição do direito de celebrar negócios da vida corrente e do exercício de direitos pessoais, como sendo o direito de testar.
c) Fixar a data a partir da qual se verificou a necessidade do acompanhamento em 29/08/2019.
d) Nomear como Acompanhante da beneficiária o seu sobrinho «C», residente na Rua …, Vale de Milhaços, a quem são conferidos poderes gerais de representação da mesma e a quem caberá: i) administrar o património da beneficiária, com obrigação de prestação de contas; ii) proporcionar o apoio e supervisão necessários ao governo da vida pessoal da beneficiária; iii) providenciar relativamente a todas as questões que se prendam com a saúde da beneficiária. iv) promover e permitir o contacto pessoal da beneficiária «A» com a sua enteada «B».
e) Determinar que a medida de acompanhamento em vigor será revista com a periodicidade de 5 (cinco) em 5 (cinco) anos;
f) Não designar, por ora, o conselho de família.»
A requerida não se conformou e recorreu, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«1. O instituto de maior acompanhado, que veio substituir os institutos de inabilitação e interdição veio afirmar a prevalência dos interesses e do bem-estar da pessoa acompanhada e o respeito pelos seus desejos e sentimentos sobre os meros aspectos de manutenção e salvaguarda do seu património.
2. Como tal, ao averiguar-se da idoneidade da pessoa a designar como acompanhante de quem de tal necessite, hão-de ter-se em conta os interesses e preocupações manifestados relativamente à pessoa e ao património do acompanhado.
3. Nos presentes autos resulta patente da prova gravada que ao sobrinho da aqui recorrente, «C», interessa sobretudo a vertente patrimonial que o acompanhamento implica, com nítida relegação do aspecto pessoal no que a afectos e bem estar respeita.
4. O que não é de estranhar dado que só após o início de 2022 é que o referido sobrinho entrou na vida da aqui recorrente. Antes disso, tia e sobrinho mantinham um relacionamento ocasional praticamente só aquando dos aniversários que ambos celebravam.
5. Pelo contrário, a enteada da ora recorrente, «B», viveu com ela como se filha fosse desde os 18 anos e durante 11 anos e 5 meses - até que se casou - e continuou a manter convívio assíduo com ela até que foi internada no Lar onde actualmente se encontra, após o falecimento do marido da recorrente e pai da «B», em princípios de 2022.
6. Os laços afectivos que ao longo de cerca de trinta anos se estabeleceram entre enteada e madrasta justificam que o acompanhamento seja deferido à «B», que sempre cuidou da ora recorrente em termos de saúde e gestão de bens, e se revela a pessoa que melhor é capaz de salvaguardar os seus desejos e sentimentos.
7. Não pondo em causa a necessidade actual de acompanhamento da ora recorrente - que, aliás, tomou a iniciativa de o requerer à Procuradoria do Juízo Local Cível de Almada, onde chegou a tramitar sobre o processo n.º …/23.1T8ALM, Juiz 2 - a fixação da medida de acompanhamento de representação geral e administração total de bens a partir de 29/08/2019 não faz qualquer sentido face à prova existente nos autos, nomeadamente os relatórios da médica especialista em neurologia, Dr.ª «H», segundo os quais em 29/08/2018 as alterações de funções cognitivas da aqui recorrente, de predomínio mnésico, não tinham na altura repercussão nas suas actividades instrumentais da vida diária, pelo que não preenchiam critério de síndrome demencial, e em 18/01/2022 a ora recorrente possuía capacidade cognitiva para a gestão da sua pessoa e bens.
8. A conclusão do perito do INML, que examinou a ora recorrente em 11/07/2023, de que existiria evidência de demência secundária a doença de Parkinson em 29/08/2019 está em contradição com as conclusões expressas pela médica especialista em neurologia que a tem examinado ao longo dos últimos anos.
9. Impunha-se, por isso, o esclarecimento de tal contradição através das diligências que a M. Juiz do tribunal a quo entendesse promover, nomeadamente colhendo declarações de ambos e, eventualmente, de outras pessoas que convivem diariamente com a aqui recorrente (directora do Lar onde está internada, médica do Lar que a acompanha, por exemplo).
10. Ao não ouvir as testemunhas apresentadas pelas partes, a M. Juiz do tribunal a quo violou o disposto no art.º 897.º/1 CPC.
11. Tal omissão compromete irremediavelmente a justeza e equidade da decisão.
12. Devem, salvo melhor entendimento, baixar os autos à primeira instância para que aí se resolva a contradição entre os entendimentos do perito do INML e a médica especialista em neurologia que há vários anos assiste a ora recorrente no que à fixação da data da incapacidade diz respeito.
13. Mostrando os autos, como se entende que mostram nomeadamente através das declarações gravadas e a consideração da interacção pessoal com a aqui recorrente ao longo dos anos, que a pessoa mais idónea para a acompanhar é a sua enteada, deve esta ser desde já designada para o efeito, revogando-se a designação constante da sentença de que se recorre.»
A enteada da requerida também não se conformou e recorreu, com as seguintes conclusões:
«1. Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 631º do NCPC, a Recorrente, não obstante não ser parte na presente causa, é directa e efectivamente prejudicada pela decisão;
2. A douta sentença recorrida fixou a data a partir da qual se verificou a necessidade do acompanhamento em 29/08/2019, apenas pela análise do relatório elaborado pelo perito médico do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), efectuado a 22/07/2023, estando igualmente a fixar, naquela data, a incapacidade da Requerida em tudo o que tenha dito ou diga respeito à manifestação da sua vontade;
3. A Requerida necessita de acompanhamento, em virtude
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